*Bruno Varella
Antes que a discussão descambe para a polarização partidária, porém, é importante salientar que o fato de Dilma ter utilizado essa estratégia diz muito pouco sobre a sua personalidade ou a dos integrantes de seu partido político. Serra, em outros momentos, apelou para práticas semelhantes; basta nos lembrarmos de sua promessa de não abandonar a prefeitura de São Paulo, quebrada pouco tempo depois. Mais importante do que o responsável pela contradição é entendermos algumas das consequências dessa prática.
Uma das principais, em nossa opinião, é a progressiva desvalorização do voto. Imaginemos um eleitor, contrário aos leilões de concessão, que tenha se decidido com base nos dizeres da candidata Dilma. O que pensará esse indivíduo? Dirá que foi enganado? Ou já terá esquecido as razões que o motivaram a votar? Pior, o que o levaria a valorizar a decisão diante da urna no futuro se percebe que o ato, ainda que leve a vitória de um candidato, não significa o respeito às posições defendidas na campanha?
Muitos poderão argumentar que, no Brasil, parte considerável dos eleitores não se lembra nem em quem votou nas últimas eleições e que, portanto, essas reviravoltas têm pequena influência nas eleições futuras. Outros dirão que a decisão de voto é motivada por fatores mais banais do que a análise das propostas de cada candidato. De qualquer maneira, reforçamos o nosso argumento: a falta de cuidado com o corpo de ideias de determinado agrupamento político pode levar, no médio prazo, a uma desvalorização do jogo democrático.
Some-se a isso a crescente pirotecnia das campanhas políticas. O enorme dinheiro gasto em campanhas e no mapeamento dos humores da população acaba por tornar a trajetória dos políticos semelhante a uma novela. Se o povo deseja mais de determinado tema, eis que tudo se transforma repentinamente e o candidato desanda a tecer os seus comentários. No mundo real, entretanto, o discurso de um homem público não deveria ser tão volúvel quanto os humores do mocinho da “trama das 9”. A situação só piora se lembramos que essas estratégias são armadas com recursos que, em quantidade considerável, originam-se de práticas condenáveis.
Longe de sermos inocentes, reconhecemos que a política é um espaço em que o pragmatismo vez ou outra triunfa. Da mesma forma, é evidente que as posições de um político não devem ser equiparadas a uma camisa de força. Mudar de opinião é salutar, desde que esse processo seja baseado em argumentos sólidos. Quando tratamos de uma agenda política, em que as ideias pertencem a uma complexa reunião de vontades, essas transformações podem e devem ser processadas com o devido debate e a afirmação de princípios. Trata-se de algo que, muitas vezes, falta ao nosso cotidiano: justificativas mais bem fundamentadas, que demonstrem que o caminho tomado corresponde a uma parcela de um todo minimamente coerente.
Em outras palavras, o que aqui criticamos não é exatamente a mudança de opinião ao longo de um governo, e sim a forma como os programas de governo são montados na atualidade. Na era dos espetáculos de massa, essas apostilas não mais são mais que um amontoado de ideias. Arrisca-se muito pouco, define-se muito pouco; em resumo, grande parte da riqueza do debate político se perde em meio a considerações de equipes especializadas na criação de uma imagem. Enfim, a homogeneização diminui a importância da urna.
Menos pirotecnia e maior preocupação com a perenidade das propostas. E, claro, se possível, um projeto de longo prazo sustentado por um corpo de ideias dotado de um mínimo de coerência. Para um país que quer chegar ao Primeiro Mundo, isso é uma obrigação. O leitor, obviamente, pode fazer a sua parte, cobrando tal orientação no cotidiano. Caso contrário, os debates políticos se tornarão, cada vez mais, um reality show, em que os participantes – no caso, os candidatos – adequam o seu comportamento exclusivamente de acordo com o seu desejo de evitar o “paredão” da derrota.
*Bruno Varella Miranda- Mestre em Administração pela USP