*Bruno Varella
A atmosfera apocalíptica que vez ou outra acompanha as notícias sobre a conjuntura econômica internacional não combina com as projeções para as cotações do café no longo prazo. Ou, pelo menos, não deveriam combinar. É bem verdade que a aversão ao risco é inimiga dos preços do produto, ao diminuir o apetite dos investidores para a exposição no mercado financeiro. Os fundamentos do mercado, porém, como a oferta, a demanda e os custos, somados à provável realidade climática dos próximos anos, contribuem para que o declínio nas cotações do café tenha um limite claro.
Nas últimas semanas, duas informações têm sido repetidas como mantras por quem aposta em uma queda sustentada dos preços. A primeira delas é a previsão de safra do Brasil, bastante superior à produção anterior. A segunda é a crise econômica nos países desenvolvidos, uma notícia que, embora não seja nova, segue proporcionando considerável incerteza aos agentes.
Ambos os argumentos não deveriam ter um peso exagerado. Como sabemos, previsões de safra são apenas previsões, dependentes do humor do clima. No entanto, ainda que se concretizem – esse ano teremos, de fato, uma safra recorde – estas não deveriam sacudir tanto a trajetória do mercado no longo prazo, basicamente porque os estoques do produto seguem em um nível baixíssimo. Ou seja, uma notícia analisada fora do contexto geral, prato cheio para os especuladores, pouco diz sobre as tendências de longo prazo.
Já a crise, bem, convenhamos: não estamos diante de um fato novo. A incerteza nos acompanha há cerca de quatro anos, período em que, segundo a Organização Internacional do Café, os preços do café no varejo cresceram nos principais mercados consumidores. Uma vez mais, as características do mercado e dos seus participantes é que ajudam a explicar o desempenho do ativo.
Não devemos esperar, por sinal, aumentos consistentes na oferta no longo prazo capazes de reverter essa situação dramaticamente. A questão climática é importante, mas será sentida apenas no médio prazo por boa parte dos produtores. Na atualidade, os custos de mão de obra e de insumos é que parecem ser um limitador. Muito se diz que a oferta adicional para o mercado de café terá que vir do Brasil, e esperamos que isso ocorra, mas é inevitável: esse crescimento deverá vir acompanhado de transformações na própria organização da produção. Afinal, a cafeicultura não está isolada da sociedade, e nosso país está passando por intensas transformações.
Por tudo isso, imaginamos que, no longo prazo, os limitados estoques e o tênue balanço entre a oferta e a demanda jogarão um papel central no estabelecimento das cotações do café. Em outras palavras, é preciso olhar além da crise ou da previsão da safra atual para entender o comportamento do mercado ao longo dos anos. Especuladores talvez não estejam interessados nesse exercício, devido ao seu interesse no lucro de curto e médio prazo; para os produtores, porém, as decisões econômicas dependem de uma avaliação criteriosa que vá além da conjuntura.
*Sylvia Saes - Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)
*Bruno Varella Miranda- Mestre em Administração pela USP