*Bruno Varella
Depois de muito debate, um desfecho para a questão do Código Florestal parece próximo. É provável que a presidente Dilma Rousseff o sancione sem questionar as suas principais novidades, ainda que a decisão talvez fique para o ano que vem. A pergunta que não quer calar é a seguinte: o que esperar desse Código? Quem sai mais feliz ao final das discussões?
A resposta para a segunda questão parece mais simples. Entre todos os que se manifestaram a opinião sobre o Código, as figuras mais ligadas aos “ruralistas” demonstram maior satisfação. Os “ambientalistas” continuam temerosos; muitos argumentam que as mudanças poderão aprofundar o problema do desmatamento. Já a primeira pergunta, é necessário reconhecer, pode levar às mais diversas conclusões. É a soma de diversos fatores, e não apenas a sanção de um Código, o que determinará o destino de nossas florestas.
O que não podemos negar é que muito tempo precioso foi perdido com argumentos que pouco acrescentam ao nosso futuro. Uma questão mal encaminhada, em nossa opinião, diz respeito aos riscos para a produção de alimentos no futuro. Não raramente, ouvimos previsões apocalípticas acerca do avanço do agronegócio sobre as terras destinadas à produção de alimentos. Por outro lado, o argumento de que um Código Florestal mais estrito ameaçaria a produção de alimentos foi usado insistentemente por vozes ligadas ao grupo “ruralista”.
Entende-se a opção por sublinhar a questão da produção de alimentos devido ao apelo desses argumentos junto à população; faz-se necessário deixar claro, porém, que esse debate não levará a lugar algum. Afinal, nunca é demais lembrar, o problema da fome é, em grande medida, resultante da desigualdade social. Maior produção de alimentos por si só não aliviará as mazelas de parte da população. Da mesma forma, um Código Florestal mais estrito poderia vir acompanhado de incentivos para o aumento da produtividade. Por fim, é simplista o raciocínio de que somente a agricultura familiar é responsável pela produção de alimentos, especialmente quando se tem em mente a visão romantizada da atividade detida pela maioria dos que repetem esse mantra.
Se é para falarmos de risco, a produção de alimentos no futuro não parece ameaçada por qualquer legislação ambiental ou estrutura organizacional prevalecente, e sim pelo aquecimento global. Os custos e as dificuldades relativas à adaptação a temperaturas mais altas deveriam ser uma das principais preocupações daqueles que dependem da natureza para produzir. As negociações do Código Florestal, nesse sentido, poderiam ter sido usadas como parte de um debate mais amplo para propor uma rota brasileira em direção a uma economia de baixo carbono. Não foi isso o que vimos, porém.
Ironicamente, é provável que um número crescente de produtores rurais veja as suas opções de prática produtiva limitadas por um dos inimigos favoritos do grupo favorável à aprovação do novo Código: os estrangeiros. Essa pressão, entretanto, não deve vir das ONGs, muitas vezes acusadas de prejudicar o interesse nacional. Aqueles que se opõem à influência externa sobre a soberania brasileira deveriam se preocupar com a opinião dos consumidores estrangeiros. É quem paga a conta que ajudará a determinar os rumos da produção de milhares de produtores brasileiros no futuro.
É possível que, em alguns anos, vejamos na prática que a produção de alimentos em um contexto marcado pelo respeito a padrões ambientais superiores não constitui um paradoxo, e sim uma importante estratégia de inserção no mercado. Talvez isso não seja um problema para aqueles que venderem para mercados de países em desenvolvimento, como a China, por exemplo, aproveitando-se da enorme escala na produção. Deverá ser uma preocupação, porém, para os médios produtores destinados a explorar nichos de mercado a fim de garantir a sobrevivência na atividade.
*Sylvia Saes - Professora do Departamento de Administração da USP e coordenadora do Center for Organization Studies (CORS)
*Bruno Varella Miranda- Mestre em Administração pela USP