Como medir, então, o bem-estar humano? Seria uma questão de dinheiro? De saúde? Para compreender o Relatório, é fundamental conhecer antes o que os seus autores entendem como “desenvolvimento humano”. Para estes pesquisadores, vivem melhor os indivíduos que possuem liberdades e capacidades que lhes permitem fazer escolhas. Daí a escolha da educação para compor o IDH, por exemplo: os diplomas que uma pessoa acumula ao longo da vida – mesmo nos níveis mais básicos – são úteis porque abrem mais alternativas de trajetória. Uma boa saúde, idem.
Dinheiro, da mesma forma, conta para uma vida melhor. Nesse sentido, o IDH resulta também do resultado da avaliação da renda per capita (quem tiver interesse em entender o cálculo do IDH, pode clicar aqui) Em resumo, o índice busca oferecer uma alternativa a outras medidas, como o Produto Interno Bruto, para a mensuração do progresso relativo de uma sociedade. Longe de ser perfeito, o fato é que o IDH tem se mostrado útil, especialmente por conscientizar um número crescente de pessoas acerca da complexidade do processo de construção das bases para o bem-estar humano.
Conforme dissemos anteriormente, a apresentação do IDH é apenas uma das coisas interessantes apresentadas pelo texto. Em 2011, o Relatório discute o papel de duas noções para o desenvolvimento humano, quais sejam: a equidade e a sustentabilidade. Nas próximas linhas, falaremos da segunda. Isso porque o Relatório faz um alerta: todos os avanços obtidos nas últimas décadas em termos de avanço do IDH podem ser comprometidos caso nada seja feito para mitigar os efeitos negativos da degradação ambiental.
Mais especificamente, o Relatório apresenta, ao mesmo tempo, uma notícia boa e uma ruim. A boa é que, em geral, as pessoas vivem melhor hoje do que no início dos anos 1990. Na maioria dos países, os indicadores mostram avanços, ainda que em apenas determinadas variáveis. Por outro lado, essa melhoria, em especial a proporcionada pelo crescimento econômico, veio junto com o aumento da emissão de Gases do Efeito Estufa. É aí que reside o problema: o Relatório argumenta que, ao contribuir para o aquecimento global, é possível que as décadas passadas de desenvolvimento estejam prejudicando as bases para o progresso futuro.
Três problemas de natureza distinta
Seria um erro colocar todos os problemas ambientais na mesma cesta. O Relatório não comete esse erro. Pelo contrário, demonstra que cada categoria responde de forma distinta aos avanços no IDH, especialmente quando motivados pelo crescimento econômico sustentado pela emissão de Gases do Efeito Estufa. Dito de outra forma, o texto divide os problemas ambientais em três categorias, quais sejam: i) privações ambientais das famílias; ii) riscos ambientais com efeitos comunitários; iii) riscos ambientais com efeitos globais.
As privações ambientais das famílias são aquelas que afetam os mais pobres. Redes de abastecimento de água potável ou saneamento básico são exemplos de serviços que, quando inexistentes, acarretam problemas de saúde que prejudicam a capacidade de escolha dos indíviduos. O Relatório mostra que o avanço no IDH costuma vir acompanhado da resolução desses problemas, ainda que em ritmo lento. Países com um desempenho excelente no IDH lidam bem com essas questões, enquanto a situação na maior parte da África, ou nas porções menos desenvolvidas do Brasil, segue longe do ideal.
Por sua vez, os riscos ambientais com efeitos comunitários são aqueles que fazem parte da rotina de todos os moradores das grandes cidades brasileiras, sejam eles ricos ou pobres. Afinal, ainda que em graus distintos, a poluição do ar ou de um rio certamente nos afeta. Conforme mostra o Relatório, esses problemas tendem a piorar nos primeiros estágios do desenvolvimento humano. Entretanto, após certo nível de avanço, tanto econômico quanto das outras variáveis, aumenta a pressão dos cidadãos por mudanças, o que leva os governos a agirem. A capital da Coreia do Sul, Seul, nos fornece um ótimo exemplo de reversão de vários problemas ambientais com efeitos comunitários.
Finalmente, a emissão de Gases do Efeito Estufa constitui o caso clássico de risco ambiental com efeito global. Aqui, as consequências da poluição no curto prazo são difusas e, é preciso reconhecer, a convergência crescente das pesquisas científicas não implica um consenso absoluto em torno da gravidade do problema. Finalmente, qualquer solução para o desafio exige a coordenação entre os países, tarefa das mais complicadas. Resultado: é possível que a conscientização para a questão demore tempo demais e, quando chegue, não evite o pior. Um cenário de aquecimento considerável da superfície pode prejudicar de forma determinante a capacidade de utilização dos recursos do planeta – nosso maior patrimônio comum – a fim de assegurar o avanço do bem-estar.
Dividir os problemas em três categorias, tal como faz o Relatório, constitui um exercício importante pois evita maniqueísmos. Textos mais “alarmistas”, não raramente, são acusados de não reconhecerem que o planeta jamais ofereceu uma vida confortável a tantas pessoas. Mais do que isso, que diversos problemas têm sido resolvidos progressivamente, garantindo maior bem-estar aos habitantes de áreas outrora marginalizadas. Os “otimistas intransigentes”, por outro lado, precisam reconhecer que nem todo problema ambiental tem origem ou consequência idêntica, sendo necessários argumentos mais trabalhados que o costumeiro otimismo na tecnologia, apenas para citar um caso. Em suma, quando se trata de assegurar as bases para o bem-estar humano, é necessário mais diálogo entre os lados opostos da disputa.