Por pós-colheita entende-se o tratamento, conservação e armazenamento dos produtos agrícolas logo após a operação de colheita até o consumo ou processamento. No caso do café brasileiro, a quase totalidade do café ainda passa, ao menos por alguns dias, por uma etapa em que a capacidade de ação do homem é limitada e a exposição às intempéries do clima é total: o terreiro. Não me lembro de nenhum outro produto agrícola de alto valor que tenha ainda um processo de pós-colheita tão dependente da rudimentar secagem ao sol. A excessão talvez seja o cacau, que utiliza amplamente os terreiros, embora muitos sejam cobertos.
Apesar do baixo custo energético da secagem em terreiros, as chuvas deste 2012 mostraram mais uma vez o quão frágil e exposto fica nosso produto durante sua passagem por estas estruturas a céu aberto. Além disto, apresentam outros inconvenientes:
- Alta imobilização de capital
Uma fazenda cafeeira do sul de Minas tem 1,5 a 2,0 m2 de terreiro para cada saca de café produzido num ano de bienalidade alta. Esses são valores médios, mas podem variar grandemente em função da velocidade que se pretende imprimir à colheita e da presença ou não de secadores, bem como de sua quantidade.
Um bom terreiro de concreto usinado acabado (terraplanagem, concretagem e acabamento) custa cerca de R$ 40,00 por metro quadrado. Seu similar de asfalto não fica por muito menos que isto. Existem opções de materiais de baixo custo, como lama asfáltica e lama-cimento, mas têm lá seus inconvenientes: vida útil limitada, restrição ao trânsito de máquinas e caminhões pesados, manutenção constante. Quanto ao de terra nem se fale, haja visto a dificuldade de operação e a depreciação do café em regiões com frequentes chuvas outonais.
- Alto custo de operação
Também não é nada barata a operação de secagem em terreiros, dada a necessidade de revolvimento constante da massa de café sobre sua superfície. Com o aumento brutal do custo da mão de obra, muitas propriedade têm optado pela mecanização do terreiro com microtratores ou motocicletas, o que melhora a relação m2/homem. Ainda assim são elevados os seus custos, tendo em vista que, para uma boa secagem, deve se rodar o café 8 a 10 vezes ao dia e colocar apenas 30 a 35 litros1 de café por m2, o que resulta em grande área para se percorrer diariamente com o implemento.
- Pouca gestão sobre pontos críticos
Existe pouca possibilidade de gestão numa operação do porte de um terreiro, normalmente com milhares de metros quadrados. Agentes externos têm alto impacto sobre o café neste tipo de estrutura. Chuvas e sereno são inimigos da qualidade e, a não ser em terreiros cobertos (que são exceção), agem diretamente sobre o produto. Devido à sua área extensa, é difícil também a restrição ao acesso de animais e pessoas estranhas.
Um bom exemplo de gestão da pós-colheita são as packing houses modernas (galpões de processamento de frutas). Possuem plantas e operações parcialmente automatizadas, com gerenciamento de pontos críticos e estabelecimento de “áreas limpas”: locais onde todos os controles são mais rigorosos.
Não há como não se pensar em alternativas efetivamente mecânicas de revolvimento e de secagem, onde ventiladores, centrífugas, motores, polias e engrenagens façam todo trabalho no interior de galpões, operados apenas por um trabalhador qualificado – lidando com grandes quantidades de produto.
Para que isto chegue ao café é preciso que a água livre do grão seja retirada rapidamente, ou que as cerejas fiquem em constante revolvimento, a fim de que não tenha início qualquer tipo de fermentação anaeróbica, indesejável à qualidade do produto. Há no mercado máquinas que se propõem a retirar rapidamente a água externa por centrifugação, ventilação, bem como diferentes tipos de silos secadores, em que os grãos podem ir com umidade mais alta (20 a 22%) devido ao fluxo forçado de ar (SILVA, NOGUEIRA & MAGALHÃES, 20082). Em nenhum dos dois casos consegue-se ainda prescindir totalmente do terreiro, especialmente quando se trata de cafés mais úmidos, mas reduz-se bastante o tempo de permanência do produto sobre ele. O cereja descascado (CD) sem dúvida contribuiu muito para o avanço deste conceito, na medida em que diminuiu o volume a secar e acelerou a velocidade da secagem. Entretanto, a rapidez com que passa de estágio na árvore é grande (cereja a seco), principalmente em regiões quentes ou em anos de períodos de colheita chuvosos. Isto obriga a uma “compressão do tempo de colheita” e ao aumento das estruturas de via-úmida para se retirar a maior % de CD possível. Portanto as soluções completas de intensificação da pós-colheita devem focar também nos demais cafés, especialmente no bóia.
Entendo que as saídas que hoje se tem para este imbróglio são parciais. Ou não estão 100% conectadas. Sem dúvida uma área que deve imperiosamente avançar, sob duas perspectivas:
- Redução do custo energético e de equipamentos das soluções mecanizadas de pós-colheita;
- Manutenção da qualidade do café na pós-colheita mesmo em anos atípicos, de alta precipitação e umidade no período de manipulação.
1: 30 a 35 litros/m2 de terreiro para café natural. No caso do CD este número é ainda menor.