Paulo Henrique Leme
Uma saborosa xícara de café especial deve obrigatoriamente conter grãos de altíssima qualidade. Porém, muitos apreciadores desconhecem a verdadeira história daquela xícara, ignoram a paixão e cuidados empregados pelos cafeicultores na condução de sua lavoura e no preparo pós-colheita. Ignoram também as distâncias percorridas pelas sacas de café e número de pessoas envolvidas ao longo de todo o sistema.
Porém, o maior pecado deste “consumo inconsciente” é não reconhecer as incríveis histórias de vida de grandes apaixonados pelo café, cafeicultores, que dedicam seu dia a dia ao cultivo destes desejados grãos. Muitas vezes estes produtores são também apaixonados por desbravar o desconhecido.
Nesta última semana, tive a oportunidade de conhecer e entrevistar alguns dos homens que construíram a história do café do Oeste da Bahia. Foi uma experiência inesquecível.
Pois assim como nós, que ouvimos aquelas histórias pela primeira vez, os próprios cafeicultores não tem ideia da grandiosidade de seus feitos e de seus familiares, que ao partirem para uma terra desconhecida e sem as comodidades da vida urbana ajudaram a levar o desenvolvimento para longínquas regiões deste imenso país.
Seus olhos brilham quando relembram os momentos decisivos de sua vida, como quando sentiram com seu faro aguçado para novas oportunidades o cheiro de um grande negócio, ou quando decidiram arriscar uma nova técnica de cultivo nunca testada naquela terra seca. É o brilho nos olhos que apenas alguns homens especiais possuem. E este é o caso com certeza.
Poderia citar aqui diversos nomes destes homens especiais, mas não posso deixar de falar, com certeza, do Senhor João Barata. Ele representa a alma dos cafeicultores do Oeste da Bahia. Foi ele quem incorporou este sonho e transformou uma terra de oportunidades na mais promissora fronteira da cafeicultura brasileira.
Não caro leitor, não foi aos vinte e cinco anos de idade, ou aos trinta, ou mesmo na casa dos quarenta que o Senhor João Barata partiu para esta empreitada... Foi aos setenta anos de idade. Poderia acabar este texto aqui, pois só o fato deste Senhor – repito, de setenta anos de idade à época - ter tido a ousadia e a visão de colocar os cafés sob regime de irrigação em uma recém adquirida propriedade no Oeste da Bahia já seria admirável.
Mas sob as lentes dos óculos deste Português surgem saborosas histórias que nenhum apaixonado pela cafeicultura deveria deixar de conhecer. Dentre elas, sua ida à Angola com apenas 16 anos de idade, ou o trabalho nas fazendas irrigadas de café dos Alemães até virar ele próprio cafeicultor da espécie Robusta na região sul do país. Ele desbravou também a região norte de Angola, quando chegou a ter sob sua supervisão 2500 empregados, com produção anual de 150 mil sacas. Segundo ele próprio - que hoje aos 93 anos de idade lembra detalhes incríveis desta jornada - era o maior cafeicultor do mundo. Em 1975, quando da independência de Angola e aos 56 anos de idade, ele deixa o país e aproximadamente 250 mil sacas de café (entre estoques e cafés na lavoura) com destino ao Brasil.
Para muitos seria o fim, para ele, apenas uma nova oportunidade. “Vou lhe contar apenas as coisas boas, as más, eu já esqueci faz tempo”, ele me disse, em mais de seis horas de conversa.
No Brasil, reconstruiu sua vida literalmente com tijolo e cimento, trabalhando na construção civil, mas na primeira oportunidade que teve trocou alguns sobrados em Interlagos por uma propriedade no Mato Grosso. Virou criador de gado.
Alguns anos depois, vende tudo e retorna a Portugal para sua merecida aposentadoria. Permanece por quatro meses. “Liguei para meu amigo no Brasil e disse, separe algumas terras”, ele contou. Dentre elas, a primeira que viu foi no Oeste da Bahia, que comprou em poucos dias. Chegando à região viu alguns cafés em sequeiro e pensou mais uma vez, “imagine se irrigar”.
Sua história de sucesso se espalhou rapidamente, contagiando conterrâneos pioneiros que já apostavam no feijão, milho, soja e frutas. Daí para uma explosão foi um salto. Vieram os cafeicultores mineiros, os paranaenses e os paulistas que levaram e desenvolveram tecnologias adequadas à realidade da região. Muitos amigos consultores me confessaram: “aprendi o que é produzir café aqui”.
Um salto tecnológico que garante produtividades médias de 65 sacas por hectare, com cafés de excelente bebida e padrão de qualidade. O clima seco durante a colheita e a irrigação controlada garantem a homogeneidade dos lotes produzidos. O relevo plano favorece a mecanização dos tratos culturais e da colheita. Tecnologia de ponta.
Tudo isso respeitando o meio-ambiente e os trabalhadores rurais, pois uma cafeicultura empresarial não pode se dar ao luxo de manchar sua imagem. Os próprios cafeicultores compreendem a importância de conservar sua terra, sua água, a origem de seu café e a disputada mão-de-obra. Estes cuidados refletem na xícara, e o consumidor deveria saber de todas estas histórias!
Assim, peço perdão aos diversos amigos cafeicultores e desbravadores do Oeste da Bahia, que cederam seu valioso tempo para uma conversa, por não citar suas histórias neste momento. Por favor, sintam-se representados e honrados com minha homenagem ao Senhor João Barata. Com certeza, quando sua origem - o Oeste da Bahia - estiver estampada nas sacarias de seus cafés, que já partem para diversos países do mundo, nós teremos mais histórias para contar.
Por enquanto, compartilho com vocês leitores minha admiração, meu entusiasmo e profundo respeito por cafeicultores pioneiros que transformam o Brasil de forma intensa e apaixonada.
Senhor João Barata, muito obrigado!
FOTO:
Pôr-do-sol da Fazenda Rio Branco, do cafeicultor Glauber de Castro.
Foto da pintura da artista Valéria Vidigal.
10/02/2012