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Concursos de Qualidade de Café no Brasil: do Incentivo à Construção de um Novo Mercado

PAULO HENRIQUE MONTAGNANA VICENTE LEME

EM 30/10/2017

7 MIN DE LEITURA

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Nesta época do ano, cafeicultores e seus lotes especiais de café competem em diversos concursos regionais e nacionais. Um momento de celebrar e relembrar a história.

Coffee Insight — Por Paulo Henrique Leme

Dr. Ernesto Illy era um visionário, apaixonado pela busca da xícara de café espresso perfeita. Às vezes, me pego imaginando se ele chegou a prová-la. Os 50 grãos de cafés perfeitos, sujeitos à moagem perfeita, submetidos à água em temperatura e pressões cuidadosamente calculadas, removendo carinhosamente cada molécula de sabor e aroma e preenchendo a xícara de espresso em uma perfeita harmonia entre líquido e crema. Vejo um filme em câmera lenta.



Dr. Ernetos Illy em sua busca. https://alchetron.com/Ernesto-Illy-1032136-W

Se isto aconteceu eu não sei, mas se ele conseguiu, muito provavelmente foi depois de 1991, quando ele iniciou o “Prêmio Brasil de Qualidade do Café para Espresso”. Um marco na história da revolução da qualidade no mercado brasileiro de café.

Também na história, está o “Concurso de Qualidade Minasul de Café” promovido pela Cooperativa Minasul desde 1993, com o objetivo de promover a qualidade do café de seus cooperados junto aos mercados nacional e internacional. O que demonstra que a preocupação com a qualidade não foi uma iniciativa isolada em solo brasileiro.

Desde então, os concursos de qualidade vem desempenhando importante papel no fomento da produção de cafés de qualidade no Brasil. Como dispositivos de mercado, funcionam como uma mola propulsora, determinando padrões, estipulando referências, estimulando novas práticas de manejo na lavoura e na pós-colheita no café, e por fim, aproximando compradores de produtores.

Outra referência importante é o “Cup of Excellence”, provavelmente o mais concorrido concurso de qualidade em terras brasileiras. O Cup of Excellence teve seu início em 1999, quando a Alliance for Coffee Excellence (ACE), em parceria com a Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) iniciaram importante trajetória de reconfiguração do mercado brasileiro de cafés especiais.


BSCA divulga os vencedores do Cup of Excellence — Brazil 2017. https://cccmg.com.br/bsca-divulga-os-vencedores-do-cup-of-excellence-brazil-2017/

Como exemplo, citamos o resultado de 2017, que teve 57 vencedores no total, com nota igual ou superior a 86 pontos, sendo 32 na categoria “Naturals” e 25 na “Pulped Naturals”. Além de premiar os cafeicultores classificados com cafés excepcionais, o Cup of Excellence é responsável por promover as diversas regiões produtoras do Brasil. O efeito do concurso não se restringe apenas aos vencedores. Que o digam os produtores da Região da Serra da Mantiqueira de Minas Gerais, que sempre estão disputando a liderança em certames de qualidade e tem sua região hoje como uma referência em cafés especiais no Brasil.

O impacto dos concursos é amplo. Durante a Semana Internacional do Café 2017, tivemos a seleção do “Coffee of the Year”, outra competição que vem ganhando repercussão nos últimos anos. Tive o prazer de acompanhar o amigo Joannes Roosdorp, da Região Mogiana de Bragança Paulista — SP em sua primeira aventura nos concursos de qualidade. Em seu primeiro envio, já conseguiu classificar seu café entre os 150 melhores do Brasil. Não é pouca coisa. Foram 239 amostras enviadas no total para o certame. Apenas 9 cafés da Mogiana Paulista foram classificados. Dentre eles, estava o de Joannes. Café orgânico, bourbon amarelo, colhido a dedo por ele e sua esposa em seu pequeno sítio no bairro do Campo Belo em Bragança Paulista. Sua alegria e de sua esposa eram contagiantes durante os dias de feira. Orgulho de seus cafés. Orgulho de suas escolhas de vida. Emocionante.


Mogiana de Bragança Paulista entre os 150 melhores cafés do Brasil. Com os amigos Jo e Lo.

Alguns podem se perguntar se os concursos não ficam restritos apenas à uma elite de vencedores. Ao verificar a história dos principais concursos do Brasil, é possível identificar que alguns produtores e fazendas estão sempre figurando entre os melhores. Mas conforme os concursos se expandem, novas oportunidades surgem para produtores que se dedicam à qualidade. E existe um efeito multiplicador, onde o incentivo à qualidade contamina a todos.

Recentemente, participei como orador em dois concursos regionais à convite da empresa Falcafé. Na querida Mogiana de Pinhal, participei do 11º Concurso de Qualidade Café Santa Luzia e Região, organizado pela Associação dos Produtores de Cafés Especiais do Bairro de Santa Luzia e Região (APSL) em parceria com a empresa. Ficou claro o crescimento em qualidade dos cafés da Região. Hoje, falar de cafés de 85 pontos na Mogiana de Pinhal já começa a se tornar comum. Também estive presente no 2º Concurso de Qualidade de Ouro Fino e Região, no Sul de Minas Gerais. Lá, um perfil um pouco diferente. Pequenos e médios cafeicultores em sua maioria, com grande potencial de qualidade, a região é um diamante a ser lapidado.


Premiando o amigo Arnaldo Moraes, da Fazenda Santana, na Mogiana de Pinhal.


Família Ragazzo, premiados no 11º Concurso de Qualidade Café Santa Luzia e Região com o diretor da Falcafé.


Prêmio Yara Brasil. Um concurso promovido por importante multinacional do setor. Os cafés premiados serão servidos à realeza na Noruega. Um exemplo de uma empresa de insumos que está preocupada em atrelar sua imagem à qualidade.


No exemplo acima, temos uma configuração interessante, onde associações de produtores e traders se unem para valorizar o café. Todos ganham com essas iniciativas. Compradores internacionais também já perceberam que os concursos são celeiros de oportunidades. Ano após ano, aumentam sua participação e interesse em estar mais ativamente nos eventos, seja como patrocinadores ou como participantes dos leilões subsequentes.

As premiações variam de acordo com a qualidade, lote e disponibilidade. Em muitos casos, a compra via leilão se torna uma parceria de longo prazo, abrindo as portas para o comércio direto.

Os concursos são ainda uma grande oportunidade para que os provadores de café possam se encontrar, alinhar seus paladares, trocar experiências e calibrar suas colheres de prova. Com isso, novos padrões e réguas são estabelecidos. Nos estandes de prova da Semana Internacional do Café, muitas informações correram entre as xícaras. Como exemplo, citamos o grande interesse pelos cafés fermentados. Um processo ainda em construção, mas que leva o potencial dos cafés especiais brasileiros a outo nível. Uma nova etapa no processo de revolução da qualidade que estamos vivenciando desde que o saudoso Dr. Ernesto Illy iniciou sua busca, há muitos anos atrás.


Prof. Leandro Paiva em prova de cafés na SIC 2017. Foto dele mesmo. Leandro Carlos Paiva

Nem tudo são rosas, é claro. Os concursos de qualidade puxam os limites de qualidade para cima. Rapidamente os compradores internacionais passaram a demandar maiores pontuações dos produtores e traders nacionais (de 82 para 85, por exemplo). É o incentivo que ao mesmo tempo pune os que não acompanharem as mudanças de mercado. Este é um desafio para os pequenos e médios produtores. Especialmente os médios, que necessitam de escala para aquisição de maquinários específicos para melhoria da qualidade.

Outro ponto importante, ainda em construção, é a correlação entre qualidade na xícara e qualidade no sistema produtivo (cafés com certificados socioambientais). A tendência é que novos parâmetros sejam inseridos com o tempo nos certames.

Em suma, os concursos de qualidade atuam como dispositivos de construção de mercado. Ao reconfigurar as práticas dos atores, eles:

  • Estabelecem padrões de qualidade;

  • Incentivam práticas de manejo na lavoura e no pós-colheita;

  • Aproximam compradores e produtores;

  • Funcionam como fórum de troca de experiências para provadores nacionais e internacionais;

  • Coordenam e estabelecem preços de referência para determinada região;

  • Coordenam e estabelecem preços de referência para diferentes qualidades;

  • Funcionam como ferramenta de marketing, para produtores e regiões;

  • Impulsionam ações estratégicas do setor público (como no caso do Concurso de Qualidade do Cafés de Minas Gerais, organizado pela EMATER-MG);

  • Possuem um efeito multiplicador, onde o valor agregado dos cafés premiados se transporta para os cafés não premiados;

  • Premiam a qualidade na xícara, valorizando o trabalho do cafeicultor.


Se hoje o Brasil é a maior e mais diversificada fonte de cafés especiais do mundo, isso se deve em boa parte às inúmeras premiações de qualidade.

Dr. Ernesto Illy tinha razão. Pena que não está mais conosco para viver seu legado. Hoje, estamos mais próximos da xícara de espresso perfeita. Aguardo com ansiedade os novos capítulos.


Sr. Afonso Lacerda, campão do Coffee of The Year 2016.

Texto Original para o Coffee Insight (https://coffeeinsight.com.br/)

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Fontes:

Concurso Coffee Of The Year 2017 divulga os 150 melhores cafés do Brasil. Acessado em 29/10/2017. Disponível em: https://cccmg.com.br/concurso-coffee-of-the-year-2017-divulga-os-150-melhores-cafes-do-brasil/

Cup of Excellence — Brazil 2017. Acessado em 29/10/2017. Disponível em: https://bsca.com.br/index/home
The 25th Ernesto Illy Quality Award for Espresso Coffee goes to Juliana Tyko Armelin. Acessado em 29/10/2017. Disponível em: https://www.illy.com/wps/wcm/connect/en/press/press-realeases/25-ernesto-illy-quality-award

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PAULO HENRIQUE LEME

LAVRAS - MINAS GERAIS - PESQUISA/ENSINO

EM 16/12/2017

Caro amigo Celso,

Na verdade, a questão que se coloca é um pouco parecida com a das obrigações das certificações socioambientais: a exigência vira regra. No futuro serão dois mercados muito distintos, os dos cafés especiais e os do café commodity. Acredito que haverá uma grande descolamento entre eles.

Os produtores que quiserem se manter no mercado de especiais terão que arcar com maiores exigências e prêmios menores. Claro, para aqueles que atingirem o nirvana em concursos, a recompensa será grande.

O que os produtores devem, e precisam fazer urgentemente é estabelecer estratégias de marketing e comercialização de seus cafés, seja de forma coletiva, seja de forma individual.

Forte abraço amigo, seguimos na luta!

PH
CELSO VIEIRA JUNIOR

MINAS GERAIS

EM 16/12/2017

Parabéns pelo artigo professor PH.
Realmente os concursos promovem os cafés das varias regiões produtoras.
Este estímulo fez com que os produtores se dedicassem, porém notasse entre eles uma ligeira decepção quanto à comercialização dos grãos de melhor qualidade. O ágio pago não estimula.
Sem pessimismo, acredito que haverá um retrocesso se não se apresentar uma fórmula de comercialização que remunere o principal ator desta cadeia produtiva: o
Produtor. Afinal, o cafe que compõe uma xícara de espresso ser o um dos ítens de menor valor, é de matar !
Palavra de um produtor.
Abraços,
Celso Vieira
PAULO HENRIQUE LEME

LAVRAS - MINAS GERAIS - PESQUISA/ENSINO

EM 14/12/2017

Caro Jaime,

Obrigado pelas palavras. Realmente a região das Matas de Minas também é muito importante! Desculpa por não ter citado, mas não tem como citar todas no texto (ainda bem), pois são muitas as regiões com cafés de qualidade atualmente.

Saudações,

Prof. Paulo Henrique
JAIME MENDES DE SOUZA

MINAS GERAIS - PRODUÇÃO DE CAFÉ

EM 14/12/2017

O texto foi de excelente qualidade. Pena que o autor não citou nem considerou os cafés das Matas de Minas Gerais. Região com pólo em Manhuaçu, que vem se destacando e despontando em premiaçoes nos cafés especiais

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