Os brasileiros irão consumir mais de 20 milhões de sacas de café em 2012 segundo dados estimados pela ABIC. Com certeza, é um número espantoso. Principalmente se nos lembrarmos de que o consumo per capita de café torrado e moído em 1989 era de 2,27 kg por habitante/ano. Já em 2011, pouco mais de 20 anos depois, chegamos a 4,88 kg de café por habitante/ano, mais que o dobro desta mínima histórica registrada em 1989.
Os motivos desta recuperação no consumo são muitos, começam com a iniciativa do Selo de Pureza da ABIC e passam pelo plano real, pela explosão do café espresso e das cafeterias no Brasil e do próprio crescimento econômico do país.
Este último ainda impressiona. Segundo dados do Ibope, as projeções indicam que o consumo das famílias vai crescer 13,5% em 2012, alta comparável ao desempenho de um país como a China. Até o final do ano os gastos nacionais devem totalizar R$ 1,3 trilhão, valor equivalente à soma dos PIBs de Argentina e Suécia (1).
O Brasil já é o quarto maior mercado global de carros, o terceiro de cosméticos e de cerveja e ainda lidera, por exemplo, o aumento do consumo de achocolatados, que é puxado fortemente pelo aumento de renda da classe C. Ainda segundo o Ibope, os brasileiros não estão apenas comprando mais, mas estão gastando com qualidade. A classe média, responsável por quase 80% do consumo das famílias, trocou carros com motor 1.0 por veículos mais potentes, o frango por carne nobre e o óleo de soja por azeite.
Não podemos nos esquecer de que vivemos na sociedade do consumo. Por mais que no discurso muitos consumidores preguem o consumo responsável, sem supérfluos, existe sempre o desejo de consumir produtos melhores, e por muitas vezes mais caros. Faz parte de uma representação social, onde o ato ou a prática do consumo demonstram sua intenção de se posicionar no palco da sociedade. Por esta ótica, “eu sou aquilo que consumo”.
Esta busca pela diferenciação leva o consumidor a buscar produtos mais exclusivos, que são diferenciados por atributos organolépticos ligados a qualidade ou mesmo à sua raridade e preço. Explica-se aí o desejo por carros mais caros, vinhos, azeites, chocolates importados e nesta categoria, com certeza, se encontram os cafés especiais.
Não existe consenso na literatura sobre o conceito de cafés especiais. Alguns autores focam ora apenas em atributos ligados à qualidade da xícara, enquanto que para outros, café especial é aquele possui apenas algum atributo que o diferencia do café commodity.
Particularmente, gosto de separar a categoria de cafés especiais, pois são muitos os conceitos e cafés que se encaixam nela. Desta forma, os cafés especiais são aqueles que possuem atributos claros de diferenciação aos olhos do consumidor, seja por atributos organolépticos ligados à bebida, seja por atributos ligados ao sistema de produção.
Separo assim os conceitos de “café gourmet” e “café especial”. Onde os cafés gourmet são aqueles que possuem atributos organolépticos raros e prazerosos, que podem ser identificados por especialistas em qualidade, como os provadores de café e também pelos consumidores. Sob esta ótica, os cafés gourmet se encaixam na categoria de cafés especiais.
Esta conceituação de cafés especiais se torna importante para justificar o posicionamento dos cafés de origem que defendo neste artigo. A diferença está no fato de que aos olhos dos consumidores, o atributo “origem” pode ser considerado como fator de diferenciação. Vale lembrar que a “origem” pode estar atrelada a atributos de qualidade da xícara, do sistema produtivo ou mesmo da raridade da oferta deste produto. Se este for o caso, este produto se torna “especial”. E todo consumidor que ser especial, que ser tratado de forma diferenciada, e isto se reflete em sua prática de consumo.
A despeito da confusão destes conceitos no mercado, o fato é que a categoria especial é muito importante atualmente. Segundo a ABIC, o consumo de cafés gourmet tem crescido entre 15 e 20% nos últimos anos. Em 2010, por exemplo, o crescimento chegou a 21,3% (2). Nesta mesma pesquisa, 45% das pessoas entrevistadas disseram que aceitariam pagar mais por um produto de melhor qualidade.
E estes dados possuem respaldo na visão global da economia brasileira. De 2003 a 2011, a renda média do brasileiro cresceu 33%, e nove milhões de pessoas passaram a integrar as classes A e B. A classe C por sua vez ganhou 40 milhões de novos integrantes. O mais impressionante é que este mercado ainda está em transformação. A próxima revolução acontecerá quando a classe C ascender para a B. Espera-se para um futuro próximo uma classe A/B composta por impressionantes 30 milhões de pessoas, com poder aquisitivo suficiente para desejar os cafés especiais, ainda mais se tiverem atributos ligados à origem.
Nenhuma empresa poderá ignorar este gigantesco mercado ávido por qualidade e diferenciação. Portanto, se existe um grande mercado para as origens brasileiras, ele está aqui, bem debaixo de nossos narizes, é o gigantesco mercado brasileiro.
Algumas empresas já estão se apropriando das origens como estratégia de diferenciação de seus concorrentes. As origens únicas, de uma única fazenda, por exemplo, estão no mercado de cafés gourmet, umas com menos e outras com mais sucesso. Outras grandes torrefadoras já utilizam a estratégia de origem para diversificar seu portfólio, porém, sem nenhum selo ou garantia ao consumidor de que os cafés realmente vêm daquela região informada.
Para nossas origens fica a questão: como diferenciar e mostrar suas qualidades a estes “novos” consumidores brasileiros?
(1) Segalla, A.; Perez, F. O MAPA DO CONSUMO NO BRASIL: COMO OS BRASILEIROS GASTAM. Isto é, 19/03/2012.
(2) ABIC - Aumento de consumo gera interesse pelo café gourmet. Difundir - HOME - 18/04/2012.