Paulo Henrique Leme
Nos últimos 10 anos os cafeicultores brasileiros fizeram uma verdade “revolução da qualidade”. Dados estão aí que mostram uma cafeicultura focada na qualidade, produzindo cafés gourmet, sustentáveis, orgânicos, especiais, de origem e etc.
O fato é que estes investimentos em qualidade (seja no produto ou no processo produtivo) custaram muito. Quem pagou a conta foram os cafeicultores que investiram em novas tecnologias de plantio, manejo e colheita. Investiram na produção do café cereja descascado e, principalmente, mudaram sua visão de mercado.
Estes cafeicultores passaram também a visualizar os cafés de qualidade como uma saída para a crise de preços que assolou por quase 10 anos a cafeicultura mundial. Porém agora o cenário é diferente, desde 2010 vimos uma aceleração nos preços das commodities globais, e o café, dentre todas, se destacou.
No mercado, os preços do café Arábica tipo 6 subiram quase que 80% de janeiro de 2010 a janeiro de 2011, de uma média de R$ 280,00 em 2010 a R$ 500,00 nos dias de hoje. O café cereja descascado subiu um pouco menos, 70%, de R$ 307,00 a R$ 522,00. O Conilon subiu 58% no mesmo período. O mais impressionante é a escalada de preços na BM&F, o primeiro fechamento da bolsa subiu quase 90% em dois anos em reais, de R$ 302,00 a R$ 564,00 em média.
O momento por sua vez é diferenciado, pois o dólar, grande vilão do passado, se manteve praticamente estável no período. No fechamento de janeiro de 2010, ele estava cotado a R$ 1,88, enquanto que agora a média gira em torno de R$ 1,87. Portanto, os aumentos dos últimos 24 meses significam um aumento real na renda dos cafeicultores brasileiros.
Por mais paradoxal que seja esta evolução de preços pode, de alguma forma, prejudicar a produção de cafés de qualidade. Como em outros momentos históricos, quando os preços estavam lá embaixo, muitos produtores buscaram na qualidade a saída para a crise. O problema é que quando os preços voltam a patamares recompensadores muitos produtores abandonam a prática da qualidade, pois os diferenciais entre os cafés inferiores e superiores fica menor. É a velha lei do mínimo esforço. O produtor fica tentado a fazer uma perigosa e escorregadia conta: como o preço do café inferior está bom, vou reduzir os custos ao máximo para aproveitar os bons preços e deixar de investir em cafés de qualidade superior.
Aparentemente, esta tática funciona bem por um tempo. Aí vem a crise de preços e a história recomeça...
Porém, os tempos são outros, felizmente. Pois a maior revolução dos últimos 10 anos a meu ver não foi apenas na produção de qualidade, mas na gestão das propriedades. A crise transformou estes cafeicultores em empresários rurais, e bons empresários que são, já perceberam dois bons motivos para manter a qualidade: (1) o mercado mudou e, (2) a gestão mudou.
No lado do mercado, os reduzidos estoques mundiais e o novo posicionamento do Brasil como fornecedor de qualidade para o mundo são fatores novos para este equação. Produtores de cafés especiais e certificados possuem contratos já firmados e sabem que para manter seus clientes fiéis devem continuar a fornecer a mesma qualidade. Também já perceberam que a bonança de preços é passageira, e estes clientes podem ser muito importantes no futuro.
Do lado da gestão da qualidade, basta ao produtor olhar sua produção por outro ângulo, pois os benefícios da qualidade vão muito além do preço. A grande sacada para este momento de preços mais altos é diminuir a varreção, reduzir ao máximo a produção de rejeitos e também da catação. Fazer qualidade para reduzir os defeitos é primordial.
Uma pergunta interessante a ser feita é qual a sua porcentagem de catação? Depois faça o cálculo, e descubra quantos reais você terá descontado de sua saca de 60 kg a cada 1% de catação. Medidas médias de hoje indicam um valor médio de desconto de R$ 2,30 por porcentagem de catação! Ou seja, se você tem 5% de catação em seu café, o desconto chegará a R$ 11,50 por saca. É a qualidade olhada pelo lado de baixo.
Outro objetivo importante da gestão da qualidade é reduzir a água. Não apenas o consumo de água no processamento do café, mas o volume de água do café colhido, de modo a reduzir o volume de café e liberar espaço no terreiro. A gestão da colheita ensina, por exemplo que o cereja descascado é um processo eficiente não só porque aumenta a qualidade ao selecionar os cafés maduros, mas sim porque permite a colheita de um café com alta % de humidade. Este café tendo a casca removida reduz drasticamente seu volume no terreiro e tem o processo de seca acelerado. Afinal, quanto custa um dia de uma turma parada na lavoura porque o terreiro não comporta mais café? O processo do cereja descascado passa a ser, portanto uma ferramenta redutora de custos operacionais. Vale lembrar que a florada da safra atual foi muito uniforme em várias regiões e chance de observarmos a maturação ao mesmo tempo de boa porcentagem do café a ser colhido é alta.
Realmente os tempos são outros, e o posicionamento do Brasil como maior fornecedor mundial de cafés de qualidade e sustentáveis depende de nossa habilidade de continuar a revolução da qualidade, no lado da gestão.
Fazer ou não fazer qualidade, eis a questão...
* O consultor agradece aos oportunos comentários do colega eng. agrônomo Eduardo Sampaio.