O crescimento do mercado interno brasileiro tem sido responsável no Brasil por literalmente segurar os preços do café. Sem ele, as últimas crises de preços teriam sido muito piores. O consumo doméstico é responsável por absorver grande parte do produto não exportado, em termos percentuais, 40% do café produzido no Brasil em 2013 foi consumido pelos brasileiros.
O mercado interno brasileiro absorve quase que a totalidade da produção de Conilon e os cafés do tipo Arábica que não atingem padrão de exportação. E mesmo nos cafés de qualidade superior, assistimos nos últimos dez anos a revolução da qualidade, que colocou nas gôndolas dos supermercados cafés especiais e de origem brasileira. A expansão do mercado de cafés em cápsulas também é outro sinal de que o mercado está evoluindo em prol da qualidade. O mercado brasileiro é fundamental para o presente e para futuro do agronegócio café no Brasil. E por isso a queda no consumo, mesmo que pequena, assusta.
As razões para este fato não são simples e merecem reflexão. Como não houve nenhuma mudança aparente na forma de cálculo, e sabendo que a tendência era de alta e constante, devemos olhar para duas questões: a questão macroeconômica, e o comportamento do consumidor.
A economia brasileira passa por um período de instabilidade, com taxa de inflação preocupante (controlada à duras penas pelo governo) e um recuo no consumo das famílias . Motivos mais do que suficientes para cortar supérfluos. O problema é que o café não entra nessa lista. Pelo contrário, seu consumo cresceu mesmo em outros momentos turbulentos de nossa economia. E a razão para este crescimento foi o investimento em qualidade (como a iniciativa do selo de pureza do café) e a explosão do consumo de café fora do lar. E é exatamente fora do lar que ocorreu a grande revolução em novos produtos e apelos para o disputado consumidor.
Uma das razões apontadas pela ABIC para a queda do consumo faz todo sentido. A concorrência com novos produtos, de sucos a energéticos, gelados e saborosos, é uma ameaça no café da manhã. A associação entre café e saúde pode ajudar nessa luta, mas sem inovação nas formas de preparo, embalagem e no consumo do café, talvez seja uma estratégia de difícil compreensão pelo consumidor final. Praticidade e conveniência são as palavras-chave nesse mercado da primeira refeição do dia. E é no café da manhã que pode morar o grande desafio. Sabemos que muito café é consumido literalmente pelo “ralo” (o café que sobre na garrafa térmica). Se o hábito de consumir o “café de filtro” mudar, mudam os parâmetros de consumo. A eficiência das monodoses pode jogar contra o crescimento global no consumo.
Outro ponto importante é que o consumo de café no mundo está crescendo não em sua forma pura, ou seja, o nosso “pretinho básico”, café puro, não tem ganhado novos adeptos. Por isso se ilude quem analisa o mercado pelos dados macros, é preciso ir mais à fundo para revelar pontos importantes. O consumo de café cresce com o café fazendo parte como ingrediente de outras bebidas, quentes e frias. O café é um detalhe nestes produtos.
Investir na qualidade do café consumido pelos brasileiros será ponto fundamental nas futuras estratégias de marketing. E aí mora um grande perigo. O conceito de qualidade do café não é tão simples como se imagina, e nem da forma como este conceito é vendido para os produtores. Qualidade é um conceito multifacetado. Cada pessoa possui uma visão própria, um gosto diferente. Faz todo o sentido investir em cafés especiais e seus atributos de bebida, faz todo sentido investir no marketing da sustentabilidade, é justo compreender que o consumidor quer um café conveniente e saboroso. Mas testes cegos de prova com consumidores de café podem mostrar que as escolhas são muito subjetivas. O consumidor médio brasileiro tem dificuldade de perceber nuances de sabor entre cafés especiais e cafés que ele julga como “padrão” para seus costumes. Por isso, questões subjetivas do comportamento do consumidor devem entrar em cena, como a marca, origem, sabores, ocasiões e sentimentos. E temos que concordar que os cafeicultores fizeram sua parte, investiram em qualidade, mas muitas vezes o que se vê no mercado é que ninguém quer pagar pelo diferencial de um café de qualidade. Uma equação que não fecha.
De qualquer forma, nossas estratégias de marketing para divulgação do café brasileiro precisam mudar urgentemente. Tanto no mercado interno quanto no mercado externo. Os consumidores querem se conectar com suas marcas preferidas, querem sentimentos, querem um relacionamento de fidelidade e admiração mútua. Nós ficamos na estratégia do empurrar. Bradar aos quatro cantos que os “Cafés do Brasil” são os melhores do mundo não funciona. Nenhum consumidor quer ouvir isso. Isso agrade apenas aos nossos cafeicultores, massageia o ego, mas deprime o bolso do produtor.
Precisamos chegar à mente dos consumidores. A estratégia não é “empurrar” conceitos. É fazer o consumidor “puxar”, desejar e querer consumir o café brasileiro. Aí eu lhe pergunto: qual mensagem passamos aos consumidores de café? Qual o primeiro desejo despertado nos consumidores quando ouvem a palavra “café”? E quando ouvem “Cafés do Brasil”? O que lhes vem à mente?
Este é um momento de reflexão. Costumo separar o comportamento do consumidor de café em três tendências importantes nos dias de hoje. As três conectadas, mas que merecem abordagens diferentes. A cultura do consumo de café, o consumidor e seus desejos, e a conexão com a origem, com o produtor. Falaremos destas tendências em outro artigo.
De qualquer forma, o momento é de construção de uma abordagem holística de marketing. A queda no consumo pode ser passageira, mas requer senso crítico. As mentes de produtores e industriais devem se unir para buscar uma solução. Não podemos deixar um importante pilar de nossa cafeicultura ruir.
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1 - https://www.cafepoint.com.br/cadeia-produtiva/giro-de-noticias/abic-consumo-de-cafe-no-brasil-mantemse-quase-estavel-e-acima-de-20-milhoes-de-sacas-87656n.aspx.
2 - Como mostra pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC). A intenção de consumo das famílias no país em fevereiro recuou 0,9% em relação a janeiro e caiu 4,2% na comparação com fevereiro de 2013.