Schumpeter visualizava a prosperidade como a fase de introdução de inovações. A depressão, por sua vez, “como a fase de digestão dessas inovações pelo sistema econômico... os ciclos de expansão de crédito costumavam acompanhar a introdução das inovações, na fase posterior sendo compensados pelo pagamento das dívidas contraídas durante a fase de prosperidade”3.
Contrariando economistas que pretendiam modelar a teoria dos ciclos econômicos por meio dos movimentos: “pendular” e do “cavalo de balanço”, alternativamente, Schumpeter construiu a metáfora da caixa do violino que reage as irritações de quem o singularmente toca. Essa era imagem era aquela que melhor caracterizaria o ciclo econômico4. Tal alegoria se ajustava à percepção do autor sobre a infinidade de trajetórias possíveis para o ciclo econômico como, ainda, reconhecia a preponderância dos agentes econômicos, por meio de suas expectativas, em determinar essa multiplicidade de trajetórias alternativas.
Depois da aproximação de cunho shumpeteriano a teoria dos ciclos econômicos passou a compor a grade do conhecimento dessa ciência. Analisar a evolução do ciclo econômico consiste numa das melhores ferramentas visando produzir cenários para o desempenho dos negócios, inclusive o do café.
A trajetória das cotações das commodities agrícolas é, reconhecidamente, portadora de ciclos. O ciclo do café ocorre desde que esse negócio passou a contar com compilações de estatísticas sobre a evolução de seus preços que originalmente era referenciada na cotação da onça de ouro. Considerando o período mais recente, pós plano real, o ciclo do café teve seu máximo em 1997 para somente retomar tais máximas nominais em 2011 (Figura 1).
Esta análise parte, a partir desse ponto, passa a explorar os aspectos que podem configurar um padrão distinto ao próximo ciclo econômico do mercado de café. Cada um deles devidamente mediado e analisado naquilo que pode se refletir no fenômeno do ciclo, iniciando-se por aqueles que introduzem mudanças estruturais no funcionamento desse mercado ou as deformações associadas a deslocamentos transversais do pêndulo, imaginadas por Schumpeter.
Os cafés gourmet, especiais e o expresso assumiram patamar de preferência nos hábitos de consumo da população ocidental e progressivamente conquistam mais terreno entre as nações orientais, especialmente, entre os asiáticos. Nas megalópoles chinesas o número de cafeterias já rivaliza com as que podem ser contadas em Nova Iorque por exemplo. Que indicador melhor que esse que o hábito do café tende a se firmar ainda mais no cardápio de consumo das populações dispersas pelo globo? A história nipônica para o consumo de café nos últimos 30 anos, em que hábito do café superou a tradição pelo chá, pode ser resgatada para imaginar o cenário para o que pode vir a ocorrer com o restante do Leste Asiático e Índia, diferindo apenas na elasticidade do período para a consumação das mudanças.
O café expresso demanda um tipo de grão que ressalte, por meio da extração, seus melhores atributos. Essa exigência, conferida pelo tipo de preparação, adiciona incrível especificidade ao ativo, no caso, os arábicas de qualidade. O fenômeno das casas especializadas em servir café continua e continuará expandindo-se de forma epidêmica (boom), com incorporação também das residências/famílias para esse modo de preparo. Essa mudança nos hábitos de consumo já trás reflexos sobre as cotações dos arábicas de qualidade e, consequentemente, na conformação da próxima edição do ciclo de preços do café.
Tal tendência foi ainda mais fortalecida pela inovação representada pelo mercado de venda por dose. Empresas líderes ao combinarem design arrojado aos equipamentos de preparo da infusão; simplicidade operacional; qualidade do produto e tudo isso junto, destinado a prover uma experiência sensorial inigualável, passaram a exibir expansão de seu desempenho econômico anualizado na casa dos dois dígitos, enquanto seus concorrentes, concentrados no mercado das marcas menos refinadas, sequer acompanham o crescimento vegetativo do consumo. Disso se extrai que no médio prazo essas últimas empresas serão compradas por aquelas que, dinamicamente, se expandem e o mercado será crescentemente determinado pela modalidade da dose enquanto lócus para a captura de lucros extraordinários e na formação dos preços da matéria prima.
Essa não é uma mudança qualquer. O mercado de dose agrega mais valor à cadeia em que circula o produto. Produtores, exportadores, torrefadores, varejistas e até os impostos arrecadados, tendem a saltar de patamar, pois a base sobre a qual os valores já se apóiam são superiores àqueles que antes desse fenômeno vigiam6. Cadeias produtivas prósperas são aquelas em que a densidade do valor agregado se incrementa. No mercado de dose o incremento vem por meio da inovação sendo, portanto, geração de mais valor sem volta, ou melhor, sem ciclo!
Noutro campo de tendências, o debate mundial em torno das chamadas mudanças climáticas ainda não logrou a construção de consensos tenazes. De qualquer modo, aparentemente, tem aumentado o risco climático da produção agrícola em âmbito global. Produzir sob os condicionantes da natureza se tornou, no mínimo, uma aposta de loteria! Com a cafeicultura não é diferente. A súbita diminuição das quantidades produzidas na Colômbia, especialmente do tipo supremo, foi percebida como um tsunami no mercado que a repercutiu elevando as cotações. Assim, a diminuição progressiva dos depósitos certificados em Nova Iorque dessa origem foi contabilizada pelo mercado sob forma de mais preço. Em setembro de 2011 foram observados picos que rivalizaram, nominalmente, com o de 1997 (Figura 1). A escassez colombiana se mantém na atual temporada e todos os esforços das autoridades em incrementar a produção não obtiveram êxito, acumulando-se três ciclos com oferta bem abaixo das expectativas.
Para além do clima há também um descompasso entre fronteiras aptas para acolher café, domínio tecnológico para fazê-lo e capacidade empreendedora autóctone. Se a oferta de terras viáveis para a lavoura de café na África é grande, o continente carece de conhecimento mínimo necessário para fazer café com qualidade e competitividade. Os chineses podem aportar o capital necessário para construir cinturões agrícolas na África, mas apenas marginalmente destinados ao café, pois a prioridade do império do meio são os alimentos. Somente o Brasil, reúne as todas as condicionantes decisivas para fazer frente às necessidades de café que o mundo exige.
Desde a extinção do IBC, a produtividade média brasileira cresce ao ritmo de uma saca a cada três safras. Alcançou-se um patamar de produtividade média para o arábica (entre 18 a 22 sc/ha) que os próximos incrementos se tornarão mais penosos e custosos ou somente serão obtidos por meio da mudança tecnológica, deixando a lavoura de sequeiro para trás, por exemplo, em migração para os sistemas irrigados, adensados e mecanizados, ou seja, a custa de imensas imobilizações. Assim, não é plausível imaginar um cenário de corrida a inversão orientada para a mudança tecnológica em café, tendo em conta o elevadíssimo custo do capital aqui praticado nos projetos de investimento, mesmo considerando, como pretende enfatizar este artigo, que o próximo ciclo de preços será diferente do anterior com viés de alta persistente por longos e continuados anos.
Enquanto o desafio brasileiro é o de PRODUZIR MAIS E MELHOR7, fenômeno que temos observado nas duas últimas décadas, outras origens, com honrosas exceções, enfrentam quadro de estabilidade ou estagnação na oferta de café. Para tornar o contexto ainda mais complexo, México e Índia exibem incremento do consumo de forma sustentável. O consumo cresce entre os países produtores com tendência de médio prazo de crescer ainda mais, reproduzindo algo próximo a trajetória brasileira. O desafio verde e amarelo passa a ser atender tanto ao mercado dos importadores tradicionais como, eventualmente, abastecer mercados dos antigos competidores!
Antes que a primeira pedra seja arremessada contra este analista, a hipótese defendida não é nenhum pouco ufanista, fantasiosa ou tresloucada. A escassez de oferta de café conformará o cenário dessa década com um crescimento do market share brasileiro na liderança do mercado, especialmente, do arábica de qualidade.
O aceite da origem brasileira na Bolsa de Nova Iorque já sinaliza esse posicionamento. Ainda que o deságio frente ao colombiano seja a próxima barreira a ser superada, essa nova referência para a formação dos preços dos lavados e cereja descascado brasileiros8, confere uma espécie de blindagem frente aos baixos preços para essa parcela da produção9. A formação mais próxima da “justa” para os preços, isso é, sua cotação em bolsa de mercadorias, deixa-a menos exposta aos humores do capital comercial, cujo modus operandi pode ser assim simplificado: comprar barato para vender caro.
Todavia, a parcela majoritária da produção brasileira não é formada pelo produto lavado ou descascado. O péssimo cenário para a economia global poderá jogar para baixo as cotações dos cafés naturais? Dificilmente, pelo menos não com força devastadora dos meados dos anos 2000. Compete resgatar a observação de que o consumo mundial não arrefeceu com a crise de 2007/09. A característica inelasticidade do café demostrou que mesmo sob contexto de estagflação, a demanda por café manteve-se positiva (embora o crescimento tenha sido apenas na margem). Na atual crise não se deve supor que algo diferente venha a acontecer no mercado de café que não um crescimento ainda que marginal. Ademais, na última cúpula de 2011 dos países membros da União Européia, conseguiu ao menos adiar para 2012 o fim do mundo. Assim, até lá e depois dali teremos muita tensão mediada por memoráveis xícaras de café.
1Além da perspectiva shumpeteriana existem as correntes monetaristas e keynesianas que procuram explicar o ciclo econômico. Todavia, sobre tais outras abordagens o artigo não se aprofundará.
2 SIMONSEM, M.H. O ciclo econômico. Escola de Pós-Graduação em Economia, IBRE/FGV. 1988. 55p.
3 Idem.
4 Ver: LOUÇÃ, F. O pêndulo intrigante. Economia e Sociedade – Instituto de Economia da UNICAMP, Campinas, n.10, p.19-38, jun.1998
5 Entre 2007-09 ocorreu uma crise financeira/montadoras/imobiliária com cerceamento do crédito produtivo, enquanto a atual 2010-?? Concentra-se sobre as dívidas soberanas e renegociação/refinanciamento de passivos governamentais.
6 Como deixar de recordar das assertivas dos produtores que no auge da crise de preços enfatizavam que US$100/cents/lbp representavam o preço histórico para o produto desde o pós-guerra.
7 Última frase do artigo que a esse precedeu: “A Devastação Financeira”. Para acessar o artigo: https://www.cafepoint.com.br/mypoint/79530/post.aspx?idPost=3819
8 Entre os adotantes do descascamento de café cereja, desenvolveu-se uma técnica de maceração do verde com posterior descascamento que consegue produzir um café bebida dura livre da adstringência característica do produto. Portanto, o cereja descascado faz melhorar todo o leque de qualidades obtidas no pós-colheita do café. Maiores detalhes consultar: https://www.iea.sp.gov.br/out/LerTexto.php?codTexto=12248