Em fevereiro desse ano, houve nas páginas do CaféPoint um interessante debate sobre a necessidade e possibilidades objetivas de maior coordenação no agronegócio café. Dois artigos lançaram esse debate que, aliás, já esteve presente tanto nesse fórum quanto em outros também. O primeiro deles publicado em 09/02/2012 pelo colega Juliano Tarabal, Diretor de Marketing da Federação dos Cafeicultores do Cerrado, que publicou a análise: O X da questão. O segundo veio da parceria entre a prof. Sylvia Saes e Bruno Varella, FEA/USP e mestre em administração, respectivamente, intitulado: Coordenar é preciso, mas não a qualquer custo1.
Consultando o Dicionário Aulete temos as seguintes possibilidades para o significado da palavra COORDENAR:
1 Dispor(-se), organizar(-se), ou realizar(-se) segundo certo método ou certa ordem. [td. : "Fui dar um passeio para coordenar as minhas ideias." (Teixeira de Vasconcelos, Viagem na terra alheia)
2 Orientar, dirigir (equipe, departamento, projeto etc.). [td.: coordenar a equipe de combate ao dengue.]
3 Ligar, interligar, associar. [tdr. + a, com: coordenar o planejamento à / com a execução.] [td.: coordenar esforços.]
4 Associar elementos, ou ações, ou medidas etc. de forma harmoniosa, sincrônica, ajustada etc. [td.: Os trapezistas coordenaram seus movimentos com perfeição.]
5 Gram. Ligar (termos ou orações) por meio de conjunção coordenativa. [td.: coordenar dois períodos.] [tdr. + a: coordenar uma oração a outra.]
A ideia de coordenar mais decantada dentro da administração é aquela expressa em sua terceira definição, ou seja, uma forma de se alcançar estágios mais adiantados de planejamento. Mas outras definições também deveriam compor esse conceito na administração como: aplicar um método, imprimir uma trajetória (direção) e sincronizar os movimentos. A completude da ideia de coordenação necessita desse conjunto de significados, porém, na maior parte das vezes em que o conceito é aplicado, imagina-se equivocadamente, apenas um esforço em planejamento setorial.
Em ambos os artigos a abordagem exibe limitações frente à amplitude do significado e conceito de coordenar. O alinhamento entre os agentes econômicos é premissa sine qua non para que se instaure um processo de coordenação, mas que não pode prescindir da existência de um ator capaz de aglutinar esse sentimento. Governo, Cooperativas; Empresas Privadas e ONG´s, entre esses ou outros deve existir um agente apto e reconhecido entre as partes para direcionar e sincronizar os movimentos visando maior coordenação.
Tudo isso implica na assunção de papéis. Em âmbito microeconômico, dinâmica das firmas; isso pode ser alcançado com relativo grau de sucesso. Vejamos, o crescimento das cooperativas no ramo exportador agregou maior coordenação às transações internacionais envolvendo café2. Possivelmente, ainda, carrearam para os cafeicultores parcela de valor que antes tinha outro tipo de redistribuição ao longo da cadeia.
Outro exemplo mais objetivo e, o faço sem qualquer procuração de seus propositores, é o NUCOFFEE da Syngenta. Ao liderar um processo de coordenação em que produtores e suas cooperativas se tornam fornecedores diretos de torrefadores internacionais celebrando para isso contratos, exerce uma coordenação do sistema de alto desempenho em que preços, qualidades, prazos, são pactuados e cumpridos. Em 2011 é possível que o esquema tenha resultado em mais de 300 mil sacas transacionadas sob essa estrutura planejada.
Em ambos os casos não se põem a imagem de qualquer tipo de coordenação. São movimentos que surgem aproveitando competências e especificidades. Cooperativas buscam soluções conjuntas para deficiências individuais, inclusive as de planejamento. Empresas privadas podem utilizar seu savoir faire para encontrar soluções que agreguem ao horizonte de investimento uma condição mais planejada (nesse caso o contrato direto entre cafeicultor e torrefador).
As iniciativas repousam, portanto, sempre em algum agente que melhor posicionado dentro da impessoalidade do mercado, contribui para mitigar o efeito que a gangorra dos preços provoca quando de suas oscilações tanto nos momentos em que aprecia quanto naqueles em que deprecia o produto. O custo dessa coordenação é parcialmente compensado pela fidelização dos cafeicultores ao pacote de serviços que o agente do estratagema desenvolvido oferece.
Outros micro-exemplos poderiam ser enfileirados. O trabalho das certificadoras associado aos das redes varejistas (UTZ”s); aquele de ONG´s atuantes no mercado de fair trade junto a cafeicultores de perfil familiar; os certames de premiação de café gourmet e as Câmaras Setoriais do governo federal e dos estados – já aqui se insere o Estado como um relevante protagonista nas iniciativas de coordenação4. Todos colaboram para que as ligações entre os agentes econômicos atuantes na cadeia se estreitem em favor de seu melhor funcionamento.
A estrutura de mercado em que a maior parte da produção de gêneros alimentares (commodities e especialidade), cria dificuldades para a proposição de ações coordenadas. A mais significativa delas é a incapacidade de formar preços! Um segmento tomador de preços, ou seja, que subsiste sob o ambiente da gangorra, dificilmente consolida horizonte para o ambiente de negócios o que impede a formação de alianças estáveis. A oscilação entre riqueza e pobreza induz à busca por soluções individuais e, se possível, de baixo custo. E elas existem e funcionam.
Alguns (e não poucos) cafeicultores que fizeram hedge suas safras de 2012 e 2013 ainda em 2011 e estarão recebendo entre R$500,00 e R$515,00 pela saca especificada pelo contrato da BM&F (seja para liquidação no físico ou no financeiro, a depender dos preços vigentes à época da entrega)3. Assim, o mercado impessoal, mas muito formal, arbitra mecanismos que neutralizam a gangorra de preços. Travado o preço a ser recebido e, por conseguinte, a manutenção da rentabilidade e da trajetória de capitalização na produção, estabelece-se um processo coordenado em que quem investe sabe quanto receberá e quem compra sabe quanto pagará pela qualidade contratada e em prazo estipulado. Perceba que também aqui há um agente centralizador do esforço de coordenação que se vale das expectativas para produzir direção e sincronia como estágios de mais planejamento.
A administração não é uma ciência exata e às vezes esse é um detalhe esquecido. E o lado bom disso é que quando muda a conjuntura deve-se mudar a decisão e inverter-se a direção do planejamento anterior. Também é errado imaginar que, para problemas complexos cabem soluções simples. A coordenação é exemplo desse tipo de dificuldade. As alianças podem ser revistas em decorrência de mudanças no cenário e a complexidade do negócio impossibilita a constituição de estruturas únicas de coordenação, mesmo por que há interesses conflitantes no agronegócio café (arábica x robusta; política do drawback; legislação tributária incidente sobre as transações).
Muito embora tenham lembrado SAES & MIRANDA, que não se faz coordenação a qualquer custo, mas, às vezes, fenômenos externos tratam de religar na marra os agentes antes beligerantes e que pagam um alto custo por não encontrarem formas ainda que tênues de coordenação. Quando do caso da acusação canadense de existência da doença da vaca louca nos rebanhos bovinos brasileiros, foram articulados churrascos com a participação de pecuaristas e frigoríficos, agentes que possuem um tremendo histórico de mútuas acusações. Outro exemplo foi a acusação que no suco de laranja brasileiro havia resíduo de defensivo feita pela autoridade sanitária estadunidense. Imediatamente o segmento que vive às farpas se uniu para mostrar coordenação por meio de gestão no emprego do acaricida e reunir elementos para se defender das acusações.
Difundir de forma epidêmica a utilização dos mecanismos de mercado para estabilizar preços é o primeiro e mais acertado passo para iniciar um processo de coordenação. E quem se detiver com atenção sobre o agronegócio café, poderá constatar que nele reside um case em que há verdadeira compulsão para se encontrar modos de regularizar os preços (pagos e recebidos) valendo-se de arbitragem, cooperação, prêmios e contratos. Assumindo-se o controle sobre a formação de preços, rompe-se com a gangorra e criam-se as condições para uma gestão orientada visando à criação de vantagens compartilhadas (ganha x ganha).
1 Artigos disponíveis nos links:
https://www.cafepoint.com.br/mypoint/77124/post.aspx?idPost=4200
https://www.cafepoint.com.br/cadeia-produtiva/espaco-aberto/o-x-da-questao-77846n.aspx
2 Reconhecendo que o benefício tributário então existente facilitou às cooperativas galgar esse posto.
3 Paralelamente se recomenda uma posição de igual volume financeiro nos contratos de câmbio para não ser surpreendido por forte desvalorização da moeda. Havendo uma corretora em apoio ao cafeicultor, tal posição em bolsa pode ser facilmente efetuada.
4 O rol de ações públicas com intuito de coordenação são diversas e, relativamente, articuladas. Alocar os recursos do FUNCAFÉ em volume e prazos compatíveis com a atividade; organizar os leilões dos estoques sem alterar tendências do mercado; torna-se comprador por meio de opções públicas; prover seguro rural; pesquisa, assistência técnica, etc...
(*)Celso Luis Rodrigues Vegro
Eng. Agr., M.S. Desenvolvimento Agrícola
Pesquisador Científico do IEA