Retomando as conclusões do artigo citado, ficou demonstrado que os custos de produção do café, por unidade produzida, são menores quando a produtividade aumenta, até determinado limite, a partir do qual, o uso mais intensivo dos fatores de produção volta a pressionar custos mais do que proporcionalmente. Isso indica que os cafeicultores mais produtivos, naquelas condições, são também os mais competitivos. Com base nos dados do Projeto Educampo Café para a região de montanha, verifica-se que a relação entre produtividade e competitividade na cafeicultura de montanha acompanha essa mesma lógica. Ou seja: na cafeicultura de montanha, também, os cafeicultores que alcançam maiores produtividades têm uma atividade cafeeira mais sustentável.
Outra semelhança que se observa entre as duas regiões, segundo os dados do Educampo, é que os custos de produção, por hectare, das lavouras de café no cerrado são de magnitude muito próxima aos custos de produção, por área plantada, das lavouras situadas nas montanhas de Minas. Por outro lado, em média, o custo por saca produzida tem sido menor no cerrado, obviamente, como reflexo da maior produtividade das lavouras dos cafeicultores participantes desse Projeto nessa região. Para a real dimensão desta comparação, é preciso considerar que os cafeicultores do Educampo Café são apenas parcialmente representativos da média regional, uma vez que contam com assistência gerencial e técnica dirigidas.
A maior dificuldade da produção de café na região de montanha é o predominante relevo acidentado, que condiciona o uso mais intensivo de mão de obra no cultivo. A região do cerrado também apresenta limitações ao sistema produtivo do café. Seus solos, regra geral, são mais ácidos e menos férteis e, para produzir adequadamente, precisam de mais corretivos e fertilizantes do que os de montanha. Seu clima é mais propício ao desenvolvimento de praga e doenças e, em alguns lugares, o regime pluviométrico exige que a lavoura de café seja irrigada. A composição do custo de produção nas duas regiões reflete a diferença na dotação dos fatores de produção. Enquanto a mão-de-obra representa cerca de 50% dos custos na cafeicultura de montanha, no cerrado, o adubo e o controle de pragas e doenças são os responsáveis por grande parcela dos custos de produção na atividade cafeeira.
Como dificuldades existem nas duas regiões, para explicar o menor custo médio de produção na cafeicultura da região do cerrado, convém lembra que a competitividade depende de fatores alheios à própria atividade e aos aspectos regionais e legais que estão envolvidos no processo produtivo. O clima, o relevo e as características físicas e químicas dos solos predominantes de cada região são imutáveis e sobre eles não há mudança possível, pelo menos, por enquanto. As legislações ambiental e trabalhista são comuns às duas regiões. No que pese poder exercer maior dificuldade de gestão em alguma delas, entendo que não reside nelas o diferencial de competitividade.
No nosso entendimento, o diferencial de competitividade regional é explicado, em grande parte, pelo diferencial do desenvolvimento tecnológico nas duas regiões nas últimas décadas. O cerrado brasileiro, por suas características topográficas e climáticas, é muito favorável ao emprego de tecnologias químicas e mecânicas. São essas as que mais despertam interesse da iniciativa privada que se dedica ao desenvolvimento de novas alternativas tecnológicas, tendo em vista a possibilidade que eles enxergam de obterem lucro com o seu uso. Vale lembrar que, na década de 1960, quase todos duvidavam da viabilidade do cerrado como área agrícola. Os investimentos públicos e privados em inovação tecnológica vieram a demonstrar que era sim possível e, uma região tida como de baixa competitividade, passou demonstrar sua grande aptidão agrícola.
Por outro lado, na região de montanha, que era a tradicional produtora agrícola, a questão tecnológica foi negligenciada. Os investimentos públicos foram menores e os investimentos privados foram reduzidos, tendo em vista tratar-se de área mais apropriada ao uso de tecnologias biológicas que, de maneira geral, oferecem menor possibilidade de obtenção de lucro continuado com a sua utilização. Isso, de certa forma, explica porque houve um desenvolvimento tecnológico muito maior da cafeicultura do cerrado, substituindo mão-de-obra e incrementando a produtividade física da lavoura.
Nos últimos anos, tendo em vista a política macroeconômica brasileira, esse diferencial tecnológico foi ainda mais acentuado. A cafeicultura de montanha é intensiva no uso de fatores de produção oriundas do mercado interno (com destaque para o trabalho) enquanto que a cafeicultura do cerrado é mais intensiva em insumos cujos preços são determinados no mercado mundial (fertilizantes, equipamentos, combustível e outros químicos). Nesse caso, a conjuntura econômica que mantém o real valorizado favorece a cafeicultura do cerrado. Ou seja, os componentes importados têm um preço relativo menor. Em uma conjuntura de mercado onde essa situação seja invertida, haverá, sem dúvida, um impacto maior nos custos da cafeicultura do cerrado. Portanto, a atual menor competitividade da cafeicultura de montanha tem forte contribuição da conjuntura econômica atual, que pode mudar.
Contudo, o básico mesmo é o desenvolvimento de tecnologias apropriadas à cafeicultura de montanha. Politicamente, é necessário pressionar as instituições públicas a desenvolverem pesquisa e experimentação poupadoras de trabalho manual em condições de relevo acidentado. Torna-se também fundamental incentivar a aplicação de instrumentos que motivem a iniciativa privada a promoverem inovações tecnológicas que sejam eficazes nas condições da cafeicultura de montanha. Algumas inciativas já estão sendo tomadas nesse sentido, tanto no setor público como no privado. Cabe ao setor produtivo da região buscar formas de, organizadamente e com maior intensidade, promover ações que aumentem a competitividade da cafeicultura de montanha. Tem jeito, sim! A viabilidade aumentará na razão direta das ações afirmativas em busca de soluções tecnológicas.