A opção por um ou outro tipo de processamento vai interferir diretamente em muitos fatores de produção, tais como: custo de processamento, necessidade de mão-de-obra especializada, necessidade de tratamento da água residuária, qualidade final do produto, entre outros. Tendo em vista os aspectos expostos, o objetivo deste artigo é o de demonstrar a viabilidade econômica da produção de café cereja descascado quando comparado à produção de café natural (via-seca).
Dentre os produtos agrícolas produzidos no Brasil, o café é um dos poucos cujo preço de mercado está associado à qualidade do produto, ao contrário do que acontece com o milho e a soja, cujos preços são estabelecidos pela bolsa (commodities), com baixa diferenciação em função da qualidade. Por outro lado, cafés de alta qualidade podem alcançar diferenças significativas no preço pago ao produtor, em mercados especiais.
Na América Central, na Colômbia e no Quênia, conhecidos produtores de cafés despolpados, o produto tem alcançado boas cotações no mercado, por ser, de maneira geral, de bebida suave (SILVA, 2001). Segundo o CIC (2007), no fechamento de preços do dia 14 de dezembro de 2007, na Zona da Mata de Minas Gerais, o café bica corrida bebida rio foi comercializado a R$ 213,00/saca, já o café bica corrida tipo 6/7, bebida dura, alcançou o preço de R$ 250,00/saca. Isso indica uma diferença de 17,4% no valor de cada saca, o que pode se tornar muito significativo dependendo da quantidade produzida.
O fato de o Brasil ser conhecido como produtor de café por via-seca se deve, principalmente, à pequena capacidade de investimento da maioria dos nossos produtores, que, em geral, são pequenos cafeicultores. Outro fator importante, nesse contexto, está no nível tecnológico oferecido a eles que, em muitas das vezes, não passa de precários sistemas para a secagem e o armazenamento do produto.
Mesmo enfrentando os problemas citados, os produtores de café do Brasil estão começando a se preocupar com a qualidade com que esse produto vai para o mercado consumidor. Dessa forma, quando da opção pela produção de café cereja descascado ou café natural, o produtor deve ter em mente a que mercado este produto se destina. Com relação ao mercado interno, há uma tendência de consumo de cafés mais encorpados, conseguido com a torra do café natural ou com o cereja apenas descascado. O café lavado ou despolpado por fermentação não é, ainda, muito apreciado pelos consumidores brasileiros. Já para o mercado externo, o café brasileiro de boa qualidade, dentre eles o cereja descascado, é o preferido para formação de blends.
Sabe-se que no estágio maduro, o descascamento do fruto ocorre de maneira mais fácil, ao contrário do café verde, em que a casca está fortemente aderida ao fruto, exigindo maior força para remoção da casca. Desta forma, ao produzir o cereja descascado, de maneira correta, valendo-se das boas práticas de processamento e com a ausência de verdes ou verdoengos, o produtor tem uma maior chance de produzir um café com grande potencial no mercado externo e ofertando ao consumidor brasileiro produto de melhor qualidade.
Se a decisão do produtor for pela produção de café por via-úmida, mais especificamente, do café cereja descascado devem ser adquiridos alguns equipamentos, o que, aparentemente, sugere um aumento do custo de produção (mais adiante, mostra-se que isto não é verdade). Dentre os equipamentos que devem ser adquiridos estão as máquinas de pré-limpeza, lavador ou separador hidráulico (separam cerejas e verdes dos bóias), diferenciando lotes com potencial de produção de café de qualidade (cerejas e verdoengos). Como os cafés "bóias", em geral, já vêm do campo com a qualidade comprometida, devem ser processados e comercializados separadamente, porém, depois de serem analisados quanto à qualidade, é comum encontrar lotes de café do tipo bóia com boas qualidades comerciais.
Outro equipamento necessário é o descascador, no qual, após a lavagem, o lote composto por cerejas maduros mais verdoengos deve passar. É no descascador que, se operado adequadamente, são separados os cerejas maduros dos verdoengos (maturação incompleta) e a regulagem deste equipamento deve ser feita de tal modo a remover apenas as casca do cereja maduro. Os verdoengos, se necessário, podem ser submetidos a outros tratamentos, antes de uma secagem lenta, para evitar escurecimento da película prateada. Secando-se, separadamente, os cerejas maduros descascados dos verdoengos, a chance de obtenção de uma grande parcela de cafés de alta qualidade é praticamente certa.
Segundo Silva et.al. (2001), para a demonstração da viabilidade da produção de café cereja descascado avaliou-se quatro níveis tecnológicos de colheita e processamento. Foi considerada uma lavoura com 30.000 plantas, produção de 10 litros por planta e a participação de 65% de café cereja, 22% de cafés bóias e 8% de cafés verdes. Na primeira avaliação considerou-se que na propriedade as únicas tecnologias a serem implantadas seriam um terreiro de cimento e tulhas convencionais para armazenagem. Na segunda avaliação simulou-se a implantação de um sistema composto de lavador, terreiro de cimento e tulha convencional para armazenagem. Para a terceira simulação foi considerado lavador, descascador, terreiro de cimento e tulhas. Finalmente, foi simulada uma quarta opção onde foi acrescentado o sistema de secagem combinada (secagem a alta temperatura no início do processo e secagem complementar em silos). No sistema combinado, os silos secadores substituem as tulhas de armazenagem.
Para fins de padronização, considerou-se o pagamento de R$ 3,00 por volume (60L) colhido e um período de colheita de 48 dias. Os custos obtidos, a partir das simulações para os quatro sistemas, podem ser vistos na tabela 1. Ressalta-se que o custo do volume colhido assim como todos os outros envolvidos, foram obtidos para o ano 2000.
Tabela 1 - Custos de colheita, secagem e armazenagem do café e Faturamento com a produção
SILVA (2001), avaliando os custos para implantação do sistema e da operação de secagem e armazenagem de café em uma fazenda com 100.000 pés, 10 litros por pé e 70 dias de colheita, obteve os resultados apresentados na tabela 2.
Tabela 2 - Custos aproximados para implantação do sistema e para as operação de secagem e armazenagem de café (valores de janeiro de 2001).
* Ver artigo: Terreiro híbrido: alternativa de baixo custo e alta eficiência para a secagem do café
** Leiras de 4 x 15m de café aerada com ar aquecido
Com base nos dados acima, pode-se concluir que a produção de café cereja descascado não significa, simplesmente, produzir um café de qualidade, mas sim, produzir um café de qualidade com menor custo. Pelos custos de implantação e facilidade de construção, as tecnologias (terreiro híbrido, leiras ventiladas e secagem em silos) têm grande potencial de aplicação na cafeicultura familiar. A não utilização da secagem em silos para o café natural se deve a inviabilidade econômica. Estaríamos utilizando energia elétrica para a secagem da palha e aumentando o número de silos para comportar o grande volume de café natural. Após secagem, os volumes necessários de café natural (coco) e de cereja descascado para gerar um saco de café beneficiado são, respectivamente, 296 e 180 litros.
Referências
CIC - Centro de Inteligência do Café. Estatísticas: Preços do café. 14 Dez. 2007. Disponível em:
SILVA, J.S.. Secagem e Armazenagem do Café: Tecnologias e Custos. Universidade Federal de Viçosa. JARD Editora.162 p. 2001.
SILVA, J.S., DONZELES, S.M.L., LOPES, R.P. Plancustos - Composição de custos para secagem do café. Planilha eletrônica. In: SILVA, J.S.. Secagem e Armazenagem do Café: Tecnologias e Custos. Universidade Federal de Viçosa. JARD Editora.162 p. 2001