O reajuste do salário mínimo, aplicado a partir de 1o de abril deste ano, saltou de R$ 300,00 para R$ 350,00, o que resultou em aumento de 16,67%, com estimativa de ganho real de 13,04%. Foi considerada a inflação medida pelo Índice Nacional de Preços (INPC), calculada pelo IBGE para o período de 01.05.05 a 31.03.06, com variação de 3,21%.
A averiguação do provável impacto pressupõe estudar o processo produtivo (a começar do preparo do terreno para plantio) e todas as relações de trabalho estabelecidas. Incluem-se aí as atividades pertinentes aos trabalhadores mensalistas e aos volantes (responsáveis pela colheita).
Ressalte-se que a operação da colheita do café ainda não está completa, o que à primeira vista poderia reduzir a precisão da análise. Do total de dias-homem ocupados nas várias operações agrícolas, a colheita absorve em torno de 72,6% do total, segundo informações relativas à safra 1997/98 no Estado de São Paulo1. Tais informações efetivamente não requerem atualização por conta das poucas alterações sofridas desde então.
Para se ter uma idéia da importância da operação da colheita para o mercado de trabalho agrícola, acrescenta-se que, em 1997/98, foram ocupados cerca de 8,98 milhões de dias-homem no estado, o que totalizou 50 mil pessoas ocupadas. São números expressivos que, no entanto, dizem mais do contingente de trabalhadores envolvidos nesta árdua tarefa do que da influência do ganho real do salário mínimo no encarecimento da produção do café. É que o preço do trabalho dos volantes está de fato associado a oferta e demanda consubstanciadas no período em que se dá a operação.
A falta de sindicatos mais fortes e atuantes nas regiões produtoras também impede que o aumento do salário mínimo repercuta diretamente sobre o valor do pagamento da colheita aos volantes do café. A exemplo do que acontece com os colhedores da cana e da laranja, estes poderiam promover o dissídio coletivo, que respeitaria o aumento real do salário mínimo como um ganho de fato dos trabalhadores. Isto é, não há dissídio com significativa abrangência para os colhedores de café.
Além disso, ocorrem casos como o da região de São José do Rio Preto que, em linhas gerais, se caracterizam por áreas reduzidas e produções familiares, em que há mudança efetiva da relação de produção. O colhedor muitas vezes torna-se parceiro do produtor, o qual além da terra plantada lhe fornece insumos, de forma que ao trabalhador-parceiro caberá o trabalho embutido no total das operações do ciclo produtivo.
Vale dizer que o pagamento aos volantes se diferencia, também, conforme o tipo de colheita, se rasa ou seletiva. No caso desta última, a exigência quanto ao esforço e à atenção é redobrada, de modo a ocorrer até redução da produtividade e dos ganhos dos trabalhadores. Na colheita seletiva, a tênue tendência de que a remuneração do trabalho supere à da colheita rasa explica em parte sua aceitação.
As demais utilizações de mão-de-obra durante o ano na cultura do café são atendidas pelos trabalhadores mensalistas, comprovadamente celetistas. São eles os responsáveis pelas demais operações - preparo do terreno, plantio, capinas, adubação no plantio e em cobertura, tratamentos fito-sanitários e as tarefas do pós-colheita.
A operação de preparo do terreno para o plantio de novos cafezais (aração e gradeação) em 1997/98 havia empregado 0,6% do total de dias-homem (estes números, reafirma-se, são válidos até os dias de hoje); o plantio e a adubação demandaram 1,6%; dentre os tratos culturais, destacam-se as capinas, cuja mão-de-obra (que atendia estas tarefas e que correspondia a 40 % do seu total) retraiu para 22,4% com a utilização crescente de herbicidas, enquanto a adubação em cobertura exigiu uma ocupação na safra de 2,8 % de dias-homem.1
Ao total de mão-de-obra mensalista (permanente) devem ser acrescidos os trabalhos relativos à poda dos cafeeiros - recepa, decote e esqueletamento, prática esta associada ao plantio adensado e/ou fechamento da lavoura.
O pós-colheita, por seu lado, absorve um número de trabalhadores com vínculo permanente ou familiar e que participa desta fase final, a começar da secagem manual - quando se destaca a figura do terrereiro ou terreirista. São responsáveis por expor os frutos ao sol para secar, tomando o cuidado para que não ocorra a quebra dos grãos. O terreirista também tem a função de medir pela segunda vez a produção dos colhedores. De fato, é sobre a quantidade de sacos de café indicada por ele que é feito o pagamento.
Depois da secagem, vem o descascamento, atividade mecânica para a obtenção dos grãos e que é exercida pelo maquinista. Apenas os produtores mais capitalizados possuem a máquina, caso contrário, neste preciso momento é efetuada a venda do produto, quando se dá, então, início à longa cadeia de intermediação comercial do café.
Os terreiristas e maquinistas estão entre os que percebem maiores salários. O mesmo acontece com os fiscais, cuja remuneração tem uma característica diferente, pois não só recebem em torno de dois salários mínimos/mês, como também têm acréscimo de 1,5% sobre a produção dos trabalhadores.
Enfim, mesmo com o avanço da mecanização e do uso de herbicidas, o café é uma cultura que emprega muito: cada grupo de 6.661 pés de café ocupa um trabalhador fixo. Do total de pessoas que trabalham nos imóveis, 57% são assalariados, dos quais os mensalistas são a categoria mais numerosa. Outras categorias entre os assalariados são os gerentes, administradores, fiscais e tratoristas.
É o total dessas pessoas que pode, em função do aumento real do salário mínimo, ter descarregado alguma influência sobre os custos de produção. Nada, porém, significa tanto em termos de emprego quanto o trabalho temporário, que totalizou 7.112.623 diárias pagas na safra de 1999/2000, remunerados pela produção e muito distantes da pequena distribuição de renda ora ocorrida no meio rural1.
Dados do Cadastro Geral de Emprego e Desemprego do Ministério do Trabalho (CAGED) (tabela 1) permitem constatar a valorização salarial, que pesará nas planilhas, conforme a ponderação discutida no texto.
Tabela 1 - Massas salariais e salários médios de admitidos e desligados no cultivo de café, 2005/2006*.
*Deflacionados pelo IPCA (base julho/2006)
Fonte: CAGED, MET.
Ao comparar os valores de 2006 com os de 2005, observa-se que em abril, quando deveria estar vigorando o referido aumento, ainda não se detectou qualquer diferença, o que pode indicar um mês de atraso na aplicação do novo salário. Já os valores em maio e junho dos anos em comparação apontam, respectivamente, aumentos salariais de 16,15% e 16,16%, bem próximos ao aumento estabelecido de 16, 67 % (ganho real de 13,04 % mais a inflação).
Em suma, se dependesse exclusivamente desses assalariados celetistas, o repasse aos custos de produção seguiria os mesmos valores. E, mesmo que fosse essa a realidade, valeria ainda o argumento de que, em que pesem sempre as alterações conjunturais, o importante é estabelecer como meta uma cafeicultura que dependa mais, e principalmente, da solidez de sua estrutura produtiva do que das circunstâncias.
Afinal, em regiões produtoras de café nos estados de Minas Gerais e São Paulo, com variações positivas em suas produtividades de 3,78 % e 3,52 %, ocorreram variações negativas nos custos unitários da ordem de 4,25 % e 4,5 %, respectivamente.2 Constatou-se, portanto, que os custos decresceram à medida que as produtividades aumentaram, indicando, por exemplo, que o impacto do aumento real do salário mínimo nos custos de produção pode ser absorvido sempre, e continuamente, pelos ganhos de produtividade.
Bibliografia citada:
1 - VEIGA, José Eduardo R.; Vicente, Maria C.,M; Baptistella, Celma S. L; OTANI, M.N. Relações de Trabalho na Cafeicultura Paulista. Informações Econômicas, SP, v.31, n.5, maio de 2001.
2 - GOMES & ROSADO. Mudança na Produtividade dos Fatores de Produção da Cafeicultura nas Principais Regiões produtoras do Brasil. Revista de Economia e Sociologia Rural v.43, n.4, Brasília, 2005.
Artigo publicado originalmente, em 31/08/06, em www.iea.sp.gov.br e registrado na CCTC-IEA sob número HP-87/2006.
Publicado no CaféPoint mediante autorização dos autores.