Dentre essas características, podem-se citar: elevada acidez, altos teores de Al trocável (Al3+) e deficiência dos nutrientes Ca e Mg, as quais são inadequadas por efeitos diretos ou indiretos sobre as plantas. A elevada acidez do solo (baixo pH) se caracteriza por efeito direto dos íons H+ sobre as raízes, além de reduzir a disponibilidade de diversos nutrientes e aumentar o efeito da toxidez de alumínio, como demonstrado na Figura 1; altos teores de Al3+ no solo são tóxicos para as plantas e a deficiência de Ca e Mg por si só já se explica, uma vez que estes são elementos essenciais para a nutrição adequada das plantas.
A calagem, ou seja, a aplicação de calcário, se realizada corretamente, pode corrigir ou atenuar esses efeitos negativos, elevando o potencial agrícola dos solos e, conseqüentemente, aumentando a produtividade das lavouras.
Fonte: Malavolta, 1989
Figura 1 - Efeito do pH na disponibilidade dos nutrientes e do alumínio em sua forma tóxica (Al3+).
Corretivo da acidez do solo
Um composto só pode ser denominado como corretivo da acidez se é capaz de fornecer grupamentos OH- para o meio, no caso, o solo. Esses grupamentos ligam-se aos íons H+ presentes no solo, responsáveis pela acidez, formando água (H2O), que é neutra, elevando o pH. Assim, deve-se considerar o calcário como um corretivo da acidez do solo, pois é composto, principalmente, por quantidades variáveis de carbonato de cálcio e de magnésio.
A dissociação dos carbonatos libera OH- para o meio, corrigindo a acidez, além de neutralizar o Al3+ e fornecer cálcio e magnésio. O Gesso, apesar de ser fundamental para alcançar elevadas produtividades na cafeicultura, não pode ser considerado um corretivo da acidez, pois não fornece OH- e, conseqüentemente, não eleva o pH do solo.
Determinação da necessidade de calagem
A necessidade de calagem não está somente relacionada com o pH do solo, mas, também, com sua capacidade tampão e sua capacidade de troca de cátions. A capacidade tampão pode ser definida como a capacidade do solo em manter inalterada a concentração de H+ em solução quando adicionadas doses crescentes de corretivo.
Solos mais tamponados (maior capacidade tampão), necessitam de mais calcário para elevar seu pH do que solos menos tamponados (menor capacidade tampão). A capacidade tampão relaciona-se diretamente com os teores de argila e de matéria orgânica do solo, assim como com o tipo de argila.
Quanto maiores os teores de argila e de matéria orgânica do solo, maior quantidade de calcário deve ser utilizada para corrigi-lo. Em nossos solos a qualidade da argila não é muito relevante, pois a grande maioria destes apresenta argila de baixa atividade.
Os objetivos, as características do solo avaliadas e os próprios conceitos dos critérios utilizados para a recomendação de calagem são variáveis. Basicamente existem dois importantes métodos para o calculo da necessidade de calagem, que visam atingir objetivos distintos e geram recomendações de diferentes quantidades de corretivo.
Entretanto, dependendo da situação, um dos dois métodos é mais adequado para se determinar a necessidade de calagem, cabendo aos responsáveis pela nutrição das lavouras cafeeiras selecionar as informações disponíveis, definir o método a ser utilizado e até que ponto a calagem é adequada à cultura.
Para se estimar a necessidade de calagem (NC) são utilizados dois métodos amplamente aceitos e difundidos: O "Método da neutralização do Al3+ e da elevação dos teores de Ca e Mg trocáveis" e o "Método da saturação por bases".
Método da neutralização do Al3+ e da elevação dos teores de Ca e Mg trocáveis
Nesse método, procura-se, ao mesmo tempo, neutralizar o alumínio do solo e suprir a necessidade da cultura em Ca e Mg. Sua fórmula para cálculo é simples e necessita-se de quatro informações fornecidas pela análise de solo: o teor de Al3+ (em cmolc/dm3), os teores de Ca e Mg trocáveis (em cmolc/dm3) e uma característica do solo que estime sua capacidade tampão da acidez.
Existem duas características que estimam a capacidade tampão da acidez: o teor de argila e o fósforo remanescente (P-rem). O P-rem é um estimador da capacidade tampão mais adequado do que o teor de argila, pois informa, indiretamente, sobre a qualidade dessa argila, ou seja, sobre a capacidade da argila em promover reações químicas no solo.
Por esse método, a necessidade de calagem (NC, em t/ha) é assim calculada:
NC = Y x Al3+ + [X - (Ca2+ + Mg2+)], (Eq. 1), em que:
NC = Necessidade de calagem, em t/ha.
Al3+ = teor de alumínio trocável do solo, em cmolc/dm3.
Ca2+ = teor de cálcio trocável do solo, em cmolc/dm3.
Mg2+ = teor de magnésio trocável do solo, em cmolc/dm3.
X = valor variável em função dos requerimentos de Ca e Mg pela cultura (para o cafeeiro, o valor definido por inúmeras pesquisas e publicações é de 3,5).
Y = valor variável em função da capacidade tampão da acidez do solo e que pode ser definido de acordo com a textura do solo ou com o teor de P-rem do mesmo, como mostrado nos quadros abaixo:
Ou
* O P-rem é determinado com solução de CaCl2 10 mmol/L, contendo 60 mg/L de P, na relação solo:solução de 1:10.
OBS: Se na análise de solo não for determinado o teor de argila, nem o valor de P-rem, deve-se utilizar os valores de Y correspondentes à textura do solo. Neste caso, caberá ao profissional responsável pela recomendação estimar o teor de argila. Portanto, não há justificativa para não se utilizar esse importante método de determinação da NC.
Método da saturação por bases
Nesse método considera-se a relação existente entre o pH e a saturação por bases do solo (V). Procura-se, por meio da calagem, atingir determinado valor de saturação por bases, o que corrige, indiretamente, a acidez do solo. Quanto maior a saturação por bases, maior o pH do solo e vice-versa. A fórmula para cálculo é ainda mais simples do que a do método anterior, necessitando de apenas duas informações fornecidas pela análise de solo: A CTC a pH 7 (T), em cmolc/dm3, e a saturação por bases (V), em %.
Por esse método, a necessidade de calagem (NC, em t/ha) é assim calculada:
NC = T(Ve - Va)/100, (Eq. 2), em que:
NC = Necessidade de calagem, em t/ha.
T = CTC a pH 7, em cmolc/dm3.
Ve = Saturação por bases desejada ou esperada (para o cafeeiro a saturação por bases mais aceita atualmente é de 60 %).
Va = Saturação atual do solo, em %.
Quantidade de calcário a ser aplicada
A NC calculada por qualquer das fórmulas apresentadas anteriormente indica a quantidade de calcário com PRNT = 100 % a ser incorporado por hectare, na camada de 0 a 20 cm de profundidade. Portanto, é uma dose de calcário teórica. Na realidade, a determinação da quantidade de calcário a ser aplicada deve levar em consideração:
a) A percentagem da superfície do terreno a ser coberta pela calagem (SC, em %).
b) Até que profundidade será incorporado o calcário (PF, em cm).
c) O poder relativo de neutralização total do calcário a ser utilizado (PRNT, em %).
Assim, a quantidade de calcário a ser aplicada (QC, em t/ha) será:
QC = NC x (SC/100) x (PF/20) x (100/PRNT) (Eq. 3)
- Para aplicação de calcário em faixas, na linha de plantio, utiliza-se SC = 75 %.
- Para aplicação de calcário em cobertura, sem incorporação, utiliza-se PF = 7 cm.
- Para aplicação de calcário em covas de 40 x 40 x 40 cm, utilizar a seguinte equação:
QC = NC x 32 x (100/PRNT) (Eq. 4);
nesse caso o resultado será dado em g/cova de calcário.
Decisão sobre qual método utilizar para determinar a NC
A decisão sobre qual método utilizar cabe unicamente ao responsável pela nutrição da lavoura de café. Este deve considerar todas as informações disponíveis, mas, principalmente, os resultados da análise química do solo. Além disso, o profissional deve estar ciente dos detalhes técnicos que envolvem cada método de determinação.
O método da saturação por bases é um bom método, pois geralmente propicia as menores doses. Entretanto, quando a CTC do solo é baixa, como em solo arenoso, este método tende a gerar uma dose de calcário insuficiente para suprir a necessidade das plantas de café em Ca e Mg. Portanto, não seria adequado para esse tipo de situação.
O método da neutralização do Al3+ e elevação dos teores de Ca2+ e Mg2+, por outro lado, pode, em algumas situações, originar doses que ultrapassem o valor da CTC total do solo (T), o que certamente elevaria o pH do solo a valores muito próximos ou maiores a sete, fato completamente indesejável.
Assim, é necessário considerar todos esses fatores, para que a recomendação de calagem seja a mais correta possível. De posse dessas informações, o profissional calcula a NC pelas duas fórmulas apresentadas (Eq. 1 e Eq. 2) e segue os seguintes passos para decidir sobre qual resultado utilizar:
Passo 1) utilizar a menor dose (NC, em t/ha) calculada por qualquer um dos métodos, geralmente a dose calculada pelo método da saturação por bases é a menor (Eq. 2).
Passo 2)
- Se a dose definida no Passo 1 é maior do que a necessidade da cultura em cálcio e magnésio [X - (Ca2+ + Mg2+)], esta é a dose indicada.
- Se a dose definida no Passo 1 é menor do que a necessidade da cultura em cálcio e magnésio [X -(Ca2+ + Mg2+)], utilizar o método da neutralização do Al3+ e elevação dos teores de Ca2+ + Mg2+ (Eq. 1).
Passo 3)
- Se a dose definida no Passo 2 for menor que o valor da CTC a pH 7 (T), esta é a dose indicada.
- Se a dose definida no Passo 2 for maior que o valor da CTC a pH 7 (T), utilizar como NC o próprio valor da CTC a pH 7 (T), em t/ha.
Seguindo os passos acima descritos, será determinada a melhor dose da NC para o solo de qualquer lavoura de café. Com essa informação em mãos (NC, em t/ha), basta calcular a quantidade de calcário a ser aplicada, utilizando-se as Equações 3 ou 4.
Algumas pessoas, no entanto, dirão que esse tipo de cálculo para a NC é difícil e complicado. Realmente, é um pouco mais difícil e um pouco mais complicado do que a utilização de apenas uma das fórmulas.
Mas, difícil e complicado, mesmo, é ver a produção de uma lavoura de café comprometida por erros cometidos em um detalhe irrisório como o cálculo da necessidade de calagem, ou, pior ainda, mais difícil, e muito caro, é reverter o efeito nocivo de uma supercalagem sobre o potencial agrícola de um solo.
Bilbiografia citada:
MALAVOLTA, E. ABC da adubação. Editora Agronômica CERES, São Paulo, 1989.