A matéria orgânica do solo (MOS) é resultante da deposição natural de resíduos vegetais (exudados e/ou morte de raízes, queda de folhas, galhos, frutos, etc) e animais (excrementos e/ou morte da biota) que chegam ao solo, podendo ter a sua origem também no próprio homem, por meio da adubação orgânica feita com estercos (bovinos, de aves e de suínos), compostos orgânicos preparados na fazenda, adição de resíduos vegetais, tais como restos culturais ou adubos verdes plantados com a finalidade de incorporação ao solo.
Sabe-se que a MOS tem efeito direto sobre as características físicas, químicas e biológicas do solos, sendo considerada uma peça fundamental para a manutenção da capacidade produtiva dos solos em qualquer ecossistema terrestre. Do ponto de vista físico, a MOS melhora a estrutura do solo, reduz a plasticidade e a coesão, aumenta a capacidade de retenção de água e a aeração, permitindo maior penetração e distribuição das raízes. A MOS atua diretamente sobre a fertilidade do solo por constituir a principal fonte de macro e micronutrientes essenciais às plantas, como também indiretamente, através da disponibilidade dos nutrientes, devido à elevação do pH, além de aumentar a capacidade de retenção dos nutrientes, evitando suas perdas. Biologicamente, a MOS aumenta a atividade da biota do solo (organismos presentes), sendo fonte de energia e de nutrientes para a mesma.
Nas últimas décadas, a preocupação com a rápida degradação dos solos agrícolas no mundo, especialmente nas regiões tropicais e subtropicais, onde as elevadas temperaturas e umidade são mais propícias à decomposição da MOS, despertou grande interesse pela qualidade do solo e pela sustentabilidade da exploração agrícola. Surgiram assim, vários conceitos de qualidade do solo, entre os quais está o de Doran & Parkin, citado por Mielniczuk (1999), que define a qualidade do solo como sendo a sua capacidade em manter a produtividade biológica, a qualidade ambiental e a vida vegetal e animal de forma saudável na face da terra.
O teor de MOS está intimamente relacionado ao manejo adotado (adubação, preparo de solo, método de controle de invasoras etc), sendo por esta razão, utilizada para monitorar a qualidade do solo em sistemas agrícolas para que intervenções sejam realizadas a tempo de evitar sua degradação.
O cultivo de espécies perenes, tais como café, fruteiras entre outras, geralmente favorece o acúmulo de matéria orgânica no solo, em função de diversos fatores, tais como menor revolvimento da camada arável, maior entrada de biomassa vegetal através de podas, quedas de folhas, galhos, ramos e frutos e maior proteção do solo contra erosão.
O café produzido de forma orgânica (café orgânico), provém de um sistema de produção que evita ou exclui o uso de agroquímicos e de adubos minerais de alta solubilidade. Entretanto, considerando-se os benefícios da MOS para os agroecossistemas, a manutenção dos seus teores torna-se igualmente importante para os sistemas tradicionais de cultivo, devendo a sua aplicação ser realizada sempre que possível, mesmo que os programas de adubação sejam constituídos predominantemente por formulações minerais comerciais, como também é bem vinda a adoção de práticas de manejo que favoreçam o acúmulo ou a manutenção da MOS, tais como plantio direto, adubação verde, uso de cobertura morta, roçada do mato ao invés da capina completa, práticas de controle da erosão etc.
Como foi mencionado anteriormente, a MOS melhora as características físicas, químicas e biológicas dos solos, sendo considerada uma substância condicionadora. Um exemplo da importância da sua aplicação, mesmo na cafeicultura tradicional reside no fato de que possui o poder de adsorver ou reter nutrientes, tais como potássio, cálcio, magnésio, manganês, ferro, cobre, zinco, amônio, sódio etc, liberando-os posteriormente para as plantas. A vantagem desta retenção está na diminuição das perdas por lixiviação.
Esta retenção pode ser entendida tomando-se como exemplo a atração que o ímã realiza quando em contato com limalhas de ferro, as quais ficam aderidas ao ímã, sem contudo, fazerem parte de sua composição ou estrutura molecular. Por exemplo, em solos pobres em matéria orgânica, o potássio aplicado via fertilizantes minerais, é facilmente deslocado para as camadas mais profundas do solo pela água das chuvas ou da irrigação, comprometendo o retorno econômico esperado com a aplicação do fertilizante, o qual poderia ser potencializado caso o teor de MOS estivesse em níveis adequados.
Portanto, a manutenção dos teores de MOS, quer seja através da aplicação de adubos orgânicos, quer seja através de outras práticas de manejo, torna-se indiscutivelmente necessária à recuperação e/ou manutenção de potencial produtivo de qualquer sistema agrícola.
Dentre as várias fontes de matéria orgânica para os solos, podem ser citadas as aplicações de adubos ou insumos orgânicos, entre os quais os mais importantes são, os estercos (de ruminantes, não-ruminantes e aves), os compostos, a adição de biomassa vegetal por meio de podas, o uso de cobertura morta ou de cobertura viva (adubação verde) e o cultivo de árvores associadas à cultura principal, conhecidos como sistemas agroflorestais.
A fim de reduzir os custos com transporte, o produtor deve buscar sempre utilizar resíduos orgânicos disponíveis na região, levando em consideração a distância da fonte até o local onde será utilizado.
Entre os estercos, estão os provenientes de bovinos, eqüinos, caprinos, suínos, ovinos, aves e coelhos, cuja a composição química varia com a idade do animal, com a espécie e a alimentação (Tabela 1). Animais que são alimentados com ração geralmente produzem estercos com maiores teores de nutrientes. Por esta razão, espera-se que o esterco proveniente de gado de leite seja de melhor qualidade que o de gado de corte. Antes de serem utilizados, os estercos devem ser curtidos (envelhecidos naturalmente) ou, de preferência compostados, por duas razões: para evitar a fitotoxidez ou "queima" das plantas e porque, com a elevação da temperatura durante a decomposição, é possível eliminar microrganismos patogênicos e reduzir a presença de sementes de ervas invasoras.
Tabela 1. Teores médios de nitrogênio contido em diferentes fontes de adubo orgânico.
Outra boa fonte de matéria orgânica são os compostos orgânicos, resultado de uma mistura de resíduos orgânicos de origem animal e vegetal, submetidos ao processo de compostagem, um processo onde os microrganismos (bactérias, fungos e actinomicetos) são os decompositores. A composição química dos compostos é muito variável, porque depende dos resíduos utilizados. A compostagem, além de eliminar microrganismos patogênicos e reduzir a presença de sementes de invasoras, acelera a decomposição.
Os resíduos utilizados para cobertura morta do solo podem ser provenientes da lavoura ou de agroindústrias, tais como palha de café, bagaço de cana, etc. No café, é comum o produtor utilizar a palha de café para este fim, protegendo o solo da erosão, do ressecamento e contribuindo para elevar o teor de matéria orgânica. Entretanto, é importante observar que os resíduos de culturas são materiais geralmente ricos em carbono e pobres em nitrogênio, visto que este nutriente, assim como demais, são retirados pelas colheitas. Geralmente, quanto maior o teor de carbono e menor o de nitrogênio nos resíduos (relação C:N), mais difícil e vagarosa é a sua decomposição.
O uso de adubos verdes (cobertura viva do solo) é outra forma muito utilizada pelos produtores com o objetivo de incorporar matéria orgânica ao solo e controlar o mato no verão, reduzindo a necessidade de capinas. Considera-se cobertura viva do solo toda vegetação presente, quer de procedência cultivada ou espontânea, inclusive o mato. Os adubos verdes são plantas cultivadas no local ou trazidas de fora, que são incorporadas ao solo com a finalidade de preservar a fertilidade das terras, podendo ser utilizados em consórcio, rotação de culturas, cercas-vivas, quebra-ventos, faixas de contorno e beiras de estrada. A utilização de biomassa vegetal como fonte de matéria orgânica representa uma oportunidade para o produtor diminuir a necessidade de insumos por serem ótimos recicladores de nutrientes no sistema.
A presença de vegetação cobrindo o solo, protege-o do impacto das chuvas e consequentemente, de sua desagregação e posterior erosão. A fitomassa aumenta a infiltração e a capacidade de retenção de água, a porosidade e a aeração do solo. A massa vegetal roçada e deixada em cobertura ou incorporada ao solo, além de atuar como fonte de carbono e nutrientes (fonte energética), atenua as oscilações de temperatura e umidade, intensificando a atividade biológica.
Em um experimento conduzido pela Embrapa Agrobiologia com café arábica plantado no espaçamento 2,5 x 0,7m, foi cultivada nas entrelinhas do café a leguminosa Crotalaria juncea para fins de adubação verde. A crotalária produziu 16 toneladas de fitomassa seca por hectare, que serviu como adubo orgânico para o cafeeiro. Após a sua decomposição, foi possível reciclar 444, 21, 241, 191 e 44 kg/ha de nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio e magnésio, respectivamente, considerando-se uma poda a meia altura realizada aos 76 dias após o plantio, e o corte aos 175 dias
Em outro experimento, também conduzido pela Embrapa Agrobiologia, em Paty de Alferes, RJ, com café arábica, a Crotalaria spectabilis foi cultivada nas entrelinhas como adubo verde (Figura 1), tendo sido produzida 1,99 toneladas por hectare de biomassa aérea seca, que permitiu a reciclagem de 39; 4,5; 7,3; 5,9 1,0 kg/ha de nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio e magnésio, respectivamente.
Figura 1. Crotalaria spectabilis cultivada nas entrelinhas de uma lavoura de café arábica para fins de adubação verde
Fonte: Embrapa Agroecologia
Um aspecto a ser considerado pelo produtor é que apenas a utilização de adubos verdes não supre totalmente as exigências nutricionais do cafeeiro, havendo a necessidade de se utilizar outras fontes de adubos minerais e/ou orgânicas a fim de complementação.
A quantidade de adubo orgânico a ser aplicado deve ser calculada de acordo com a fertilidade do solo e com o material orgânico a ser utilizado. O ideal é buscar aconselhamento com um agrônomo antes de aplicar. Se a lavoura for orgânica, a dose a ser aplicada deverá ser calculada em função do teor de nitrogênio existente no material utilizado (ver Tabela 1), procurando suprir a exigência do cafeeiro por este nutriente.
A população de plantas "invasoras" ou "daninhas" também pode ser considerada uma importante fonte de matéria orgânica para o cafeeiro. Antigamente, era comum o produtor deixar as entrelinhas completamente livre dessas plantas, pelo temor que havia da competição que elas poderiam exercer sobre o cafeeiro. Considerava-se tais plantas como "daninhas" por se considerar que causavam mais danos do que benefícios. Hoje em dia, já é sabido que nem toda planta invasora é considerada daninha.
Tal ideia é defendida considerando-se os seguintes fatos: essas plantas são capazes de reciclar nutrientes das camadas mais profundas do solo para a superfície, disponibilizando-os novamente ao cafeeiro; promovem a descompactação do solo; protegem o solo da erosão e da insolação; aumentam a aeração e a retenção de água dos solos; servem de abrigos para inimigos naturais auxiliando no controle biológico de pragas e são capazes de reciclar expressivas quantidades de nutrientes, comportando-se desta maneira como adubos verdes. Com base neste conhecimento, o ideal é que o produtor faça a capina manual completa na linha, abrangendo uma faixa ligeiramente mais larga que a projeção da copa do cafeeiro, deixando-a livre de invasoras, evitando a competição das invasoras por água e nutrientes. Nas ruas ou entrelinhas as invasoras não devem ser erradicadas totalmente, mas sim, manejadas ou controladas por meio de roçadas com foice, roçadeira tratorizada ou tipo costal.
Outra opção que o produtor pode dispor como fonte de matéria orgânica é o cultivo de árvores e arbustos associadas ao cafeeiro. O cafeeiro por ser uma espécie originária de florestas caducifólias da Etiópia, se beneficia com um sombreamento ralo, entre 20 a 40%. As árvores além de criarem um microclima favorável ao cafeeiro, são capazes de extrair os nutrientes das camadas mais profundas do solo e devolvê-los para os solos através da queda natural ou da poda de folhas, galhos, ramos e frutos, que ao decomporem são incorporados ao solo, fazendo com que as árvores tenham um importante papel na ciclagem de nutrientes para o sistema cafeeiro. Heuveldop et al. (1985) obtiveram um aporte médio de 20 t/ha/ano de resíduos orgânicos de Erythrina poeppigiana, dos quais 7.6 t/ha/ano foram oriundos de quedas naturais e, 12.4 t/ha/ano das podas.
Figura 2. Café conilon cultivado em associação com mamão, banana e árvores leguminosas em sistema orgânico na Fazendinha Agroecológica. Seropédica/RJ.
Fonte: Embrapa Agroecologia
É importante que o cafeicultor tenha em mente que a MOS não é simplesmente sinônimo de adubação, e que seus benefícios vão mais além da questão nutricional, especialmente quando se considera a microbiologia do solo, atualmente muito considerada pelos especialistas em solos. Portanto, o produtor que desejar obter boas colheitas, deve investir no manejo do sistema de forma a aumentar ou preservar a sua matéria orgânica.
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Este Artigo foi publicado também na revista Campo e Negócios.