Paralelamente à valorização dos cafés de qualidade superior, esta demanda deve aliar competitividade por meio da diferenciação dos sistemas de produção e do produto, redução de custos de produção via elevação de produtividade e adoção de tecnologias pré e pós-colheita apropriadas à realidade regional.
Nesta linha de raciocínio, o artigo pretende discutir a influência da gestão de qualidade sobre o mercado cafeeiro. Por último, são propostos itens para debate e esclarecimento, via leitor, envolvendo o tema.
1. Parâmetros de qualidade de café
1.1 Características sensoriais
O café é uma bebida que, assim como o vinho, admite uma infinidade de características sensoriais. Os gostos são percebidos em diferentes regiões da língua: o doce na ponta, acidez na parte lateral e posterior, e o amargor no fundo, ao engolirmos. O corpo e sabor residual (after taste) são sensações na boca, abrangendo todo o paladar. As principais características sensoriais, de acordo com VANIN (2007) são:
Acidez: Sensação obtida na parte lateral da língua, onde, se for intensa pode causar uma certa salivação. Este atributo é perceptível em certos cafés e pode variar de acordo com a região produtora, clima e forma de preparo e secagem dos grãos. No Brasil, os cafés são poucos ácidos.
Aroma: São os elementos voláteis liberados pela bebida do café e perceptíveis através do olfato. Os aromas podem ser: frutado, floral, adocicado ou de pão torrado ou outros. Bons cafés têm aroma pronunciado.
Amargor: É o gosto produzido por substâncias como a cafeína, trigonelina, ácidos cafeicos e químico, além de outros compostos fenólicos, e deve ser equilibrado nos cafés de melhor qualidade. A intensidade deste atributo varia de acordo com o blend, torra e moagem. Amargor forte ou muito forte, que molesta a garganta, é proveniente de cafés piores e também de uma torra muito acentuada (escura) ou ainda de um tempo excessivo de contato da água com o pó de café (moagem fina). Tal característica tem grande influência no preparo do café expresso como será visto mais adiante.
Corpo: É uma sensação na boca causada por uma persistência no paladar e que enriquece a bebida do café. O café pode ter corpo leve, normal (médio) ou intenso (encorpado).
Doçura: Os cafés mais finos apresentam um sabor adocicado, que permite que sejam bebidos sem adição de açúcar. Os cafés podem ter doçura variando de nula (sem doçura) até "muito boa".
Sabor: É classificado como mole, duro, riado ou rio. Mole: gosto doce, agradável, ácido. Duro: gosto amargo e adstringente (sensação de secura na boca). Riado: gosto ligeiramente químico. Rio: gosto químico medicinal.
Sabor Residual (after taste)
É o sabor que permanece na boca após a degustação do café. Ele pode ser intenso e agradável nos cafés de melhor qualidade. Uma característica de um café com after taste positivo remete à degustação da segunda xícara.
1.2 Torrefação: o binômio tempo x temperatura no ponto de torra e grau moagem
Na fase de torrefação temos variáveis fundamentais: o grau de torra e a granulometria da moagem. O grau de torra afeta diretamente o sabor do café, pois determina como o grão foi torrado, definindo os vários compostos que são extraídos durante a formação da bebida. O bom ponto de torra é função do binômio temperatura x tempo. Quando o café é torrado numa temperatura abaixo de 200ºC, sua aparência é de cor marrom claro, sua bebida parece um chá, sua acidez muito evidente, com aroma adocicado, mas não tão forte. Este grau de torra não é da preferência do brasileiro, mas existem povos que preferem o café com estas características.
Uma temperatura em torno de 220ºC, com o tempo variando entre 12 e 15 minutos, produz uma torra escura. A cor é marrom achocolatado, a acidez diminui, o aroma é intenso e agradável, a oleosidade é baixa, a acidez balanceada, o corpo mais completo e a superfície do grão geralmente seca. Para este ponto de torra os grãos crus podem ter até 12% de umidade, enquanto os grãos torrados podem ter, no máximo, 6% (permitido pela legislação). Porém, normalmente, utiliza-se em torno de 3% de umidade, que dá aos grãos um aspecto oleoso, resultando na perda dos óleos aromáticos do café e na obtenção de bebida com pouco aroma e sabor mais amargo, porém resulta em maior rendimento, pois exige menor quantidade de pó para fazer o café.
Com temperaturas acima de 220ºC, a cor é marrom escuro tendendo a preta, o café passa a liberar óleo, seu aroma diminui, o sabor é mais amargo tendendo a matéria carbonizada. Além disso ocorre a diminuição da atividade dos ácidos clorogênicos, compostos antioxidantes presentes nos grãos, que são essenciais na redução de riscos de doenças crônicas como Parkinson e Alzheimer.¹
A Tabela 1 mostra que o grau de moagem está relacionado à maneira como o café será preparado. Além disso, percebe-se que o tempo de preparação é influenciado pela moagem, pois numa moagem muito fina a água levará mais tempo para passar pelo pó, resultando numa extração superior.
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¹Disponível em: https://www.cafépoint.com.br/?noticiaID=38344&actA=7&areaID=26&secaoID=67
Tabela 1 Influências da torra e moagem no preparo do café.
Vegro (2002) ressalta que, para a obtenção de um café expresso de qualidade, é fundamental inicialmente a origem dos grãos. O blend não pode conter os chamados grãos PVA (grãos pretos, verdes e ardidos). Isso é desejável não apenas para o expresso, mas para qualquer café de qualidade superior. Na preparação de um café expresso o grau de moagem é também de extrema importância, pois envolve tempo de extração e temperatura da água, os quais influenciarão o tipo de bebida obtida: bebida ideal, subextraída ou superextraída. Na Tabela 2 são apresentados os principais fatores que influem no tipo de bebida de café expresso, segundo o Centro de Preparação do Café - CPC (CPC, 2001), citado por Vegro (2002).
Tabela 2. Principais fatores que influem no tipo de bebida de café expresso
2. Qualidade na produção café
De modo geral, a produção mundial de café está concentrada no cultivo de duas espécies: Coffea arábica L. (que representa cerca de três quartos da produção mundial) e Coffea canephora Pierre, conhecido genericamente por café robusta. No Brasil, as principais cultivares de café arábica são: Mundo Novo, Acaiá, Catuaí, Icatu, Bourbon, Catuaí e Rubi. Para o café robusta, as principais cultivares são o Conillon e o Apoatã (IAC Boletim técnico, 187).
O café arábica, com melhor qualidade de bebida, quanto aos aspectos sensoriais, especialmente em termos de sabor e aroma, é mais utilizado para consumo in natura. Já o robusta, considerado como bebida neutra, por possuir maior teor de sólidos solúveis, é mais utilizado na produção de café solúvel e na composição dos blends com o café arábica. Os blends incluem cafés obtidos por sistemas diferentes de processamento, os quais podem ser natural, despolpado, descascado.
Para ampliação dos requisitos e fatores da produção e de manejo do café que podem afetam a qualidade da cafeicultura sugerimos as leituras dos artigos: Fatores críticos da cadeia do café - partes 1 e 2²
3. Gestão de qualidade como fator competitivo
Quando se trata do café tipo robusta, a posição brasileira passa a ser desvantajosa, por possuir um dos maiores custos de produção entre os países produtores desse tipo de café, destacando-se em termos de produção o Vietnã. Essa condição dificulta um melhor desempenho do segmento industrial do café solúvel, que exporta a quase totalidade de sua produção, perdendo competitividade por ter que, em certos períodos, se submeter a preços da matéria prima no mercado doméstico em níveis superiores aos praticados no mercado internacional desse café, sem poder dispor da alternativa de importação do produto.
Quanto ao café arábica, a preferência por café de qualidade já havia sido identificada por alguns produtores, como na Colômbia, no México e em alguns países da América Central, que se especializaram na produção de café arábica tipo "suave". A postura equivocada do Brasil, priorizando a quantidade exportada, sem maiores preocupações com a qualidade do produto, acelerou a perda de sua participação no total das exportações mundiais de café, além de impedir a conquista de "nichos" de mercado com um produto de melhor qualidade.
Um exemplo de sistema de gestão da qualidade é o sistema utilizado na Cooperativa Regional de Cafeicultores em Guaxupé Ltda (Cooxupé). Essa Cooperativa utiliza um sistema próprio de classificação por qualidade, identificando os diferentes tipos de café com uma classificação em R.A.´s (Remessa de Amostra). Além disso, ainda há a classificação pelo tamanho do grão (por peneiras) e pela qualidade da bebida. Assim, a cooperativa trabalha com cerca de 35 tipos de cafés, diferenciados por qualidade, mas neste trabalho o sistema proposto agrupa os tipos de café semelhantes e que possuem o mesmo preço de mercado. A classificação pode ser resumida em 14 grupos, em ordem decrescente de qualidade da bebida que originam: RA1 (o café mais fino - padrão exportação), RA2, RA3, RA4, RA5, RA6, RA8, RA10, RA11, RA12, RA44, RA CONI (variedade Conilon), RA ESC (escolha), RA PALHA.
4. A necessidade de conscientização pela gestão de qualidade
Atualmente, a gestão da qualidade é uma das maiores preocupações das empresas, sejam elas voltadas à qualidade de produtos ou de serviços. A conscientização para a qualidade e o reconhecimento de sua importância, tornou a certificação de sistemas de gestão da qualidade indispensável para às micro e pequenas empresas de todo o mundo. A certificação, além de aumentar a satisfação e a confiança dos clientes, reduzir custos internos, aumentar a produtividade, melhorar a imagem e os processos continuamente, possibilita acesso a novos mercados.
A cadeia produtiva do café é composta por operações que envolvem produtores de insumos, máquinas e equipamentos, produtores rurais, armazéns e beneficiadores (maquinistas), corretores, cooperativas, indústrias de torrefação e moagem, indústria de café solúvel, exportadores, atacadistas, varejistas e outros agentes do agronegócio café, responsáveis por todos os processos, desde a produção até a colocação do produto no mercado de destino.
A criação de mecanismos de gestão internos às cadeias, que defendam interesses não conflitivos, é a chave para o aperfeiçoamento competitivo das mesmas. É crescente a tendência da coordenação com base conjunta entre o Estado e o setor não estatal nas economias competitivas (ZILBERSZTAJN et al, 1993). O que se espera com isso é que o café brasileiro possa ser beneficiado de conceitos e atributos de qualidade intrínsecos aos três níveis de percepção do consumidor que, segundo BRANDO (1998), são os seguintes:
• mercado/físico - transferir a sensação de produto confiável e regular, em termos de suprimento, com consistência e manutenção da qualidade, facilidade de obtenção e preços competitivos;
• coração/emocional - realçar a diversidade de cafés, presença da característica de doçura e suavidade naturais, direcionando a decisão de consumir para o campo da percepção do sabor;
• mente/filosófico - associar o produto à sua forma de produção natural, socialmente correta em termos de sustentabilidade e geração de empregos.
Enquanto as indústrias vêm conseguindo avanços significativos nesse sentido, no âmbito internacional, no Brasil estima-se que apenas cerca de 2% do consumo interno em 1998 tenham sido de cafés de qualidade diferenciada, basicamente o café expresso. Nos Estados Unidos esse percentual atingiu cerca de 15% nesse mesmo ano. Outro exemplo é a conquista do mercado alemão, pois atualmente o Brasil é o maior fornecedor de café esse mercado. No entanto, essa posição era ocupada até recentemente pela Colômbia. A substituição não ocorreu apenas em função de menores preços relativos mas, principalmente, em função da qualidade observada no produto brasileiro pelos consumidores daquele País.
5. Questionamentos
1. Quais as técnicas e procedimentos que deveriam ser aprimorados para aumentar o nível tecnológico da produção de cafés de boa qualidade , no âmbito de pequenas e médias propriedades?
2. Quais as técnicas de gestão de qualidade que deveriam nortear a produção sustentável do café na agricultura familiar. Para estimular a persistência dessas unidades?
3. Como o governo pode orientar e atuar de forma mais eficaz na extensão rural, para dar suporte à produção familiar, frente aos custos de produção e ao avanço tecnológico e da produtividade e rentabilidade da cafeicultura?
Literatura citada e recomendada
CASALE, H.;ROMERO, J.P. Seja o Doutor do seu Cafezal. POTAFOS. ARQUIVO DO AGRÔNOMO - Nº 32a edição - revisada e ampliada.Disponível em:
DELAZARI, Agenor Luiz. Análise de viabilidade do alto padrão tecnológico para a produção de café na pequena propriedade familiar policultora − estudo de caso na região centro sul de Rondônia para a safra 2000/01/ − Cacoal (RO): 2002. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) Universidade Federal de Santa Catarina, 2002.
MELO, W.L.B. O Cafezinho Nosso De Cada Dia. Revista Cafeicultura.Dez, 2005. Disponível em:
RABECHINI, Roque Júnior. A importância das Habilidades do Gerente de Projetos. RA − USP − Revista de Administração, V. 36, nº 1:92, jan./mar., S. Paulo, 2001.
VANIN, Alexsandro. O Sabor da Oportunidade: Cafés de qualidade aumentam os negócios e o consumo. Revista Empreendedor. Editora: empreendedor. nº 147, jan de 2007. São Paulo, 2007.
Vegro, C. L. R. (Ed.) O prazer e a excelência de uma xícara de café expresso: um estudo de mercado. São Paulo: Editora Ceres, 2002. 111 p.
THOMAZIELO, R. A.; FAZUOLI, L. C.; PEZZOPANE, J. R. M.; FAHL, J. I.; CARELLI, M. L. C. Café arábica : Cultura e técnicas de produção. Campinas : Instituto Agronômico, 2000. 82 p. (Boletim técnico, 187).
SINDICATO DA INDÚSTRIA DE CAFÉ DO ESTADO DE SÃO PAULO (Sindicafé-SP). Centro de Preparação de Café - CPC. Disponível em https://www.sindicafesp.com.br/cpc_br.html. Acesso em: 15 de set de 2007.