A irrigação é a maior usuária da água na produção agrícola mundial, representando um consumo em torno de 70% de toda a água derivada de rios, lagos e mananciais subterrâneos, comparado com 23% da indústria e apenas 7% do abastecimento humano. Apesar do grande consumo de água, a irrigação representa a maneira mais eficiente e produtiva de se obterem alimentos. A metade dos alimentos nos últimos 30 anos tem vindo da agricultura irrigada estimando-se que no futuro de metade a dois terços do incremento da produção de alimentos será proveniente da agricultura irrigada.
Hoje, a área irrigada no mundo corresponde a 17% do total agricultado, porém, é responsável por 40% da produção total de alimentos. O Brasil apresenta grande potencial, com 5% da área cultivada irrigada, respondendo por cerca de 20% da produção total e por 35% do valor da produção.
Levando-se em conta a importância da irrigação para a agricultura mundial, porém, considerando-se que o consumo de água na atividade é muito grande, o uso racional da água nas atividades agrícolas assume papel de destaque, tanto é verdade que foi promulgada a Lei Federal número 9433, em 8 de janeiro de 1997, que institui a Política nacional de Recursos Hídricos, criando o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos.
A irrigação já uma realidade na cafeicultura brasileira, ocupando área significativa, permitindo situar o cafeeiro entre as principais culturas irrigadas do Brasil. Levantamentos preliminares indicam que cerca de 10% da sua área plantada é irrigada, concentradas principalmente no Norte do Espírito Santo, Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba em Minas Gerais e Oeste da Bahia. Esta área irrigada, de cerca de 250.000 ha, é responsável por 25% da produção brasileira de café.
A irrigação tem sido utilizada mesmo nas regiões consideradas tradicionais para o cafeeiro, como Sul de Minas Gerais, Zona da Mata de Minas Gerais, Mogiana Paulista, Espírito Santo, etc. Trabalhos de pesquisa demonstram que o aumento de produtividade média com o uso da irrigação (médias de pelos menos 3 safras) tem sido de 50% quando comparada com as lavouras de sequeiro, trabalhos estes desenvolvidos nas regiões de Lavras e Viçosa, Minas Gerais, regiões consideradas aptas climaticamente ao cultivo do cafeeiro, sem a necessidade de irrigação.
Convém salientar que, embora a irrigação seja viável nestas regiões, o beneficio do uso desta tecnologia é mais evidente em regiões mais quentes, onde a temperatura média mensal dificilmente fica abaixo dos 19º C, como as novas fronteiras do café, como Barreiras, Luiz Eduardo Magalhães e Cocos, na Bahia. Na Tabela 1, é possível se verificar a divisão da cafeicultura brasileira em regiões, de acordo com a temperatura. As regiões podem ser classificadas, segundo Santinato & Fernandes (2002) em "frias", "médias" e quentes. A irrigação tem proporcionado melhores resultados de produtividade nas regiões quentes, seguido pelas medidas e frias, pelo fato de na totalidade dos meses do ano, a temperatura média serem superiores a 19º C. Esta informação quer dizer que o estresse hídrico é mais adequado e menos sujeito a riscos nas regiões frias e médias, devendo ser adotado com extremo critério nas áreas quentes, onde o cafeeiro cresce o ano todo.
Tabela 1 - Classificação das regiões cafeeiras do Brasil de acordo com as temperaturas médias mensais
Vários experimentos têm sido conduzidos nas diferentes regiões cafeeiras, principalmente objetivando avaliar o efeito da irrigação na produtividade e qualidade do cafeeiro, sendo vários deles relacionados a estresse hídrico x produtividade/qualidade do café.
2. EXPERIMENTOS NAS REGIÕES CAFEEIRAS
2.1. Regiões frias - 4 meses de temperatura média inferior a 19ºC
Em experimento conduzido em Lavras, os pesquisadores da UFLA estudaram os efeitos de diferentes lâminas de irrigação (Sem irrigação, 100%; 80%; 60% e 40% ECA) na produtividade do cafeeiro irrigado por gotejamento, e após 3 safras, verificaram que a irrigação total (100% do exigido) proporcionou as maiores produtividades, com 68 sc.ben/ha, muito superior ao tratamento sem irrigação (39 sc.ben/ha) - Figura 1.
Figura 1 - Produtividade do cafeeiro com diferentes lâminas de irrigação na região de Lavras - MG (média de 3 safras)
Ainda em região "fria", a equipe da Universidade Federal de Viçosa estudou, além dos tratamentos de irrigação, testaram diferentes produtos aplicados em fertirrigação, comparando-se com a adubação convencional, conforme Tabela 2. Verifica-se que não houve diferença significativa entre os tratamentos de adubação, porém, todos foram superiores ao tratamento não irrigado, que produziu na média de 3 safras 39 sc.ben/ha, comparando-se com a média de 65 sc.ben/ha dos tratamentos irrigados.
Tabela 2 - Produtividade do cafeeiro irrigado por gotejamento com diferentes tratamentos de irrigação e fertirrigação, Viçosa - MG.
2.2. Regiões médias - 2 meses de temperatura média inferior a 19ºC
Em experimento conduzido na região de Presidente Olegário, MG, pesquisadores da Universidade de Uberaba e do Ministério da Agricultura estudaram o efeito da irrigação pelo sistema de tripa na produtividade do cafeeiro, e após 6 safras, obtiveram ganhos de 67% , em média, com os tratamentos irrigados (Figura 2).
Figura 2 - Produtividade do cafeeiro irrigado por tripa na região de Presidente Olegário, MG (6 safras)
2.3. Regiões quentes - o ano todo com temperatura média superior a 19ºC
Em lavoura de café Mundo Novo, espaçamento 4,2 x 1,0 m, na região de Planaltina de Goiás, os pesquisadores da Universidade de Uberaba e do Ministério da Agricultura estudaram o efeito de diferentes períodos de estresse hídrico na produtividade do cafeeiro, desde 30 dias até 180 dias. Conforme a Figura 3, o melhor resultado, nesta região considerada quente, foi o obtido com a reposição total de água, com média em 3 safras de 47 sc.ben/ha, muito superior às 24 sc.ben/ha do tratamento sem irrigação. É interessante notar que todos os períodos de déficit hídrico (de 30 a 90 dias) foram prejudiciais à produtividade do cafeeiro.
Figura 3 - Produtividade do cafeeiro irrigado com diferentes períodos de estresse hídrico - Planaltina de Goiás, média de 3 safras.
A segunda parte do artigo tratará das características das floradas dos cafeeiros, aplicação prática e gerenciamento da irrigação.