O café se constitui numa espécie na qual todas as plantas individuais de uma certa extensão geográfica florescem simultaneamente. Todavia, acontecem várias floradas, desde algumas poucas nas regiões cafeeiras das latitudes médias, com época seca e fria bem definidas, até várias ao longo do ano, nas regiões equatoriais chuvosas.
Na região cafeeira do sudeste do Brasil, segundo o Prof. Alemar Braga Rena, da Universidade Federal de Viçosa, podem ocorrer de 3 a 4 floradas, ou mais, de intensidade e temporalidade variáveis. Esse hábito reprodutivo conduz a uma série de dificuldades práticas, algumas relacionadas com colheitas parciais prolongadas, outras com os controles efetivos de doenças e pragas dos frutos, podendo causar redução de produtividade e qualidade dos grãos.
De acordo com o pesquisador Gopal, "A floração do cafeeiro - Figura 4 (indução, evocação, diferenciação e antese) é um processo muito complexo e parece ser uma resposta de efeitos cumulativos de fatores fisio-ecológicos e sobre a qual muitos aspectos estão ainda por ser revelados". O fenômeno da floração é ainda um dos maiores mistérios da tecnologia cafeeira". O seu conhecimento é fundamental para o agronegócio café.
Não há no momento qualquer estudo verdadeiramente científico sendo realizado sobre a floração do cafeeiro, no Brasil, talvez no mundo.
Figura 4 - Exemplos de florada do cafeeiro
Segundo o Prof. Rena, da UFV, a grosso modo, são reconhecidas quatro fases distintas na floração do café:
a. iniciação floral: é precedido das reações fisiológicas da indução do estado florífero, que resultam na produção do "estímulo floral" e da "evocação" do meristema, resultando na formação da inflorescência. Estas gemas flrais só são visíveis quando no estádio E2 (Figura 5), ou seja, numa fase mais adiantada do desenvolvimento floral.
b. diferenciação floral e dormência do botão floral: os primórdios florais recém-diferenciados crescem de modo contínuo por um período de cerca de dois meses, até atingirem tamanho máximo de 4 a 6 mm no Estádio 4 (Figura 5), com uma pausa de semanas ou meses (dormência), dependendo das condições externas, principalmente chuvas ou irrigação. Este botão E4 é o único sensível aos fatores ambientais, especialmente hidratação ou frio, que conduzem à recuperação do crescimento e eventualmente à abertura da flor. Em condições de campo, a pausa de crescimento dos botões no estádio 4 coincide com a estação seca e com a redução do crescimento vegetativo, porém, ainda são contraditórios trabalhos que comprovem a importância de um déficit de água na cessação do crescimento dos botões florais. Em cafeeiros com irrigação constante, verifica-se que os botões florais se mantêm em dormência permanente, sendo necessário um período de seca para que haja a florada, quando os cafeeiros são novamente irrigados. Contudo, déficits de água podem desenvolver-se mesmo em cafeeiros irrigados continuamente, estando o tempo ensolarado, com o acontece em algumas regiões do Brasil, com solos arenosos e clima quente, como a região oeste do estado da Bahia. A adoção ou não de um período de déficit hídrico para uniformizar a florada do cafeeiro talvez seja um dos maiores gargalos da cafeicultura irrigada do Brasil.
c. abertura da flor, ou florada: em condições normais, os botões florais que entraram em dormência durante um período de seca, tão logo ocorra uma chuva de valor mínimo (chuva de florada), reiniciam imediatamente o seu crescimento, levando à abertura das flores. As floradas, na maioria das regiões cafeeiras coincidem com o início do rápido crescimento vegetativo (agosto/setembro) e têm continuação durante a estação de crescimento máximo (novembro/dezembro). Chuvas e queda acentuada de temperatura estão geralmente associadas ao desencadeamento da abertura floral, porém, são necessários mais trabalhos de pesquisa que possam elucidar os efeitos de cada um destes fatores.
Figura 5 - Estádios da floração do cafeeiro (Fonte: Prof. Alemar Braga Rena, UFV).
"Um período de déficit hídrico é aparentemente essencial para liberar os botões florais da dormência, mas nem a presença da folha do nó nem um gradiente de potencial hídrico da folha para o botão afetam o fenômeno de forma clara.
De acordo com Crisosto et al. (1992):
•O botão no estádio 4 entra em dormência verdadeira;
•Não tem xilema desenvolvido.
•Após o déficit hídrico, seguido da adição de água (hidratação), em 3 dias o xilema diferencia-se.
•Ocorrem variações hormonais no interior do botão floral.
•crescimento é retomado e a flor abre-se de 8-14 dias, dependendo da temperatura e do grau de hidratação.
•Somente gemas "maduras para a floração" (estádio 4) são sensíveis ao déficit hídrico.
•Somente botões no estádio 4 desenvolve o xilema.
4. MAS, E NA PRÁTICA?
Na prática, pode-se recomendar irrigação freqüente e abundante para evitar a floração (antese), seguida de déficit controlado, quando o maior número possível de botões esteja no estádio 4. Irrigar novamente de forma abundante para sincronizar a floração. É preciso muito cuidado no retorno da irrigação, já que a hidratação insuficiente do cafeeiro é muito prejudicial ao desenvolvimento. Talvez seja este um dos motivos da resistência dos cafeicultores em adotar um período de estresse hídrico para o cafeeiro.
Alguns experimentos realizados pela Embrapa Cerrados foram muito importantes para viabilizar a utilização da sincronização da florada com déficit hídrico. No início, foi proposto déficit fixo, de 70 dias, para todas as regiões, tanto frias, como médias e quentes. Porém, esta prática já não é mais utilizada, pelo fato das características climáticas de cada uma das regiões cafeeiras brasileiras serem muito diferentes. Hoje, a paralisação da irrigação é feita em meados de junho, mas o retorno das irrigações depende da região, da situação da lavoura, das condições climáticas.
Estes experimentos mudaram bastante o conceito inicial de que o déficit hídrico controlado poderia comprometer a produtividade ao se visar a qualidade. Se realizada adequadamente, é possível, com a paralisação da irrigação, no período adequado e no momento oportuno, é possível conseguir altas produtividades com qualidade.
Especificamente na irrigação por gotejamento, ao invés de se interromper totalmente a irrigação, tem sido utilizado com sucesso a irrigação com déficit, que tem por princípio reduzir a lâmina de água aplicada ao cafeeiro durante um período (entre junho e agosto), com monitoramento da umidade do solo até 60 cm. Este procedimento tem permitido um ganho de qualidade, sem comprometer a produtividade do cafeeiro.
5. GERENCIAMENTO DA IRRIGAÇÃO
Para que um projeto de irrigação do cafeeiro atinja seus objetivos, é necessário que além de um projeto adequado (dimensionamento e implantação), haja também um manejo eficiente da irrigação. O conceito de manejo eficiente da irrigação é complexo, podendo assumir diversas faces, e no seu sentido mais amplo relaciona tanto o aspecto do manejo da água como também o manejo do equipamento, com o objetivo de adequar a quantidade de água a ser aplicada e o momento certo desta aplicação.
O manejo adequado da irrigação tem por um lado o compromisso com a produtividade do cafeeiro, e por outro o uso eficiente da água e da energia, promovendo a conservação do meio ambiente.
Para ilustrar o cálculo da quantidade de água necessária para cafeicultura irrigada, vamos considerar o caso da região Oeste da Bahia. Atualmente a cultura ocupa uma área aproximada de 15.000 ha. A região caracteriza-se por alta demanda evapotranspirativa, o que resulta no consumo médio da cultura do cafeeiro da ordem de 1600 mm. Considerando-se que as chuvas atendam 50% da demanda da cultura (800 mm), a quantidade de água a ser aplicada via sistema de irrigação atinge a cifra de 800 mm. Sabendo-se que 1 mm representa 1 L/m2 ou 10 metros cúbicos (m3 )/ha, é fácil concluir que serão necessários aplicar 8.000 m3 por cada hectare irrigado, ou 96.000.000 m3 (ou 96 trilhões de litros de água) na região como um todo.
Para permitir um melhor entendimento do volume de água necessário para irrigar o cafeeiro no exemplo anterior, vamos compará-lo com o gasto de água para abastecer os habitantes de uma cidade. Tomando por base um consumo de 200 litros de água/habitante por dia, conclui-se que a quantidade de água gasta na irrigação do cafeeiro nesta região corresponde ao consumo de água de água de uma cidade de cerca de 1.315.068 de habitantes.
Os cálculos anteriores, apesar de simplificados, dão uma idéia do volume de água envolvido na agricultura irrigada, e reforçam a tese de que a gestão de recursos hídricos passa invariavelmente pela análise e conhecimento da irrigação. Outro ponto a considerar é a necessidade de conhecimento das características dos diversos sistemas de irrigação utilizados. Cada sistema interagindo com uma determinada situação local promove uma maior ou menor eficiência de irrigação, o que irá afetar o consumo de água total.
Durante a evolução da cafeicultura irrigada no Brasil, diversos foram os enfoques adotados. Inicialmente a única preocupação era o aumento da produtividade. Atualmente, a modernização da agricultura mundial passa pelo conceito de agricultura sustentável, com a integração de todos os fatores que interferem na produção. Neste contexto é fundamental a utilização eficiente da água e conservação do meio ambiente, que vem sendo um dos grandes desafios da cafeicultura irrigada.
Outro desafio atual é a conscientização de que cafeicultura irrigada não significa a mesma coisa que cafeicultura tradicional mais água. Por traz deste simples jogo de palavras esconde-se uma questão fundamental para o futuro da agricultura irrigada, e que vem sendo o motivo de vários insucessos na exploração agrícola. É importante a conscientização da necessidade uma reavaliação geral de conceitos e definições quando se inicia a exploração de uma cultura irrigada em uma área qualquer. Devem ser questionados aspectos básicos como: melhor variedade, espaçamento mais adequado, níveis de adubação tratos fitossanitários etc. Em síntese, é bem provável que uma série de atitudes e decisões adotadas sejam adequadas para a cafeicultura irrigada, mas não otimizam a produtividade e o lucro do produtor em condições irrigadas.
Assim é necessário assim que haja maior disponibilidade de informações para a condução de uma determinada cultura em condições irrigadas, denominado como "pacotes tecnológicos". Para isso é fundamental desenvolver um grande número de pesquisas que possam trazer informações confiáveis aos cafeicultores irrigantes.