A cafeicultura é uma atividade que se caracteriza por gerar grandes volumes de resíduos agroindustriais, que necessitam de destinos apropriados a fim de evitar passivos ambientais, além de proporcionar benefícios econômicos.
No Brasil, ainda predomina o preparo do café por via seca, no qual não há separação da polpa, mucilagem e casca. Assim, a industrialização deste produto resulta em proporções semelhantes de café beneficiado e casca (Vegro & Carvalho, 1994). O País, maior produtor mundial de café, com 2,144 milhões de toneladas de café beneficiados em 2005 (MAPA, 2006), gerou 2,144 milhões de toneladas de casca de café, que representa, aproximadamente, 70% da demanda anual de milho para bovinocultura (Agrianual, 2004).
As principais formas de utilização da casca de café são como combustível, carvão ou adubo orgânico (Vegro & Carvalho, 1994). Apesar da casca de café apresentar composição bromatológica que se adequa à alimentação de ruminantes, como substituto de concentrados energéticos ou de forragens, sua adoção pelos produtores ainda é incipiente.
Neste sentido, propõe-se com este artigo apresentar uma breve descrição das características químicas da casca de café, os resultados de pesquisas sobre sua utilização na alimentação de bovinos de leite e corte, e recomendar níveis adequados de inclusão na dieta destes animais.
Características químicas e nutricionais da casca de café
A estatística descritiva para composição química da casca de café está apresentada na Tabela 1. O valor médio da proteína bruta assemelha-se ao de outros alimentos energéticos como o milho e milho desintegrado com palha e sabugo (MDPS). No entanto apresenta elevada participação de nitrogênio ligado à fibra em detergente neutro (NIDN) e fibra em detergente ácido (NIDA), indicando que grande parte da proteína é de baixa degradabilidade ruminal e indegradável.
1/ % MS; 2/ % do nitrogênio total; DP = desvio padrão; N = no de observações.
Tabela 1 - Estatística descritiva para composição química da casca de café.
O teor de fibra em detergente neutro (FDN) apresenta variações em função da relação entre casca e pergaminho, sendo que o pergaminho contém maior teor de fibra e que é também de pior digestibilidade que a fibra da casca (Pereira, 2003). Resultados do trabalho de Ribeiro Filho (1998), indicaram que a degradabilidade da fibra da casca de café é inferior ao do milho desintegrado com palha e sabugo devido à maior participação da lignina na fibra em detergente neutro, pois a lignina afeta negativamente a degradação ruminal dos carboidratos celulose e hemicelulose.
Em função disso, espera-se que o valor energético da casca de café seja baixo. Entretanto, ainda não há estudos sobre determinação do valor energético da casca de café para bovinos, mas estimativas baseadas em equações de predição a partir da composição química, com valores estimados de nutrientes digestíveis totais de 50%, base da MS (Oliveira, 2005; Rocha, 2005; Teixeira, 2005). Todavia, este valor deve ser visto com ressalva, pois as equações de predição ainda não foram validadas para alimentos desta natureza.
Outros compostos químicos como a cafeína e os polifenóis totais também se constituem em fatores limitantes. Alguns autores propõem que estes compostos causam depressão na ingestão de matéria de seca (Cabezas, 1976; Vargas et al., 1982).
Apesar das limitações nutricionais apresentadas, acredita-se que a casca de café tenha potencial de inclusão em dietas de ruminantes. Neste sentido, diversos estudos foram realizados no Brasil com objetivo de determinar níveis adequados de casca de café na alimentação de bovinos de leite e corte, em substituição a concentrados energéticos ou forragens.
Resultados com Vacas de Leite
Na Tabela 2 constam resultados de trabalhos publicados no Brasil, sobre desempenho de vacas de leite da raça Holandês, confinadas, alimentadas com dieta completa, contendo casca de café em substituição ao milho grão ou silagem de milho.
Nos trabalhos que substituíram milho grão, o nível máximo médio de inclusão da casca de café na dieta foi 11,75% (base da MS), com variação de 10 a 15%. O consumo de matéria seca, a produção e composição do leite a variação de peso dos animais não foram afetados (P>0,05) nos trabalhos de Barcelos et al. (1995), Souza et al. (2005) e Oliveira et al. (2005).
O mesmo ocorreu no estudo de Rocha (2005), com exceção para consumo de matéria seca que se reduziu linearmente com inclusão de casca de café na dieta, possivelmente, por utilizar maior nível de inclusão, 15% na MS da dieta. Apesar disso, o desempenho não foi comprometido, pois segundo o autor, o consumo de nutrientes atendeu as exigências nutricionais.
CC = casca de café, base da MS; CMS = consumo de matéria seca; PL = produção de leite; VP = variação de peso; PBL = proteína bruta do leite; GL = gordura do leite; V:C = relação volumoso:concentrado, base da MS; L = efeito linear (P<0,05); Q = efeito quadrático (P<0,05).
Tabela 2 - Resumo de trabalhos sobre desempenho de vacas de leite confinadas, alimentadas com dietas contendo casca de café moída em substituição ao milho grão ou silagem de milho publicados no Brasil.
A substituição da silagem de milho pela casca de café (níveis de inclusão na dieta de 0, 6, 12 e 18%, base MS) também foi avaliado por Rocha (2005). Apesar do consumo de matéria seca ser linearmente reduzido (P<0,05) com inclusão de casca de café, foi observada resposta quadrática na produção de leite (P<0,05), estimando-se produção máxima de leite de 26,8 kg/dia no nível de 8,44% de casca de café na dieta, mas nenhuma explicação para esta aparente contradição foi apresentada.
O autor concluiu que apesar da substituição da silagem de milho pela casca de café reduzir o consumo de matéria e a digestibilidade da maioria dos nutrientes, recomenda-se a utilização de 8,5% de casca de café na dieta de vacas produzindo 25 kg/dia, por ter resultado em máxima produção.
Resultados com Novilhas Leiteiras
Na Tabela 3 são apresentados resultados de trabalhos publicados no Brasil sobre desempenho de novilhas da raça Holandesa, confinadas, alimentadas com dietas contendo casca de café em substituição ao milho grão ou silagem de milho.
CC = casca de café, base da MS; CMS = consumo de matéria seca; GMD = ganho médio diário; PVI= peso vivo inicial; V:C = relação volumoso:concentrado, base da MS; L = efeito linear (P<0,05).
Tabela 3 - Resumo de trabalhos publicados no Brasil sobre desempenho de novilhas da raça Holandesa, confinadas, alimentadas com dietas contendo casca de café em substituição ao milho grão ou silagem de milho.
Souza et al (2006) avaliaram o desempenho de novilhas recebendo dietas isonitrogenadas (15% de PB) com diferentes níveis de casca de café moída (0; 8,75; 17,5 e 26,25% da MS) em substituição ao milho na ração concentrada, que corresponderam aos níveis de 0,0, 3,5, 7,0 e 10,5% de casca de café na MS da dieta total. O consumo de MS não foi alterado (P>0,05), enquanto o ganho de peso decresceu linearmente com a inclusão de casca de café, estimando-se redução de 6,94 g/unidade de casca de café adicionada na ração concentrada.
Os autores concluíram que embora tenha-se estimado decréscimo linear no ganho de peso das novilhas com adição de casca de café, recomenda-se a inclusão deste resíduo em até 7,0% na MS da dieta total substituição ao milho da ração concentrada, haja vista que os ganhos médios diários observados foram próximos daqueles obtidos nos níveis com 0,0 e 3,5% de casca, e ter ocorrido redução no custo de produção da arroba e aumento na renda bruta até aquele nível de inclusão.
Teixeira (2005) avaliou o desempenho de novilhas e digestibilidade dos nutrientes de dietas com diferentes níveis de inclusão de casca de café inteira (0, 7, 14 e 21 %, da MS), em substituição à silagem de milho. As dietas foram isonitrogenadas (14% PB) e as novilhas receberam 2 kg de ração concentrada/dia. O consumo de matéria seca aumentou linearmente (P<0,05) com a adição de casca de café, segundo os autores, em razão do menor tamanho de partícula da casca de café em relação à silagem de milho. Apesar do ganho de peso reduzir linearmente (P<0,05) com a inclusão de casca de café, o autor concluiu que a casca de café pode ser utilizada o nível de 14% na matéria seca total da dieta, em substituição à silagem de milho.
Resultados com Bovinos de Corte Confinado
Na Tabela 4 constam resultados de trabalhos publicados no Brasil sobre desempenho de bovinos de corte em confinamento alimentados com dietas contendo casca de café em substituição ao MDPS.
1base da MS. CMS = consumo de matéria seca; GMD = ganho médio diário; PVI = peso vivo inicial.
Tabela 4 - Resumos de trabalhos publicados no Brasil sobre desempenho de bovinos de corte em confinamento alimentados com dietas contendo casca de café em substituição ao MDPS (milho desintegrado com palha e sabugo).
Barcelos et al. (1997a) utilizaram 200 novilhos mestiços Holandês:Zebu com peso vivo médio de 326 kg, castrados, recebendo rações com 0, 10, 20, 30 e 40% de casca de café moída em substituição ao milho desintegrado com palha e sabugo (MDPS), durante 133 dias. O consumo de MS não foi afetado pela casca de café, enquanto que o ganho de peso dos animais não foi comprometido até o nível de 30% de casca de café na ração concentrada.
Em outro experimento, Barcelos et al. (1997b) utilizaram 200 novilhos mestiços Holandês:Zebu com peso vivo médio de 385 kg, castrados, recebendo rações com 0, 20, 40 e 60% de casca de café moída em substituição ao MDPS, durante 98 dias. O consumo de MS não foi afetado, enquanto o ganho de peso dos animais reduziu (P<0,01) linearmente com substituição do MDPS pela casca de café. Contudo, segundo os autores, resultados econômicos mostraram que é viável a utilização de até 60% de casca de café no concentrado de novilhos confinados.
Ribeiro Filho (1998) trabalhando com 25 novilhos mestiços Holandês:Zebu com peso vivo médio de 250 kg, não castrados, recebendo dietas isonitrogenadas (16% de PB), avaliou o efeito dos níveis de casca café na ração concentrada (0, 10, 20, 30 e 40%, da MS) em substituição ao MDPS, durante 102 dias de experimento. O consumo de MS e o ganho de peso dos animais não foram afetados (P>0,05) pelo uso da casca de café. O autor concluiu que é viável a substituição do MDPS pela casca de café até o nível de inclusão de 40% na ração concentrada.
Resultados com Suplementação de Bovinos de Corte em Pastagens Tropicais
Paulino et al. (1995a) conduziram um trabalho com objetivo de avaliar níveis de casca de café moída (0, 3, 6 e 9 %) em suplementos múltiplos, substituindo MDPS, sobre o desenvolvimento de novilhas mestiças em pastagens de capim jaraguá no período da seca, utilizando 56 novilhas com peso inicial de 202 kg e idade de 15 meses. Os suplementos foram fornecidos à vontade. Os ganhos de peso diários (kg/animal) nos níveis 0, 3, 6 e 9 % foram respectivamente: 0,442; 0,502; 0,362 e 0,373 kg/cab/dia. Segundo os autores a inclusão da casca de café moída não afetou (P>0,05) o desempenho dos animais.
Paulino et al. (1995b) realizaram outro experimento para verificar o efeito da inclusão da casca de café moída ou integral em suplementos múltiplos, substituindo MDPS, sobre o desenvolvimento de 45 novilhos mestiços com peso inicial de 220 kg e idade de 15 meses, no período da seca, distribuídos em três tratamentos: A (sem casca de café), B (6% de casca de café moído) e C (6% de casca de café integral). Os ganhos de peso diários (kg/animal) nos tratamentos A, B e C foram respectivamente: 0,301ab; 0,367a e 0,234b kg/cab/dia. Segundo os autores a inclusão da casca de café integral afetou (P<0,05) negativamente o desempenho dos animais.
Considerações Finais
Em razão da elevada presença de compostos químicos que afetam negativamente o valor nutritivo da casca de café tais como lignina, compostos nitrogenados ligado à fibra (NIDN e NIDA), cafeína e polifenóis totais, níveis de inclusão da casca de café em dietas de ruminantes são baixos.
Dependendo da disponibilidade e conveniência econômica, a casca de café pode ser utilizada na alimentação de bovinos de leite e corte sem comprometer o desempenho dos animais, nos seguintes níveis:
Vacas de leite em confinamento - Vacas produzindo até 20 kg/dia de leite, nível de 10% de inclusão na dieta total, base da MS, em substituição ao milho grão, ou 12% de inclusão na dieta total em substituição à silagem de milho;
Novilhas leiteiras em confinamento - Novilhas com ganho de peso de 1 kg/cab/dia, nível de 7% de inclusão na dieta total, base da MS em substituição ao milho grão, ou 14% de inclusão na dieta total, em substituição à silagem de milho;
Bovinos de corte em confinamento - Para ganhos de peso de 1 kg/dia, utilizar até 30% (base da MS) na ração concentrada, em substituição ao milho desintegrado com palha e sabugo.
Bovinos de corte em pastos tropicais, recebendo suplementos múltiplos na seca: Para ganhos de peso abaixo de 0,5 kg/dia, utilizar até 10% (base da MS) de casca de café moída no suplemento.
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