O cooperativismo se caracteriza por ser uma sociedade de pessoas onde cada associado, independentemente do volume de operação e do seu capital, tem direito a um voto nas assembléias gerais.
Assim, no seu conceito básico, nunca se deu atenção ao capital da cooperativa. A própria lei das cooperativas veda a concessão de qualquer benefício ao capital, exceto o pagamento de juros, limitado a 12% ao ano, em havendo sobras.
As questões que se colocam são:
- Como competir em uma sociedade capitalista, onde a base da riqueza empresarial é o capital?
- Como obter os recursos necessários às suas operações, quando todo o sistema financeiro é treinado para analisar empresa não cooperativa?
A resposta é que precisamos capitalizar as nossas cooperativas para podermos competir em igualdade de condições, oferecendo aos nossos cooperados produtos e serviços de acordo com suas necessidades e a preços competitivos.
Assim, não nos resta outro caminho, se não o de buscar esta capitalização e, só existem duas maneiras de capitalizar uma empresa - pelo aporte dos seus sócios ou pela retenção dos lucros.
Vamos analisar, primeiramente, o lucro, que, no caso das cooperativas, é denominado de sobra.
Em tese, a tendência das sobras em uma cooperativa é zero, pois, se as suas principais atividades são, por exemplo, a compra e venda em comum, a cooperativa é uma mera repassadora de custos e preços aos seus associados, além das suas despesas operacionais.
Na prática não é isto que se observa e vemos as cooperativas mais eficientes, auferindo sobras importantes e se capitalizando através deste mecanismo, ao longo do tempo. Entretanto, fica a questão:
- Estão estas cooperativas praticando preços justos, tanto de compra como de venda?
Se transferem tudo o que é possível, não se capitalizam. Se não transferem agem como um agente comercial capitalista. Qual é o limite adequado entre repasse de benefícios e retenção de sobras?
Esta decisão compete aos conselhos das cooperativas, administrando com muita rigidez sua estrutura de custos, e gerando sobras consistentes com as exigências do mercado em que a cooperativa opera.
A outra possibilidade de capitalização é através da subscrição de capital pelos associados.
Neste ponto é que se encontram as maiores resistências. As maiores e melhores cooperativas têm dificuldade para cobrar dos novos cooperados, uma taxa de capital compatível com os benefícios que a cooperativa oferece e no nível adequado que reflita tudo o que se construiu ao longo tempo.
Quiçá, quando as cooperativas necessitam solicitar de seus cooperados, nova subscrição de capital ao longo do tempo. A maioria dos cooperados não entende e não aceita contribuir com mais capital, pois não recebem um retorno direto e proporcional ao capital que estão investindo.
Muitas cooperativas cobram taxas de retenção para o capital na comercialização dos produtos. Novamente existe resistência. É muito comum ouvir nas cooperativas que não se deve cobrar nenhuma taxa, pelo risco do produtor desviar a safra.
Como resolver esta questão? O primeiro passo é a comunicação. Se o produtor não entende que se deve capitalizar a cooperativa é porque ele não observa valor na cooperativa, enxergando apenas mais uma empresa no mercado e tratando-a como uma empresa qualquer. Neste caso é extremamente recomendável que os dirigentes reúnam seus associados e demonstrem a importância da cooperativa e os convençam da necessidade de sua capitalização.
Outro passo importante é a distribuição das sobras. Pode parecer, mas não é um paradoxo se falar em distribuição de sobras quando estamos tratando de capitalização.
Ao longo de sua vida as cooperativas devem distribuir, de maneira a não comprometer seu equilíbrio econômico e financeiro, sobras aos seus cooperados para que eles se sintam realmente donos da cooperativa e assim, quando e se for necessário, se torne mais fácil convencê-los de um programa de capitalização.
Em todo o mundo se buscam alternativas para superar esta questão sem conflitar com a doutrina. Até mesmo cooperativas com ações em bolsa como ocorreu no Canadá.
Nos Estados Unidos se desenvolveram as chamadas cooperativas de nova geração, onde o direito de entrega é o "capital" do associado. Outra modalidade foi a constituição de empresas, sociedades anônimas, de propriedade exclusiva ou não das cooperativas.
O professor Fábio Chaddad, juntamente com o professor Michel Cook, em 2004, desenvolveu uma "árvore modelo de capital" (Figura 1), para as cooperativas, partindo do direito de propriedade, que exprime com clareza os diversos caminhos que se apresentam para que as cooperativas possam superar esta limitação, que como já foi dito é doutrinária.
O modelo é o seguinte:
Fonte: CHADDAD e COOK, 2004.
Figura 1 - Árvore modelos de capitalização para cooperativas
O principal dado do modelo e seu ponto de partida é o direito de propriedade e se ele é restrito ou não aos associados.
Hoje, tendo a caminhar para o direito não restrito. Como afirmei no artigo anterior o mundo está exigindo organizações mais fortes e com visão estratégica global. Sendo assim, acredito que buscar capital, fora das cooperativas, para fortalecer sua estrutura é um caminho que tem que ser considerado. Como mostra o modelo, não é o único.
O fato é que esta é uma questão vital para o desenvolvimento e crescimento das cooperativas e, recentemente, o governo reconhecendo a fragilidade deste item nas cooperativas de crédito criou uma linha, com recursos do BNDES para a capitalização destas cooperativas. Na época acompanhamos, com muita esperança, e acreditamos que um programa semelhante fosse destinado às cooperativas de produção, mas infelizmente não foi possível. Com um olhar crítico, acho que faltou empenho das próprias cooperativas e de suas organizações.
O que não dá para contestar é que para sobreviver e ser eficiente a cooperativa tem que ter uma estrutura de capital compatível com o mercado em que opera. Se não conseguir perderá capacidade competitiva e não trará aos seus associados todos os benefícios que dela se espera.