Para algumas commodities brasileiras, como café e soja, no momento da assinatura do contrato de exportação não é definido o preço do negócio, pois nem sempre é conveniente a vendedores e compradores efetuar a fixação antecipada. Desse modo, os contratos estabelecem somente a bolsa na qual serão determinados o preço e a base1, que se refere à diferença entre os preços da localidade de aquisição da mercadoria e o da bolsa escolhida.
Parte das exportações de café e de soja, respectivamente, tem precificação na New York Board of Trade (Nybot) e na Chicago Board of Trade (CBOT). Em termos de eficiência de hedge, os preços de exportação poderiam ser referenciados na BM&F, pois há forte correlação entre o preço futuro e a vista no vencimento do contrato futuro.
É importante lembrar que é possível o importador determinar que o contrato de exportação seja precificado na BM&F, pois esse registro está regulado no Anexo C da Consolidação das Portarias Secex (Exportação)2.
Ressalta-se que a produção de algumas commodities acima das necessidades de um país direciona os excedentes para o mercado externo, em que há preços mais atrativos. Como os preços internacionais e os internos, embora sejam correlacionados, podem se movimentar de maneira independente, influenciados por fatores individuais do mercado interno, importadores e exportadores podem negociar antecipadamente o diferencial (ou a base).
Determinação de risco
Suponha-se que, em novembro de 2006, o exportador assine um contrato de exportação que determine o embarque em Santos (São Paulo) para setembro de 2007 e o pagamento fixado sobre o preço do contrato de café da Nybot do vencimento dezembro de 2007, no dia do embarque, menos o diferencial de US$¢ 10/libra-peso. Diante dessas condições, pergunta-se: qual é o risco de preço para o exportador?
Para responder a essa questão, analisa-se se a variação de preços, para cima e para baixo, provocará risco de preço. Se o preço internacional subir, os preços no Brasil também subirão. Portanto, o exportador pagará mais para comprar o café internamente, mas receberá mais do importador (nota-se que, no contrato de exportação, não foi fixado o preço).
Por outro lado, se o preço internacional cair, o exportador receberá menos pelo café, mas também pagará menos no momento de sua aquisição para embarque. Conclui-se que o exportador não corre risco de variação do preço do café.
Entretanto, no contrato, estabeleceu-se o diferencial fixo de -US$¢ 10/libra-peso, o que significa que o importador pagará o preço da Nybot do dia do embarque, menos o diferencial estabelecido.
O Gráfico 1 mostra o diferencial histórico entre os contratos de café da Nybot (dezembro) e da BM&F (setembro), bem como sua volatilidade.
Fonte: BM&F e Nybot.
Gráfico 1 - Arbitragem café BM&F(setembro) x Nybot(dezembro).
Para cumprir o embarque do café em setembro, conforme contratado, o exportador necessita adquirir o produto em agosto. Suponha-se que, no momento da compra, o preço no Brasil tenha subido, proporcionalmente, mais do que o preço internacional, tornando o diferencial menor, por exemplo -US$¢ 5/libra peso. Desse modo, comprará a -US$¢ 5 e exportará a -US$¢ 10, o que acarretará prejuízo de US$¢ 5/libra-peso. Se o preço interno caísse, proporcionalmente, mais do que o internacional, a exportação proporcionaria receita adicional àquela esperada.
Assim, o risco que os contratos de exportação geram, em termos de preços, está relacionado ao estreitamento do diferencial3. A maneira de travá-lo contra eventual alteração é por meio de arbitragem, operação que consiste no posicionamento simultâneo em duas bolsas com a finalidade de travar o diferencial (no caso de exportadores) ou ganhar com o fortalecimento ou enfraquecimento da base (no caso de investidores).
Arbitragem na exportação de café
Contra o risco de diminuição do diferencial o exportador deverá, simultaneamente à assinatura do contrato, comprar café na BM&F para setembro e vender café na Nybot para dezembro4. Caso o preço internacional suba e o preço interno cresça mais que proporcionalmente, o comprador desembolsará ajustes diários em sua posição de venda na Nybot, mas receberá ajustes em maior quantidade em sua posição comprada na BM&F. Esse ganho, obtido com operação de arbitragem, será suficiente para não gerar prejuízo na compra física do café e garantir a margem inicialmente esperada. Se o preço no Brasil cair mais do que no mercado internacional, haverá perda na operação de arbitragem que será anulada adquirindo café mais barato.
O exemplo de contrato de exportação de café descrito estabelece o diferencial de -US$¢ 10/libra-peso sobre o preço da Nybot de dezembro. Se, na mesma data, o preço para setembro da BM&F estivesse a US$ 155,30/saca e o preço do Nybot, a US$¢ 134/libra-peso, o diferencial seria -US$¢ 16,59/libra-peso5.
Diante dos dois diferenciais, conclui-se que: se o exportador comprar BM&F a US$ 155,30 para setembro de 2007 e vender Nybot a US$¢ 134 para dezembro de 2007, ele garantirá a compra do café pelo diferencial de -US$¢ 16,59 e exportará ao diferencial de -US$¢ 10, auferindo lucro de US$¢ 6,59/libra-peso.
Simulação da operação6
Considerando-se a exportação de 300 sacas e o fato de o contrato da BM&F ser de 100 sacas, o exportador terá de comprar três contratos de café na BM&F a US$ 155,30/saca para dezembro de 2007. Como o contrato da Nybot é de 37.500 libras-peso ou 17.010 kg, o exportador poderá vender um contrato a US$¢ 134/libra-peso para o mesmo mês7.
Suponha-se que, em agosto, no momento de adquirir café no mercado a vista para exportá-lo, o preço da Nybot esteja a US$¢ 150/libra-peso e o da BM&F tenha subido, mais que proporcionalmente, para US$ 191,80/saca (US$¢ 145/libra-peso). O resultado da operação está descrito a seguir.
Posição de futuro
- Na BM&F: -US$ 155,30/saca (comprou) + US$ 191,80/saca (vendeu) = +US$ 36,50/saca = US$¢ 27,59/libra-peso.
- Na Nybot: US$¢ 134/libra-peso (vendeu) -US$¢ 150/libra-peso (comprou) = -US$¢ 16/libra-peso.
- Resultado do futuro: US$¢ 27,59/libra-peso - US$¢ 16/libra-peso = US$¢ 11,59/libra-peso.
O mercado físico
- Compra café no mercado físico: -US$ 191,80/saca ou -US$¢ 145/libra-peso.
- Exporta o café: US$¢ 150/libra-peso - US$¢ 10/libra-peso = + US$¢ 140/libra-peso.
- Resultado no físico: -US$¢ 145/libra-peso + US$¢ 140/libra-peso = -US$¢ 5/libra-peso.
Resultado da operação
- Posição de futuro: US$¢ 11,59/libra-peso.
- Posição no mercado físico: -US$¢ 5/libra-peso.
- Resultado geral: US$¢ 6,59/libra-peso ou US$ 8,72/saca. Nota-se que este é exatamente o lucro desejado no início da operação.
Considerações finais
A operação de arbitragem para o exportador de café é fundamental para garantir sua margem de lucro, pois qualquer que seja a trajetória dos preços internacionais e domésticos, o resultado será o mesmo. É essencial lembrar que essa operação estruturada de arbitragem seria desnecessária se o importador determinasse que o contrato de exportação fosse precificado na BM&F. Desse modo, não carregaria risco de diferencial na operação.
Notas:
1 Na exportação de café, a base é chamada de diferencial; na exportação de soja, de prêmio.
2 Essa legislação está disponível em:
www.desenvolvimento.gov.br/arquivo/secex/conporexportacao/ consolidacao.pdf.
3 O termo técnico utilizado para denominar essas movimentações é fortalecimento ou enfraquecimento de base.
4 Essa operação busca replicar o contrato de exportação que estabelece: a origem do café, em agosto; o embarque em setembro; e o recebimento financeiro da exportação, contra comprovação de embarque, sobre o contrato da Nybot de dezembro.
5 Para saber o diferencial, é preciso comparar o preço das duas bolsas. Transforma-se o preço da BM&F, cuja notação é US$/saca, para US$¢/libra-peso. Como uma libra-peso tem 0,4536kg e uma saca de café tem 60kg, dividindo-se 60 por 0,4536, obtém-se132,2751libras-peso. Isto é, uma saca de café tem 132,2751libraspeso.
Dividindo-se o preço da BM&F por 132,2751libras-peso, obtém-se o preço em US$/libra-peso, mas a cotação é em centésimos de dólar (US$¢), ou seja, é necessário ainda dividir por 100.
6 Não foram considerados os custos operacionais das operações futuras.
7 Nota-se que a exportação foi de 18.000kg e o contrato da Nybot é de 17.010kg. Logo, o exportador não consegue ficar totalmente travado em quantidade.
Artigo extraído da Síntese Agropecuária BM&F, Nº. 287.