Pode ocorrer um número variável de floradas, em função das características do cultivar, como a carga genética e as condições nutricionais, e dos fatores ambientais, como a radiação solar, a temperatura, a disponibilidade hídrica e o déficit de pressão (DPV) do ar, entre outros. Da interação desses fatores dependem a produtividade, a qualidade e a maior ou menor facilidade da colheita.
As inflorescências do café arábica são formadas nas axilas das folhas dos ramos laterais (plagiotrópicos) formados na estação de crescimento anterior (no caso do canéfora, também nos ramos formados na estação atual). As axilas das folhas possuem até 6 gemas ordenadas numa série linear, ou seja, 12 gemas/nó. Os nós em geral produzem de 6 a 8 gemas floríferas, se desenvolvendo normalmente apenas uma por vez, permanecendo as demais gemas seriadas dormentes, em número de 4 a 6, como reserva para futuras ramificações laterais secundárias ou terciárias, fundamentais para a renovação da planta, seja após secas-de-ponteiros ou podas, como o esqueletamento.
As gemas floríferas podem se desenvolver em inflorescências contendo até 4 flores, e a este conjunto denomina-se "glomérulo" (figura). Assim, a quantidade de flores depende estreitamente do número de nós dos ramos laterais, primários ou de ordem superior, formado na estação de crescimento anterior (cerca de setembro a maio).
É por isso que se diz que a arte de produzir café é a arte de fazer folhas na maior taxa possível, evitando-se que elas caiam durante a próxima fase de floração e frutificação. Portanto, o número máximo de flores que se encontra em cada nó raramente passa de 48, mesmo admitindo-se que as 6 gemas seriadas de cada axila foliar se transformem em inflorescências e que o vingamento das flores seja de 100%.
Entretanto, o cafeeiro é "sábio" e, nas condições de cultivo, muitas flores e frutos caem, ficando o pegamento final de frutos entre 35% e 60%. Nos cafeeiros saudáveis, quando a florada é abundante, se o pegamento for muito elevado e o clima não for o mais adequado, se estabelece uma situação de "supercarga", e o manejo da cultura tem que ser muito rigoroso para se evitar morte acentuada de raízes, seca-de-ramos, ou mesmo a morte da planta.
A iniciação de flores, que culmina com a formação de primórdios florais claramente reconhecíveis, mas somente ao microscópio, é precedida de reações bioquímicas da indução do estado florífero, que resultam na produção da gema seriada irreversivelmente comprometida com a formação da inflorescência (evocação). A gema, que antes poderia formar tanto uma ramificação vegetativa como uma flor, "tomou uma decisão: serei uma flor!"
O mecanismo bioquímico-fisiológico envolvido nessa transformação é ainda completamente desconhecido. No estudo da floração do cafeeiro tem-se adotado o critério da observação visual, que identifica o botão floral já em diferenciação avançada, normalmente no estádio de dormência (julho a setembro) (figura, E 4) e, portanto, com a fase de iniciação completa há meses, pois ela provavelmente começa no Brasil em janeiro/fevereiro.
Assim, sabe-se pouquíssimo sobre a influência de fatores como luz, fotoperíodo, temperatura, água e DPV da atmosfera na fase de iniciação floral. Aparentemente, temperaturas amenas (24ºC dia / 19ºC noite) estimulam a iniciação floral. Entretanto, o principal período de iniciação no sudeste brasileiro compreende boa parte do verão, quando as temperaturas são máximas e podem deixar "marcas" nos botões florais, que vão se expressar meses depois, durante a antese. Assim, é provável que muitos problemas que surgem durante a abertura da flor não sejam decorrentes de condições adversas durante a dormência dos botões e a posterior reativação do crescimento, como se acredita popularmente, mas tenham sua origem na iniciação.
A função reguladora de hormônios no processo é ainda um tema em aberto. Mas existem algumas observações circunstanciais que sugerem que as giberelinas o inibem. Acredita-se, por exemplo, que plantas que crescem em lugares mais sombreados produzam mais giberelinas e, portanto, formem menos flores. As citocininas, até onde a pesquisa tem indicado, não influenciam. Por enquanto, o cafeicultor nada pode fazer, até que a pesquisa indique novos caminhos. Mas algumas dicas podem ser úteis: evitar plantios extremamente adensados, a não ser que se proponha realizar podas adequadas; não arborizar a lavoura além de limites apropriados; em locais soalheiros, ter preocupação com as doses altas de nitrogênio, especialmente nas altitudes muito elevadas, frias e com altas precipitações pluviais.
Ainda que se conheça um pouco da morfogênese das estruturas florais, nada se sabe de concreto sobre a influência dos fatores ambientais na diferenciação, especialmente no café canéfora (no Brasil, conilon). A formação dos componentes da flor a partir dos meristemas recém iniciados, dá-se de modo contínuo por um período de cerca de dois meses, até o botão atingir o tamanho de 4 a 5 mm, quando , então, ocorre uma pausa no crescimento, de duração variável, a dormência. Nesta fase, a conexão vascular entre a inflorescência e o ramo resume-se quase que exclusivamente ao floema pouco desenvolvido, sendo pouquíssimos os vasos do xilema e de diâmetros muito reduzidos.
Normalmente, nas condições de campo, a dormência (figura, E 4), coincide, no sudeste brasileiro, com a estação seca e fria e, também, com grande redução do crescimento vegetativo. Ela é uma fase em que o botão alcança a maturidade morfológica, com o desenvolvimento pleno das células-mãe dos micrósporos (grãos de pólen), e está agora sensível ao déficit hídrico. Há evidências de que a dormência é o resultado de um balanço desfavorável entre hormônios promotores (giberelinas e citocininas) e inibidores (tipo ácido abscísico) do crescimento no botão floral, mas pouco se sabe a respeito.
Em condições experimentais, nos cafeeiros mantidos sob irrigação constante e abundante, verificou-se que os botões florais entravam em dormência permanente, sendo necessário um período prévio de deficiência hídrica mínima para que houvesse a florada, quando eles recebiam água novamente. Concluiu-se que um déficit hídrico é necessário para quebrar a dormência verdadeira dos botões, que permaneceriam então quiescentes até a "chuva de florada", ou queda muito brusca de temperatura. O número e o lúmen dos vasos do xilema no pedicelo aumentam, porém, significativamente, em poucas horas, com a retomada do crescimento dos botões, após a chuva de florada, caso tenham passados por um período de tensão hídrica suficiente. É importante ter em mente que déficits de água suficientes para quebrar a dormência do botão podem se desenvolver mesmo em cafeeiros irrigados, estando o tempo ensolarado e com alto DPV, como acontece nos solos mais arenosos e de climas mais quentes no inverno de algumas regiões produtoras.
Do ponto de vista prático, maior ou menor período de dormência faz com que botões iniciados em diferentes ocasiões (de janeiro a julho) possam alcançar o mesmo grau de desenvolvimento (maduros), ao final de certo tempo, e com isso estabelecer a concentração das floradas do café. Obviamente, a concentração de frutos cerejas na colheita depende da concentração tanto da iniciação floral quanto da antese.
Nas condições naturais, os botões florais maduros (figura, E 4) que entraram em dormência durante um período de seca, tão logo ocorra uma chuva de valor mínimo, ou uma queda muito brusca de temperatura, reiniciam imediatamente seu crescimento, levando à antese. Chuva e queda brusca de temperatura estão geralmente associadas, nas regiões subtropicais, e o sinal externo primário, desencadeador da antese, pode ser tanto água quanto temperatura baixa, ou uma interação dos dois. Em condições de lavoura, observam-se com freqüência floradas intensas após um período prolongado de seca pela queda abrupta da temperatura noturna, mesmo na ausência de chuva ou irrigação. Qualquer processo que forneça água às plantas, depois da seca, leva à floração.
Entre eles, inclui-se irrigação por gotejamento ou por aspersão e mesmo a imersão em água de ramos cortados. Mas nada é tão eficiente como uma boa chuva, que além de promover sensível queda da temperatura, também diminui o DPV do ar abaixo de um valor crítico por tempo prolongado, no interior do cafezal. São muito fragmentários os conhecimentos atuais sobre a participação dos hormônios na floração do cafeeiro, o que é uma pena, pois sem dúvida eles são os componentes mais importantes do processo. Tentativas para liberar a dormência dos botões florais de café com vários reguladores do crescimento foram mal sucedidas. Há que se ponderar, também, que essas substâncias de natureza hormonal são ainda muito caras e erros na dosagem, de algumas "partes por milhão", e no tempo de aplicação podem causar danos irreparáveis à floração e mesmo ao cafeeiro.
Diversos fatores têm sido associados com anomalias florais que podem reduzir o vingamento da flor e o pegamento do fruto, dependendo do tipo ou do grau de atrofia da flor. Foi relatada grande quantidade de flores anormais em plantas mantidas sob temperaturas relativamente altas, principalmente durante a fase de diferenciação das partes florais. Mas outras condições ambientais também predispõem à formação dessas anormalidades, tais como deficiência e/ou excesso de chuvas. Desde que alguns cultivares de café apresentam maior incidência de anomalias florais que outros, o fenômeno parece ter certo grau de controle genético, que sem dúvida interage com condições ambientais.
É freqüente observar-se, nas condições de campo, plantas que sempre formaram flores normais produzirem mais de 95% de flores anormais, num determinado ano, ao lado de plantas com mais de 90 % de flores normais. A expressão "flor anormal", aqui utilizada, não indica apenas um tipo de flor, mas diversos graus de deformações, desde aquelas mais graves, que permitem apenas cerca de 20% de pegamento de frutos, até aquelas menos drásticas, com pegamento próximo das flores normais.
É importante informar que o que se costuma chamar de "estrelinha", caso extremo de atrofia da flor, que permanece verde, intumescida e sem as partes florais definidas, jamais produzirão fruto. Felizmente esses casos extremos são raros. Enfim, as causas das anomalias florais são ainda meras conjecturas e pouco pode ser feito nas condições de campo para saná-las, a não ser evitar as áreas marginais para o cultivo do café e escolher o cultivar mais apropriado.
A floração em diferentes épocas, de agosto a novembro, ou mesmo janeiro, como tem ocorrido nos últimos anos, é freqüente na maioria das regiões produtoras do Brasil, com grandes problemas para a colheita, a produtividade e a qualidade. Essa situação deverá persistir e mesmo aumentar com as mudanças climáticas tão notórias hoje em dia, especialmente no regime hídrico e as oscilações de temperatura. A razão é simples. Há uma ordem cronológica na formação dos nós e das gemas seriadas dentro de cada nó, cuja reação fisiológica é fortemente influenciada pelo ambiente, em interação com o genótipo. A não ser nas regiões onde há pequena variação térmica, e com exigência absoluta de irrigação, como por exemplo em Barreiras, BA, o cafeicultor pode fazer pouco, ou nada, para evitar a floração em diferentes épocas.
Este é o caso do sudeste brasileiro, onde ocorrem chuvas esporádicas, entremeadas com períodos secos, durante a formação dos botões florais no outono e início do inverno (maio a agosto). Mas, por outro lado, a floração concentrada, em uma ou duas etapas, que resulta em enchimento de grãos (granação) e maturação de frutos concentrados, pode representar elevados riscos ao cafeeiro nos anos de grande produção (carga), principalmente nas regiões edafo-climáticas marginais e quando o manejo da lavoura é inadequado.
Isto porque a granação é a fase que mais desgasta o cafeeiro, com grande demanda por carboidratos. Somente cultivares especiais, com a fisiologia próxima da ideal (e.g. nutrição mineral balanceada, elevadas fotossíntese e partição de assimilados, área de folhas abundante e saudável, raízes bem formadas e ativas) e onde são adequados os fatores do ambiente (e.g. luminosidade, temperatura, disponibilidade hídrica, vento e solo) poderão sobreviver bem, com pequena seca-de-ponteiros e altas produtividades, por muitos anos. Caso essas condições não sejam satisfeitas, a carga energética do cafeeiro fica muito baixa, e, mesmo não ocorrendo seca-de-ponteiros, a planta sofre em demasia, podendo apresentar floradas completamente insatisfatórias e irregulares de agosto até dezembro, especialmente se o ano corrente foi de temperaturas muito altas e de seca prolongada.
Vamos agora analisar a "frustração da florada de 2006", fenômeno que tem deixado a maioria dos cafeicultores a ver navios nas principais regiões produtoras do Brasil, inclusive eu. Aliás, vou chover no molhado, pois já tenho escrito exaustiva e "profeticamente" sobre o assunto, desde 1996, em vários artigos. Durante a seca de três anos nesta virada de século, afirmei que os cafeeiros com mais de 4 anos ficariam "marcados" para sempre, e que os mais jovens poderiam "até esquecer" seus efeitos perniciosos. Por quê?
Durante secas prolongadas, o sistema radicular, já definitivo em estrutura, começa a morrer de baixo para cima e sua recuperação é cada vez menor em profundidade. As plantas podem até recuperar plenamente as partes aéreas, dando a sensação de que tudo está solucionado, mas passam a ser de alimentação de superfície e muito sensíveis a quaisquer condições desfavoráveis de clima, como seca e temperaturas extremas, especialmente se o ano for de carga média a alta. Somente as plantas jovens e as recepadas de segunda e, às vezes, terceira produções podem escapar ao desastre, porque o tamanho do sistema radicular é ainda compatível com o tamanho da parte aérea e a carga, tanto na absorção de minerais quanto na absorção de água. Não se deve esquecer, também, que raízes saudáveis são fontes de hormônios e outros compostos orgânicos imprescindíveis ao bom funcionamento da parte aérea (e.g., fotossíntese, floração etc.) O que se tem em 2006?
Plantas "marcadas", que estavam saindo de um ano de alta carga, e que foram submetidas à pelo menos dois fortes veranicos, entre janeiro e fevereiro, seguidos de poucas e mal distribuídas chuvas até setembro. Foi um ano maravilhoso para se colher café, não é verdade? Entretanto, o fator preponderante do desastre não foi o déficit hídrico; ele ajudou muito, é bem verdade! Mas, o vilão foi a temperatura.
Pelo menos em Viçosa, foi registrada a temperatura mais alta dos últimos 50 anos. Disto pode-se deduzir pelo menos dois componentes implicados no fracasso das floradas, se considerarmos as ilações teóricas apresentadas anteriormente.
Primeiramente, o processo de floração do café começa em janeiro/fevereiro no Brasil. Foi exatamente nesse período que as temperaturas muito altas, ou o que é ainda mais grave, as oscilações entre temperaturas diurna/noturna, afetaram a "tomada de decisão" das gemas seriadas (iniciação foral). O déficit hídrico também teve, sem dúvida, influência nesse processo, mas não a principal.
Em segundo lugar, somente a partir de março/abril a falta d´água passou a ter papel preponderante, junto à temperatura, no crescimento e desenvolvimento da gema/botão floral. Seja por sua ação direta nos eventos metabólicos aí desenvolvidos, inclusive o hormonal, seja reduzindo a fotossíntese e, obviamente, a produção de açúcares. A associação com a granação e a maturação dos frutos de uma carga de média a grande, resultou no esvaziamento energético da planta, faltando carboidratos até mesmo para o crescimento normal dos botões e a abertura da flor.
Esse quadro deverá se ampliar nos próximos anos, repetindo-se sempre após a trienalidade dessas lavouras "marcadas", pois o clima tende a ficar cada vez mais inóspito, especialmente para as plantas tipo-C3, como o café. O futuro a Deus pertence, mas, como já disse, há mais de dez anos, penso que o café vai voltar a subir as montanhas da Serra do Mar nas próximas décadas!