Por Bruno Varella
A eclosão de um escândalo contábil não chega a ser uma novidade. Hoje a imprensa discute o caso das Lojas Americanas, mas basta uma rápida pesquisa para percebermos que problemas semelhantes afetaram diversas empresas nos últimos trinta anos. Tampouco podemos culpar a cultura ou as instituições do Brasil pela debacle: casos de fraude contábil são encontrados em nações desenvolvidas como os Estados Unidos, o Japão, ou os países da Europa Ocidental.
O que explicaria a recorrência de escândalos? Embora seja impossível apontar um único motivo, precisamos refletir sobre o quanto a pressão por resultados no curto prazo contribui para a erosão moral.
Vivemos tempos em que as atenções geralmente recaem sobre o resultado. O executivo admirado pelo mercado é aquele que entrega os maiores lucros, esse número “mágico” que parece resumir todo o resto. Pode-se até falar de responsabilidade social, sustentabilidade ambiental, mas sempre enfatizando que tais políticas são boas para o bolso dos acionistas. Mesmo a ênfase no desenvolvimento de mecanismos de governança corporativa costuma vir acompanhada de explicações que sublinham o potencial de atração de investidores.
No entanto, temos pouco controle sobre o resultado. Ou, ao menos, um controle menor do que a nossa cultura de celebridades parece sugerir. É bem verdade, o executivo “acima da média” influenciará as rotinas e políticas na rotina da organização. Isso não significa, porém, que possa determinar de forma mágica os lucros amealhados ao final do período contábil.
Afinal, o resultado depende não apenas daquilo que uma empresa faz, mas também das decisões de burocratas, concorrentes, consumidores, fornecedores e outros grupos de interesse. Depende também do acaso. Por isso, mesmo o mais talentoso executivo deverá trazer más notícias de vez em quando.
O que fazer, então, quando as notícias são ruins? Em uma sociedade caracterizada por uma crescente pressão por resultados, a mentira passa a ser uma saída frequente. E isso geralmente significa o desmonte dos sistemas de governança corporativa. Em outras palavras, quando um executivo não tem nada de positivo para mostrar ao público, é grande a tentação de afrouxar o monitoramento para “fabricar” uma boa notícia.
A lógica vale não apenas para os mecanismos de governança no interior na empresa, mas também para a relação entre organizações. Escândalos contábeis ocorrem, entre outros fatores, porque uma auditoria não fez o que dela se esperava. Entretanto, os auditores também são pressionados a entregar boas notícias. De fato, se a entrega de uma má notícia pode significar a perda do cliente, isso significa um sinal de fracasso sob a lógica prevalecente no mundo corporativo. Temos aí mais uma fonte de incentivo para a mentira.
Um sistema de governança robusto é aquele que resiste mesmo que notícias ruins tenham que ser entregues. Um problema fundamental em nossa sociedade é não toleramos as más notícias. Em resposta, executivos muitas vezes preferem desmontar as regras e criar uma realidade paralela – algo que, no limite, significa transferir o prejuízo a outras pessoas – do que revelar os números reais. Se adotam tais práticas, é porque seus empregos e prestígio pessoal dependem da boa vontade de acionistas impacientes.
Já o grande público busca alternativas para tentar reduzir a sensação de insegurança. Não é uma coincidência que vivamos tempos de admiração desmesurada por líderes com atributos quase míticos. Acreditar que um determinado empreendedor sempre acerta é uma forma de relativizar a precariedade dos sistemas de governança corporativa. Afinal, se o Elon Musk sempre tem razão, ele nunca trará más notícias – e, portanto, quem se importa com um Conselho de Administração ou auditorias?
Deveríamos nos importar.