Luiz Marcos Suplicy Hafers deixou importantes marcas na história do café no Brasil. O santista faleceu nesta quinta-feira (4/8) e será velado nesta sexta-feira (5/8), na cidade de São Paulo, onde morava atualmente. A trajetória de Hafers na cultura aponta para a de um entusiasta. Ele foi presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB) de 1996 a 2002, nasceu em Santos e era de uma família tradicional por fazer negócios envolvendo café desde 1840, período considerado a "era de ouro" da cultura. Sua primeira fazenda foi comprada em 1962, quando tinha 26 anos, no município de Ribeirão Claro, Norte Pioneiro do Paraná.
O cafeicultor foi presidente da APAC - Associação Paranaense de Cafeicultores e fundador da instituição gestora do Museu do Café e do Museu da Imigração, em Santos (SP). O velório ocorrerá amanhã, dia 5 de Agosto, a partir das 7hrs, no Funeral Home, localizado a Rua São Carlos do Pinhal, 376, na Bela Vista, em São Paulo. A partir das 14hrs, o corpo será levado ao Crematório da Vila Alpina, na Vila Prudente, região Leste da capital paulista.
Norte Pioneiro
Hafers criava gado no oeste baiano, onde atuava desde 1989 e participou de grandes reflorestamentos nos anos 70. Mas foi no café que ele se tornou pioneiro no sistema de plantio adensado e referência na região produtora do Norte Pioneiro do Paraná.
Ainda em 2007, a jornalista e diretora de Conteúdo da Café Editora, Mariana Proença, foi até a propriedade de Hafers. Para rememorar a trajetória do cafeicultor, resgatamos a entrevista feita em sua Fazenda Jamaica, no Norte Pioneiro do Paraná:
Fomos ao Norte do Paraná conhecer a propriedade de Luiz Suplicy Hafers, que chega à 46ª safra reunindo tradição familiar e modernidade
Logo na chegada da cidade os altos e baixos do terreno de Ribeirão Claro dão a pista de que ali se produz café. Encravado em uma região montanhosa do Norte do Paraná e fazendo divisa com São Paulo, o pequeno município foi palco de importantes momentos da história do cultivo da planta. Próximo à entrada da cidade avista-se a ponte Alves Lima sobre o Rio Paranapanema. Construída em 1918 com o intuito de escoar rapidamente a produção de café, tornou-se ponto turístico e patrimônio histórico.
Fazenda Jamaica // Foto: Manoel Marques / Café Editora
O caminho do café era longo. Depois de passar pela ponte, chegava à Estrada de Ferro Sorocabana e, dali, seguia para o Porto de Santos, distante mais de 400 quilômetros. Na década de 1920, Ribeirão Claro chegou a ter 25 mil habitantes, contra os cerca de 8 mil atuais. Fundada em 1908, reunia povoados formados em sua maioria por italianos. Típico município do interior, abriga uma praça, uma igreja e ainda preserva algumas ruas de pedra, casas de colonos e comércios bem regionais.
UM SÉCULO NO PARANÁ
Não muito longe do portal de Ribeirão Claro trabalhadores indicam o caminho por uma estreita estrada de terra em direção à Fazenda Jamaica. Conhecida na região, a propriedade, antes usada na engorda de porco para a fabricação de banha, começou a produzir café no início do século XX. Logo na entrada, um grande jardim verde dá destaque à sede, no centro do terreno. A casa data do final do século XIX, quando ainda não tinha água encanada nem luz elétrica. Uma pequena capela, ao fundo, denota ao local um ar bucólico.
Ao chegar à casa, somos recebidos por Luiz Suplicy Hafers, que adquiriu a fazenda em 1962. “Quando comprei, já tinha este nome. Eu suspeito de que, na época, algumas sementes devam ter vindo da Jamaica.” O interesse da família de Hafers pela região começou com o avô, Luiz Suplicy, em 1908, data de fundação de Ribeirão Claro. Suplicy adquiriu a Fazenda Monte Bello – hoje pertencente a um primo de Hafers –, que na década de 1910 produzia uma média de 5 mil sacas ao ano. Atualmente, toda a grande estrutura da Monte Bello, montada com secadores, terreiro e até uma escola, não é mais usada, mas guarda as histórias do lugar.
TRADIÇÃO NÃO ATRAPALHA AVANÇOS
Conversar com Hafers é viajar no tempo e nas histórias do café. Aos 71 anos, o cafeicultor está na 46ª safra. A família, de geração longa, como ele gosta de lembrar (“minha avó viveu até os 108 anos”), é tradicional produtora de café. Mas apesar das antigas construções, as ideias soam novas. Na conversa surgem histórias de muitas realizações, modernas iniciativas e ainda mudanças que ele testa para melhorar a quantidade e a qualidade do café produzido na Fazenda Jamaica.
“A modernidade não pode ser atrapalhada pela tradição. Quando alguém diz ‘meu avô fazia’, esquece. Ele foi um colosso, mas no tempo dele. Você tem que respeitar, mas não ser prisioneiro.” Para colocar em prática essa filosofia, o cafeicultor conta com funcionários antigos, como o descendente de italianos Geraldo Salvador, atual administrador da propriedade e nascido lá. Ao todo, 18 famílias vivem no local e mais de cem funcionários trabalham no período da colheita. “O café exige muita mão-de-obra, algo em torno de 40% a 50% dos gastos de uma propriedade média, como a minha”, explica Hafers.
A REPRESA QUE ABRAÇA AS PLANTAÇÕES
Pioneiro no café adensado na região, ele mostra os cafezais já carregados com os frutos que em maio estarão prontos para a colheita. Para avistar todos os 140 hectares de plantação é necessário percorrer de carro as pequenas estradas. O proprietário conhece cada talhão – divisões da plantação –, alguns levam nomes ou lembram histórias. A diferença entre o sistema adensado e o tradicional é perceptível à medida que vamos subindo as montanhas, pois alguns cafezais são mais e outros menos espaçados. Aos poucos Geraldo vai abrindo todas as porteiras e adentramos a enorme área.
A região guarda uma bela surpresa. Em meio aos cafezais, quanto mais se sobe o morro, mais se avista uma enorme represa, a Xavantes, que abraça as plantações. Alguns barcos e lanchas circulam pelo local, muito usado pelos paranaenses como lugar de veraneio. Do alto é possível ver as árvores da Fazenda Jamaica, outro projeto que Hafers desenvolve e acredita que colabore para um melhor desempenho do cafezal: a agrofloresta. Para cada hectare plantam-se 25 árvores. “É uma sombra móvel”, explica. A arborização é feita no meio das plantações e no calor intenso torna-se também lugar de refúgio para os trabalhadores.
A conversa estende-se até a sede. Da varanda, repleta de compridos caramanchões, avistam-se o terreiro, o lavador e o descascador, tudo pronto para a próxima safra, que o proprietário acredita que venha carregada de novos frutos e a um preço maior para o produtor. Hafers lembra da safra recorde, em 1998, quando a fazenda produziu 8.800 sacas de café arábica. Hoje, a realidade é outra e ele chega a ter pouco menos da metade: 4.200. Mas não desanima. Gosta de afirmar que o objetivo de todos deveria ser deixar o mundo melhor do que encontrou: “Acredito que estou fazendo a minha parte”.