Muito tem se falado sobre a competitividade na cafeicultura brasileira. Sem falsa modéstia, o nosso país detém excepcionais índices agronômicos para a cultura quando comparado com os outros países produtores.
O imenso cabedal de estudos e pesquisas agronômicas, sob a coordenação da EMBRAPA no Consórcio Brasileiro de Pesquisas e Desenvolvimento do Café, é de longe o maior acervo do gênero no mundo, proporcionando aos cafeicultores brasileiros a mais fina tecnologia disponível.
Porém, a competitividade só é completa se na fase de comercialização o produtor também tiver sucesso. Não basta apenas a produtividade, como resposta à busca de menores custos de produção, mas, principalmente, que estes tenham boa qualidade global.
Na formação de preços do café, a qualidade é o elemento de maior impacto! As cotações por si demonstram isso.
Para se obter a melhor performance financeira possível na fase de comercialização, é imprescindível que, além de outros fundamentos, o produtor tenha domínio dos cuidados e manejos necessários no processo produtivo. Uma das decisões de maior relevância é aquela relacionada ao início da colheita.
Grosso modo, há um senso comum: deve-se colher quando houver o menor índice de grãos verdes. Há uma razão científica para isso: os grãos verdes e imaturos, por não terem ainda formado todos os açúcares, fazem com que a bebida fique mais áspera, adstringente e, principalmente, com amargor tipicamente desagradável, diferente do sabor amargo da cafeína. A percepção humana para o sabor amargo é da razão de 1:2.000.000!
Da mesma forma, grãos que sofrem fermentação bacteriana e produzem bebida com sabor fenólico, a chamada Bebida Rio ou Bebida Riada, também apresentam amargor, só que muito mais pungente, como fel, daí o nome fenólico, e com características ditas medicinais.
Os compostos fenólicos em geral são corrosivos devido à presença do radical fenol e virtualmente atacam as mucosas. Causam, por exemplo, um grande estrago no estômago.
Esta fermentação ocorre quando o grão já entrou em sua fase passa e por força da grande umidade relativa do ar o ataque microbiano fica facilitado. Esse risco é maior em regiões de montanha, onde o ar se mantém muito úmido mesmo no período que corresponde ao inverno brasileiro, ou em origens de clima muito seco, que torna obrigatória a irrigação, principalmente se for por aspersão, como, por exemplo, via pivô.
O sabor doce, proporcionado pelos açúcares, é percebido pelo homem a partir da razão de 1:200, que corresponde à concentração equivalente a 0,5% m/v. Portanto, um único grão que sofreu fermentação fenólica pode, comparativamente, se sobressair perante 10.000 grãos perfeitamente maduros. Semelhante analogia pode ser feita no caso dos grãos verdes e imaturos.
Obviamente que não são números absolutos, pois há fatores que podem modificar essa relação, como a concentração de cada um dos componentes. No entanto, o que gostaria de demonstrar é o impacto que os grãos com problemas podem ocasionar num lote de café.
Outro aspecto que considero fundamental é que o grão de café tem de ser compreendido como uma fruta. Ao se apreender esta lógica, fica mais fácil o entendimento dos temas ligados à qualidade da bebida. Sob a visão da Ciência dos Alimentos, a qualidade desta preciosa fruta está intimamente ligada à sua plena maturação, quando se forma a totalidade de seus açúcares, após o que se inicia sua senectude, ou seja, quando se torna passa.
Infelizmente, ao contrário do que acontece com algumas frutas, como a banana, a maturação do grão de café não se procede após seu desprendimento do ramo. Você tem de aguardar uma cor avermelhadamente cereja ou um amarelo-dourado para colher o grão, se o quiser efetivamente maduro.
Foto 1: Vermelho e amarelo
Outro ponto de grande importância é o tempo decorrido entre a retirada do grão do cafeeiro e o início do processo de secagem.
Admitindo-se que boa parte dos frutos estejam maduros, a polpa existente entre a casca e os grãos é uma solução rica em açúcares. Experimente chupar um grão maduro: é francamente doce.
Assim, caso os grãos fiquem amontoados, com restrição de ventilação e temperaturas moderadas, inicia-se, fatalmente, o processo de fermentação alcoólico-acética. A combinação de grãos maduros, falta de oxigênio e calor faz com que o café literalmente "vá para o vinagre". O ácido acético é o princípio ativo do vinagre. No jargão de mercado, tem-se a Bebida Ardida.
A percepção humana para o sabor ácido é da ordem de 1:130.000. O ácido acético possui grande volatilidade, por isso é percebido facilmente pelo olfato e, portanto, captado numa amostra assim contaminada. Neste caso, observe que basta um grão ardido de café para fazer frente a 650 perfeitamente maduros.
Num ano como este, quando se verificou o fenômeno de múltiplas floradas em todo o "Cinturão Brasileiro do Café", isto é, do Paraná à Bahia, o problema dos verdes e imaturos ganha relevância.
Foto 2: Múltiplas floradas
Qual é, então, o procedimento para a tomada de decisão do início de colheita em uma determinada lavoura?
Faça a contagem proporcional do ponto de maturação da lavoura, avaliando em termos percentuais quanto cada fase está presente, como o verde e imaturo, maduros e passas.
Será, a partir desse resultado, uma decisão puramente administrativa, que deve combinar o ponto ideal de maturação dos grãos com as necessidades financeiras de cada produtor.
No entanto, ao se ter a compreensão do impacto de cada tipo de problema, digamos, incontornável, como a existência do grão verde, pode ser feita uma projeção da performance de qualidade, inclusive do que pode ser gerado de fundo de seleção em mesas densimétricas e separadoras eletrônicas por cor.
A fermentação acética pode ser perfeitamente evitada, enquanto que o aparecimento de grãos com fermentação fenólica é passível de monitoramento.
Os grãos imaturos tornam a bebida áspera e perceptivelmente amarga, levando à Bebida Dura. Esta pode ser classificada como Limpa se não houver os defeitos capitais conhecidos como PVA - Pretos, Verdes e Ardidos. Sendo "limpa", pode se caracterizar como um padrão, em jargão de mercado "Good Cup" (Bebida Boa) ou "Fine Cup" (Bebida Fina) em função do nível de aspereza e amargor captado.
Portanto, antes de tomar a decisão de iniciar a colheita em uma determinada gleba da lavoura, tenha em mente estes conceitos:
- O café é uma fruta.
- Uma vez arrancado do cafeeiro, o grão não continua sua maturação.
- Os sabores amargo e azedo têm preponderância sobre o sabor doce.
- O menor percentual de grãos verdes minimiza parte do sabor amargo.
- Seja rápido no transporte dos grãos da lavoura ao setor de secagem para evitar fermentações indesejáveis.
Boa colheita!