Por Marcelo Fraga Moreira*
A semana passada iniciou com o risco de mais uma crise sistêmica vindo da China com a atenção voltada para a empresa Evergrande (com uma dívida de “apenas” 300 bilhões de dólares)! Com o risco do “efeito dominó” as commodities começaram a segunda-feira (20/09) em queda, com o minério de ferro voltando a negociar abaixo dos 100 US$/ton (uma baixa de aproximadamente -60% em 30 dias após o governo chinês voltar a colocar a sua “mão pesada” sobre as empresas/mercado) e o café caindo -405 pontos para 182,35 centavos de dólar por libra-peso (praticamente o low da semana de 182,00 centavos de dólar por libra-peso).
A falta das chuvas e as elevadas temperaturas nas principais regiões produtoras brasileiras continuaram a castigar as lavouras e a preocupar os produtores. A crise hídrica vem dando suporte aos preços. A semana terminou com uma valorização de 1.200 pontos, com dezembro/2021 fechando a 194,35 centavos de dólar por libra-peso!
A Conab publicou sua terceira estimativa de safra reduzindo a produção brasileira em -1,90 milhões de sacas. A produção total estimada foi atualizada para 46,90 milhões de sacas (ainda acima da previsão da Archer mas, ao nosso ver, a mais próxima da realidade). Segundo a estimativa o Brasil vai produzir 30,70 milhões de sacas do café tipo arábica e 16,10 milhões de sacas do canéfora (robusta).
Infelizmente a Conab até agora não mencionou qual foi o estoque de passagem da safra 2020/2021 para 2021/2022. Sabemos que o estoque de passagem não pode ser “zero” pois tanto as indústrias locais quanto as tradings carregam estoques/posição para cobrir suas necessidades e compromissos durante os meses iniciais da colheita.
Considerando um estoque de passagem em 8,250 milhões de sacas (aproximadamente 3 meses do consumo interno brasileiro – julho/agosto/setembro – e 1 mês de exportação) e replicando essa mesma estimativa para o estoque de passagem da safra 2021/2022 para a safra 2022/2023 o mercado vai levar um susto! Pelos números da Conab, o Brasil vai conseguir exportar apenas 23,90 milhões de sacas nos próximos 12 meses (na média apenas 1,99 milhões de sacas por mês)! E isso não tem nada a ver com falta de containers! Mas sim a falta de produto.
Considerando os números da Archer, para uma produção total em 44 milhões de sacas e as mesmas premissas acima referente estoque de passagem e consumo interno, então o Brasil deverá exportar apenas 21 milhões de sacas nos próximos 12 meses (aproximadamente 1,75 milhões de sacas por mês).
Considerando que na safra 2020/2021 o Brasil exportou 46,5 milhões de sacas e que safra 2021/2022 deverá exportar apenas 21 milhões de sacas, acreditamos que o mercado vai ter que se ajustar via preço, consumo dos estoques certificados e/ou redução no consumo através do aumento dos preços. Onde o mundo vai encontrar +25,5 milhões de sacas para suprir a demanda?
Será que o “fundos+especuladores”, a indústria nacional e as tradings finalmente acordaram? Com base no último relatório do CFTC* os “fundos+especuladores” voltaram as compras e terminaram o período comprados em 41.176 lotes (adicionando 2.552 lotes na posição). A indústria local e as tradings estão “no mercado” buscando ofertas e dando sustentação aos preços.
Dezembro/2021 conseguiu fechar a semana acima das médias móveis dos 9/17/72 dias (ao redor dos 188,00 centavos de dólar por libra-peso) e a resistência continua no topo da “Bollinger Bands” dos 50 dias em 204,90 centavos de dólar por libra-peso.
Já começou a circular no mercado “sugestões mirabolantes” onde o Brasil vai precisar importar café. Ora, nesse momento acreditamos que faz mais sentido as tradings e as cooperativas/exportadorass realizarem os famosos “spreads de origem” substituindo os compromissos de exportação já assumidos mantendo o café brasileiro em território brasileiro e honrando seus compromissos com a entrega de produto de outras origens.
Também voltaram as conversas referentes ao Brasil exportar “matéria-prima” para países produtores de café (onde esses países industrializam o café brasileiro e reexportam para os principais mercados consumidores). Infelizmente a política brasileira não incentiva as operações para exportação de commodities em produtos semi-elaborados/acabados.
Os países importadores também buscam manter suas empresas ativas e empregos locais comprando matéria prima e processando nas suas indústrias. Dessa forma, os países “parceiros” do Brasil, através das suas políticas comerciais, sobretaxam os produtos brasileiros já processados. Imaginem se o Brasil, ao invés de exportar soja em grãos voltasse a exportar farelo hi-protein/low-protein e óleo de soja? Ao invés de exportar açúcar bruto a granel do tipo VHP (very high polarization) passar a exportar apenas açúcar ensacado cristal 100/150/200 e apenas açúcar refinado-45? Com certeza, no primeiro momento os países da Europa, África, Ásia, Oriente Médio iriam tentar retaliar o Brasil. Porém, necessitam dos produtos brasileiros e não poderão “fechar” as portas para os produtos agrícolas brasileiros!
Novamente nossa visão é para o Brasil “acordar” e, no caso do café especificamente, autorizar uma “zona franca” e autorizar a instalação de indústrias para operar no sistema “draw-back” quando necessário. Acreditamos que os estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro ou São Paulo são os estados aptos para tanto pois possuem porto, logística, produção e estão próximos aos principais mercados consumidores (Minas não tem litoral – apesar de Vitória ser a praia dos e Rondônia produz apenas 15% da produção do robusta e também não tem porto, logística nem energia).
Existe previsão para as chuvas voltarem com intensidade nessa semana. Para muitos produtores, agrônomos e “chutadores de plantão”, a próxima safra 2022/2023 já está comprometida. Para a safra 2022/2023 as previsões para a produção já oscilam entre 45-60 milhões de sacas, para o canéfora a previsão continua favorável, entre 17-19 milhões de sacas. E para o arábica entre 28-41 milhões de sacas. Façam suas apostas!
Mercado interno segue muito firme com poucos negócios sendo realizados entre 1.050-1.250 R$/saca para arábica e canéfora já sendo negociado acima dos 800 R$/saca.
“Sugestões da semana”:
- Mercado Spot: Seguir vendendo apenas o necessário para pagar as contas do dia/semana, com preço mínimo 1.200 R$/saca para o arábica e 1.300/1.350 R$/saca para “cereja descascado” e 850/900 R$/saca para o canéfora (robusta).
Para a safra 2022/2023:
- Setembro/2022 – analisar a compra de proteção através da compra da opção de venda “Put”* strike +160 e vender a opção de compra “Call” strike -290,00. Essa operação terminou na sexta-feira (24/09) com um custo “flat” (garantindo um preço mínimo ao produtor ao redor de 1.050 R$/saca – já considerando o custo da operação – e um preço máximo até 1.970 R$/saca e desde que setembro/2022 feche acima dos 160 centavos de dólar por libra-peso e acima dos 290 centavos de dólar por libra-peso no dia do vencimento das opções do setembro/2022, no dia 12 de agosto de 2022).
O produtor ficará exposto ao risco, e deixará de “ganhar” caso o mercado fechar acima 290,00 centavos de dólar por libra-peso.
Ótima semana a todos!
*Marcelo Fraga Moreira atua há mais de 30 anos no mercado de commodities agrícolas e escreve este relatório sobre café semanalmente como colaborador da Archer Consulting.
_____
** “Call” = opção de Compra
** “Put” = opção de Venda
** “Compra Call-Spread” = compra e venda simultânea de 2 Opções de Compra comprando a Opção com preço de exercício mais baixo vendendo a Opção com preço de exercício mais alto);
** “Venda Call-Spread” = venda e compra simultânea 2 Opções de Compra vendendo a Opção com preço de exercício mais baixa e comprando a Opção com preço de exercício mais alto);
** “Compra Put-Spread” = compra e venda simultânea 2 Opções de Venda comprando a Opção com preço de exercício mais alto e vendendo a Opção com preço de exercício mais baixo);
** “Venda Put-Spread” = venda e compra simultânea 2 Opções de Venda vendendo a Opção com preço de exercício mais alto e comprando a Opção com preço de exercício mais baixo);
** “CFTC” = Commodity Futures Trading Commission – agência independente do governo dos Estados Unidos que regula os mercados de futuros e opções das commodities;
** “IBGE” = Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
** “Cecafé” = Conselho dos Exportadores de Café do Brasil
** “USDA” = Departamento da Agricultura dos Estados Unidos
** “OIC” = Organização Internacional do Café
** “ABIC – Associação Brasileira da Indústria de Café
As informações são da Archer Consulting .