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Um ano recheado de política

POR BRUNO VARELLA MIRANDA

GIRO DE NOTÍCIAS

EM 07/01/2019

5 MIN DE LEITURA

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Ao longo dos últimos dois anos, milhões de eleitores ao redor do mundo deram um claro recado nas urnas: chega de “política tradicional”. Ainda assim, é possível que testemunhemos um 2019 mais político do que nunca. Afinal, o que parece estar em jogo é a desconstrução da arquitetura institucional que tem sustentado – com distintos graus de êxito – o pacto social em muitas sociedades. O mesmo vale para as regras que trazem previsibilidade à convivência entre países. Evidentemente, tal tarefa de desconstrução somente será cumprida após um intenso embate político. Engana-se, porém, quem considera que o futuro será marcado pelo “fim da política”. O que estamos observando é uma transformação na forma como o poder é obtido e mantido. Perdem importância os partidos tradicionais e outras estruturas representativas, dando espaço a uma relação direta entre governantes e cidadãos. 

A princípio, a novidade parece excelente. Ora, intermediários são desnecessários se podemos encontrar novos atalhos para a comunicação. Na prática, entretanto, o que temos notado é uma absurda simplificação das mensagens, com a consequente emergência de agendas carregadas de escolhas binárias. Embora causem distorções na transmissão de preferências entre as pontas da comunicação, filtros tradicionais como partidos consolidados ou associações possuem rotinas definidas e contam com indivíduos especializados em separar o ruído de uma estratégia de longo prazo. Sem tais filtros, corremos o risco de privilegiar sempre o sensacionalismo das “soluções mágicas”. Em uma era de checagem constante do humor público via redes sociais – e considerando o alto impacto midiático de qualquer decisão binária –, é possível que cálculos de curto prazo sejam uma constante nas decisões tomadas ao longo dos próximos meses.      

O ano de 2019 promete fornecer uma série de casos interessantes para análise. O primeiro é a crise institucional nos Estados Unidos, onde Donald Trump se mostra disposto a levar adiante a sua “estratégia” até as últimas consequências. O presidente não apenas chamou para si a responsabilidade por uma paralisação parcial do governo federal – após uma espalhafatosa discussão com os líderes do Partido Democrata na Casa Branca – como passou a atacar a autoridade monetária do país. É possível que a retórica de Trump ajude a “fabricar” uma recessão em 2019, antecipando um resfriamento da economia dos Estados Unidos. A primeira grande dúvida é como o inquilino da Casa Branca reagiria ao observar o fenômeno. A segunda: de que maneira as instituições do país, consideradas um modelo de equilíbrio e solidez, responderiam a eventuais desafios impostos por Trump? Basta lembrarmos que o ano que começa será chave nas investigações sobre supostos malfeitos levados a cabo por familiares do presidente para termos uma noção da magnitude do “nó institucional” em formação.   

Um segundo caso interessante diz respeito à resposta da China aos movimentos de Trump. É bem verdade, uma “guerra comercial” com os Estados Unidos trará consequências para o crescimento econômico do país. Entretanto, seria um equívoco supor que a resposta de Beijing se baseará unicamente em um anseio de alavancar a expansão do Produto Interno Bruto (PIB) do país no curto prazo. Não podemos nos esquecer, o conflito entre China e Estados Unidos ocorre em um momento de consolidação do poder de Xi Jinping, cujo objetivo é o de permanecer no comando do gigante asiático por um longo período. Nesse sentido, vale a pena observar como a dinâmica política da China ajuda a moldar as respostas às decisões tomadas na Casa Branca. 

Ao escolher uma retórica afinada com o passado, talvez os Estados Unidos ofereçam ao governo chinês a possibilidade de assumir a liderança em uma agenda própria do século XXI: energias renováveis, infraestrutura no mundo em desenvolvimento, estratégias de mitigação dos efeitos da mudança climática, entre outros temas. Para tanto, serão necessárias novas instituições internacionais e a estruturação de um padrão inovador de cooperação entre as sociedades. No vácuo criado por Trump, novas formas de “fazer política” fatalmente emergirão. Resta saber se a atual orientação adotada pelo governo dos Estados Unidos se manterá no futuro.    

Em terceiro lugar, vale a pena observar como a União Europeia (UE) lida com suas contradições internas. As eleições para o Parlamento Europeu em maio podem significar a ascensão de uma maioria cética ao funcionamento atual do bloco. No segundo semestre, um novo presidente passará a comandar o Banco Central Europeu (BCE). O atual presidente, Mario Draghi, será lembrado por sua polêmica política de estímulos. Segundo os defensores, a decisão de irrigar a economia europeia com trilhões de euros salvou o continente de uma depressão econômica com consequências imprevisíveis. Para os críticos, Draghi ajudou a esconder a raiz do problema, aprofundando o alto endividamento de empresas e governos. Qual UE emergirá dessas decisões? Trata-se de uma pergunta de difícil resposta. 

Ao mesmo tempo, a data limite para as negociações de um Brexit amigável se aproxima rapidamente. Analistas estimam que a falta de um acordo pode levar o Reino Unido a sofrer a pior recessão desde 1945. Da mesma forma, os efeitos negativos de um Brexit podem estimular a Escócia a exigir um segundo referendo de independência e dinamitar as bases do acordo de paz na Irlanda do Norte. Em resumo, os tempos são de instabilidade para o Reino Unido – assim como o são para a França, que lida com protestos que vêm erodindo a habilidade de Emmanuel Macron de implementar sua agenda de reformas. Na Alemanha, Angela Merkel caminha para o fim de sua administração... Enfim, as discussões políticas dominarão o cenário europeu em 2019. 

No Brasil, chegará o momento de decifrar como o fenômeno que elegeu Jair Bolsonaro se traduzirá em ações concretas. No curto prazo, a política externa será o principal fator a observar: medidas como a transferência da embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém ou a saída do Acordo de Paris sobre Mudança Climática podem afetar a nossa reputação. Leia-se, influenciarão nossa habilidade de vender ideias e produtos ao exterior. Por outro lado, são iniciativas de rápido anúncio, podendo fornecer alguma distração diante de dificuldades em agendas mais áridas. No âmbito interno, existe uma probabilidade considerável de que a economia volte a crescer. Se tal retomada significará um suspiro momentâneo ou o reflexo do começo de transformações mais profundas, o futuro dirá. Ou, melhor dizendo, as frágeis relações entre os três poderes da República – e as pressões de grupos de interesse – determinarão.

Um feliz 2019!
 

BRUNO VARELLA MIRANDA

Professor Assistente do Insper e Doutor em Economia Aplicada pela Universidade de Missouri

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