Mundo novo, catuaí, catiguá, topázio, icatú, caturra, obatã, bourbon e o tal caparaó amarelo. Os mais diversos grãos que vem destas variedades são embalados como recém-nascidos, e balançam de um lado para outro em caixas, secando no Alto Caparaó. De um jeito diferente do que nossos olhos estão acostumados a ver, mais dinâmico também, o sistema de secagem foi criado por quem mais conhece os detalhes dessa produção: o cafeicultor Jhone Lacerda, que cultiva junto ao seu pai Tarcísio Lacerda.
A engenhoca de seca tem capacidade para até 30 mil litros, mas trabalha em quantidades pequenas especialmente separadas // Foto: Bruno Lavorato / Café Editora
Secar os grãos em uma região tão úmida é o desafio do alto dos 1.400 m de altitude. “Nossa colheita é do final de julho até dezembro, aqui amadurece mais tarde”. Aproveitando o clima, a família tem feito colheita seletiva em talhões a partir de 1050 metros e, para chegar aos frutos únicos o lado inventivo do produtor aflorou. No Sítio, ele recebeu a jornalista e diretora de Conteúdo da Café Editora, Mariana Proença, e explicou como funciona o secador de microlotes:
Ali, em madeira reflorestada da propriedade, os cafés são separados e pouco a pouco veem evaporar sua umidade em um equipamento que tem capacidade total para secar 30 mil litros. O volume é trabalhado em pequenas quantias, nas divisórias que funcionam como esse grande berçário para os grãos que se separam pelas características, com controle de temperatura e pressão de ar, além de constante vigilância dos produtores.
Esteira abaixo
Grãos bem acomodados, restou ainda a predileção entre os que mais se encaixariam no quesito ‘especiais’. E como aprimorar este processo já feito por mãos habilidosas dentro da própria fazenda? “Colocamos o café beneficiado, o pessoal vai escolhendo e tem um motor que faz a esteira girar”. A simplicidade da ideia trouxe agilidade e, segundo o produtor, permite que até seis pessoas trabalhem catando os grãos.
Ao final da esteira, cafés especiais escolhidos a dedo seguem para um futuro promissor no mercado. Dos mais remotos destinos aos mais íntimos. “A gente não vende para fora, exceto para algum parceiro. Em 2016 enviamos apenas 30 sacas para a Austrália. Buscamos sempre manter no Brasil. Quem tem que começar a tomar café bom somos nós. A gente tem que mudar isso. Estamos sendo mais vistos. Mais valorizados. O consumo ainda é muito lento, mas acho que está mudando”, reflete Jhone.
Software: a vida do café
Resolvida a questão dos primeiros dias do fruto longe de seu cafeeiro, estaria finalizada a aventura dos produtores no meio inventivo. Estaria, não fosse o complexo ciclo de vida de um café especial até chegar a uma xícara. Estaria, também, não fosse a veia criativa destes produtores no Alto Caparaó. Por isso, outras invenções vieram.
O produtor decidiu mergulhar seus grãos em tanques. Partiu para o universo da fermentação positiva. O processo ainda é raro e vai na contramão do antigo senso de que o fermentado traria defeitos. Para chegar a um padrão, eles testaram, testaram e criaram em oito tanques, de 500 e 1000 litros. “O tempo varia muito. Pode ser de 24 até 140 horas. Depende muito do grau de maturação, do talhão, da variedade, da altitude do cultivo”, revela ele, que em 2015 chegou a apenas 4,5 sacas do café-experimento.
Um nanolote que cresceu em um estirão digno de adolescência e, em 2016, atingiu 105 sacas do fermentado. “Desenvolvemos um perfil sensorial, por tentativa e erro e análise em provas”, explica Jhone que também é provador e tem a sala de cupping na propriedade. “Eliminando as variáveis o máximo possível, eu fui provando e tinha dia de fazer 30 lotes, repetindo até chegar ao padrão mais alto possível”. Assim ele que já conseguiu chegar a cafés fermentados com nota de 90 pontos, seguindo a escala da SCAA.
A meta na safra 2017 é processar até 200 sacas de café fermentado. Hoje, o produtor se guia pelo perfil de fermentação, que lhe indica cada passo a ser dado em temperatura e tempo para finalizar o produto. Mas bastava seguir um processo manual? Não, eles queriam mais. Jhone convidou um amigo programador para criar com ele um software que acompanha a vida dos grãos, que fermentam monitorados.
O equipamento consiste em termômetros espalhados dentro dos tanques, enviando as informações ao aplicativo instalado em um tablet. “Meu parceiro da área de Sistemas desenvolve a parte de tecnologia, enquanto eu entro com conhecimento do campo e todo acompanhamento e prova dos cafés. Estamos em processo de patentear”, explica o produtor.
O processo gera cafés que vem sendo cada vez mais procurados e agora são 20% dos grãos produzido no Sítio. “O lote que mandamos para a Austrália vem recebendo elogios de baristas que estão o usando em competições de lá”, conta.