Por Giuliana Bastos
Cultivar café como os nossos avós faziam não é uma tarefa lá muito ecologicamente correta. A monocultura deixava a terra cansada, a água usada na irrigação da plantação e na lavagem do grão não era reutilizada e liberava resíduos danosos na natureza e a quantidade de insumos químicos e agrotóxicos era muito grande. Mas como produzir um bom café e ao mesmo tempo deixar uma boa pegada para as gerações futuras? A Fazenda Ambiental Fortaleza (FAF) parece estar encontrando a resposta.
Localizada na região paulista da Mogiana, entre as cidades de Mococa e Tapiratiba, a fazenda existe há 160 anos, sempre produzindo café. Maria Silvia Barretto herdou o local em 2003 e, ao lado de seu marido, Marcos Croce, resolveu encampar o projeto de tocá-la, mas com um novo olhar. “Só aceito assumir a fazenda se fizermos algo orgânico”, disse Silvia para Marcos, à época trader de grandes companhias norte-americanas. O casal e seus três filhos moravam nos Estados Unidos havia muitos anos, quando surgiu essa oportunidade de voltar ao Brasil.
Daniel, Marcos e Felipe Croce, família unida na produção do café de qualidade.
Entorno valioso
Administrador pela Faculdade Getúlio Vargas, 63 anos, Marcos começou do começo. Tinha nas mãos uma fazenda de 800 hectares repletos de cafezais convencionais e uma produção de 6 mil sacas anuais, de qualidade apenas razoável. Pesquisou os arredores, visitou outros países produtores, mergulhou nesse universo. Então realizou um mapeamento de todo o terreno com a ajuda de uma equipe de engenheiros florestais. Foram encontrados 42 pontos de nascentes, árvores de mais de 80 espécies, mais de 200 tipos de aves e uma Mata Atlântica secundária e primária relativamente preservada.
Era o sinal de que ele precisava para definir qual caminho traçar. “Aqui não vou conseguir fazer grandes quantidades com a qualidade de café que desejamos. Mas, se eu construir uma história diferente, talvez mais pessoas possam desenvolver um trabalho parecido, seguindo o nosso modelo de fazenda sustentável”, explica. O primeiro passo foi diminuir a estrutura da fazenda. Reduziu radicalmente o número de equipamentos e de cafeeiros em mais de 80%. Assim, a produção passou a 600 sacas.
Os 100 hectares de cafezais são divididos em dois tipos. O orgânico ativo e o orgânico passivo. O ativo é aquele em que o cafeicultor participa de todos os momentos, da plantação da semente à adubação, poda etc. No caso da FAF, esses cafeeiros são parcialmente sombreados, e as ruas são intercaladas com árvores frutíferas, além de outros cultivos, como milho e feijão.
O cafezal orgânico passivo não é nada convencional. Caminha-se cerca de dez minutos mata adentro para encontrar um pé de café. A plantação não é daquelas “bonitonas”, de traçados geométricos e com plantas de um verde viçoso. Tudo é orgânico, ou seja, mirradinho, meio disforme, por vezes, estranho. “O que é bonito: o Jardim de Versailles ou a mãe-natureza?”, Marcos questiona. “Na Etiópia, vi pés de café com até 300 anos. Mas, para viver tanto, a planta tem de ser respeitada, não se pode exigir muito dela apenas para ficar bonita”, explica Marcos. A resposta está também nas xícaras. O café fica realmente especial, mais saudável e naturalmente doce.
Resultado também de um controle rigoroso desde o grau da doçura do fruto na árvore até a temperatura da secagem, acompanhada bem de perto em terreiros suspensos, que são utilizados também em algumas das 35 fazendas parceiras. A colheita é apenas seletiva, ou seja, fruto a fruto. “Chegamos a voltar até cinco vezes ao mesmo pé para pegar somente os frutos mais maduros”, explica. Mesmo assim, é muito menos desgastante para os “parceiros” que ajudam na tarefa, pois ela acontece na sombra, não requer escadas e o pagamento costuma ser mais abonado, já que o café especial tem valor agregado maior.
O reconhecimento desse esforço todo veio alguns anos depois que o casal começou a administrar. Em 2008, a fazenda ganhou o prêmio Sustainability Awards, da Specialty Coffee Association of America (SCAA). Atualmente, o café da FAF já é reconhecido como um dos melhores do País, sempre recebendo acima de 84 pontos, e está presente em cafeterias premiadas e restaurantes sofisticados. Além disso, 98% da produção da fazenda é vendida para torrefadoras internacionais, como TW (Dinamarca), de Tim Wendelboe, Seven Seeds (Melbourne, Austrália) e Blue Bottle (São Francisco, Estados Unidos), com sacas disputadas por vários compradores.
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*Confira a reportagem completa publicada pelo site da Revista Espresso, que inclui também a Ficha técnica da Fazenda.
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(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso [em 2012 – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Saiba como assinar).