FOTOGRAFIAS: Lucas Albin/ Café Editora
Produções em Divinolândia. Município possui, em sua grande parte, propriedades de agricultura familiar
A agricultura familiar é marcante e não se andam muitos quilômetros sem encontrar a casa seguinte, pintando com diferentes cores o mar de verde – parte cafezal, parte mata – da região. Foi com a imigração de europeus, na maioria italianos, entre o fim do século XIX e o início do século XX, que a cafeicultura no lugar começou a tomar corpo. Hoje, a cidade produz até 120 mil sacas por ano.
O clima das montanhas, mais ameno durante a noite, era ideal para o novo lar dos forasteiros e, somado ao relevo, também agradou aos cafezais, contribuindo para a maturação mais lenta dos frutos. A característica estende a colheita até agosto e, com o grande número de pequenos produtores, o processamento de café natural se tornou mais comum. Mas o ponto de virada desta história ainda estava por vir. Para que esses produtores se destacassem em um país com tradição cafeeira, no entanto, o conhecimento foi decisivo.
Descobertas coletivas
Com forte parceria com o Sindicato Rural de Divinolândia, surgiu, em 2005, a Associação dos Cafeicultores de Montanha de Divinolândia (Aprod). Unidos, os produtores enfrentaram as barreiras do mercado.
Com 52 associados, a Aprod completa dez anos de descobertas coletivas. “Hoje, a qualidade não está mais escondida. Com conhecimento, conseguimos preços mais altos para os melhores cafés”, revela Sergio Luis Riccetto, atual presidente da Associação. Entre as estratégias traçadas pela direção estão a certificação do café dos associados, como Fairtrade (selo de comércio justo que busca a sustentabilidade econômica e social para o desenvolvimento das cadeias produtivas), a organização de um concurso próprio e, por fim, a realização de um projeto de adequação ambiental.
A certificação já é uma realidade. O Concurso de Qualidade de Cafés de Divinolândia completa sua 10ª edição e o próximo passo é a busca por mais projetos voltados para o meio ambiente. O atendimento especializado ao produtor também está sendo posto em prática. Um técnico agrícola deve acompanhar o dia a dia dos cafeicultores, auxiliar na formação de uma rotina mais focada em qualidade e coletar dados da propriedade.
As metas se tornaram maiores e os produtores querem ter seu trabalho reconhecido. “A ideia é buscar a denominação de origem para o café de Divinolândia e que a venda seja feita de forma organizada, por meio da Aprod”, conta Francisco Sérgio Lange, um dos principais entusiastas da busca por uma identidade própria da região, que hoje se situa na Mogiana. Tido por muitos como louco no momento que expôs suas primeiras ideias, Lange colhe hoje os frutos da busca por uma produção mais rentável para o município.
Cafeicultor visionário
Autodidata na cultura cafeeira, Francisco Sérgio Lange, ex-engenheiro eletricista, não resistiu aos encantos da produção e se tornou referência na cidade. “Conseguir por preço no nosso produto em uma pequena associação não é fácil. Não é para amanhã”, conta sobre a trajetória na qual ele encontrou a palavra-chave que rege hoje boa parte de seus discursos: qualidade. “Ele falava em café especial em Divinolândia e os outros achavam que ele era louco. Mas, na verdade, o Sérgio é um visionário”, conta Rute Aparecida Pereira Lange, esposa do produtor, que esteve em cada visita aos compradores para anunciar o nome e o potencial da cidade como produtora de café especial.
Inquieto, Lange continua pesquisando e trazendo propostas. “Nossa meta é utilizar os cafés 84 pontos para o Fairtrade e aqueles acima disso, considerados especiais, para este mercado mais específico”, planeja, frisando que “todo mundo está produzindo lavado, mas o mercado de especiais está crescendo para o natural. Queremos visar esse diferencial”.
Todos os processos convergem para o objetivo de ver o café de Divinolândia em outro patamar nas gôndolas mundo afora. “Estamos fazendo o levantamento histórico da região. Precisamos demarcar o território e levantar as características, como a agricultura familiar e cafés certificados”.
Estrutura para qualificar
Em 2015, a mais recente aquisição da Aprod somou-se ao mantra da busca por qualidade. Inaugurado em setembro deste ano, o armazém da Associação traz em sua estrutura maquinário para fazer a classificação dos grãos por tamanho e cor de maneira tecnificada. Mas, para buscar um diferencial, a estrutura traz ainda salas para conectar processos e negociações. “Queríamos ter um armazém com outro conceito. Assim, o cliente vai negociar diretamente com o produtor”, explica Sérgio.
O foco do trabalho é o mercado externo e os produtores apostam em frutos com concentração de açúcar e boa acidez. O prédio abrigará também um laboratório de torra, em fase de construção, que receberá compradores. “É um sonho que nós desenhamos, construímos e agora vimos nascer. Com ele, a gente vai ter mais chance de ter cafés de qualidade”, ressalta Carmen Silva de Ávila da Costa, que compõe o Conselho Fiscal da Associação.
Ocupação feminina
A maioria das mulheres é ligada diretamente à produção. Colhem, desbrotam, fazem o manejo e secam. Mas, independentemente do setor, existem as que se dedicam a direção e administração das propriedades. Independente do setor, o que as une, de fato, é a busca por integração dentro da cultura a que pertencem. Carmen foi uma das primeiras a frequentar a Associação. “Eu vinha sozinha às reuniões dos homens, porque queria aprender sobre o trabalho.”
As produtoras tiveram um primeiro contato com a Aliança Internacional das Mulheres do Café (IWCA) ainda na primeira reunião do grupo, durante o Espaço Café Brasil, e se inspiraram. “Conhecemos a Josiane Cotrim, da IWCA, e ela nos visitou e entusiasmou a mulherada!”, lembra Carmen. Assim, em 2011 o Grupo das Mulheres da Aprod foi fundado oficialmente. Hoje, as reuniões gerais têm a participação de um número maior de mulheres para discutir os assuntos de interesse de todos. “Até então, a mulher era só mão de obra. Aqui, ela adquire capacitação e descobre que tem voz e poder”, analisa a produtora Marluce Zanetti Migoti, que há três anos descobriu o universo da cafeicultura e decidiu se dedicar a atividade por completo.
Por serem parte de várias gerações de cafeicultores, as mulheres já conheciam a paixão pela cultura e ocupam, agora, seu lugar de forma mais socialmente ativa. “Todos diziam que amavam o cafezal, mas ninguém sabia como cuidar”, afirma Carmen. Entre as formas de incluir a voz feminina na Associação, contam elas, o Concurso de Qualidade de Cafés de Divinolândia passou a receber o nome das produtoras nas inscrições e, dentro da Diretoria, o Conselho Fiscal é composto dessas mulheres. “Acredito que uma delas pode chegar, sim, a presidência da Aprod. Qualquer pessoa pode fazer qualquer coisa com conhecimento. Por que não?”, declara Marluce.
Doce por natureza
Tudo está em família na propriedade vencedora do X Concurso de Qualidade de Cafés de Divinolândia - Safra 2015. “Não coloco mais nada de açúcar no café”, anuncia Regiana de Souza Borges, enquanto serve as xícaras. A produtora, ao lado do marido, José Clovis Borges, e do filho Douglas Henrique Borges, é dona dos cafés naturais que venceram a premiação local e o 13º Concurso Estadual de Café de São Paulo, em 2014. No primeiro, o café recebeu características sensoriais de chocolate, floral e mel.
Para chegar a esse resultado, a colheita do Sítio Gruta São Francisco, realizada entre o final de julho e setembro, deixa a família ocupada. “Na época da ‘panha’ a gente se dedica só ao café”, diz. Regiana também toma a frente no terreiro de cimento, além de assumir a varrição e fazer desbrota quando preciso. “Sempre fiz tudo, mas com conhecimento foi depois de entrar na Associação”, conta.
Integrante do Grupo das Mulheres, ela explica que, além do curso de prova, busca novas informações sobre os processos de produção. “Temos aprendido muito. Tirar a umidade do café era uma coisa para a qual não dávamos atenção. Hoje, sabemos como preparar amostras para os compradores.”
Foi ainda nas palestras do Grupo que ela aprendeu a observar cada detalhe da lavoura, com 7 mil pés distribuídos em 3 e 4 hectares. “Aprendi que existe diferença entre os talhões e que não se deve misturar os cafés”. A propriedade tem dois terreiros e o rendimento anual é de uma média de 300 sacas, que a família busca aproveitar ao máximo. “Antes, nós vendíamos pelo preço que o comprador queria. Hoje, nós sabemos o valor, na hora de vender. Nós é que dizemos quanto tem que ser pago”, afirma.
Vale dos italianos
Cecília e Alfredo Mengali, 71 e 77 anos, respectivamente, estão completando bodas de ouro. As décadas vividas juntos foram de superação desde o início. “Quando nos casamos não tinha energia elétrica e banho era só de caneca. Eu sofri bastante”, revela Cecília, que era moça da cidade, mas hoje não troca o Sítio Laranjal por nada.
O capricho e a força de vontade da produtora roubam a cena quando a casa cheia de detalhes se aproxima. Cecília sobe e desce a propriedade ligada à dos três filhos e ainda tem fôlego para ir até a lavoura apreciar os 80 mil pés de café divididos entre a família, que resultam em uma média de mil sacas/ano.
Essa história começou ainda com os avós italianos de Alfredo, que vieram para o Brasil para a colheita. “Tudo o que meu pai conseguiu na vida foi com o café.” Com esse exemplo em casa, Alfredo começou a trabalhar aos 13 anos. “Quando comecei o café era o ouro do Brasil”, conta ele, que ainda trabalha no secador junto aos filhos, que permaneceram no bairro, carinhosamente chamado de Vale dos Italianos.
No total, o casal teve cinco filhos homens que criou com o rendimento que a cafeicultura lhe deu. “Você tem que saber escolher também”, afirma Cecília, que, ao lado de Alfredo, selecionou o produto para enviar ao concurso deste ano. “Você faz a catação e pensa que já está bom, então deixa descansar e quando volta encontra mais cafés que podem ser retirados para que fique realmente com qualidade”, analisa.
Já Maria da Graça e Luiz Bertolini moram em outro bairro, mas dividem com os Mengali a descendência italiana. O casal aposta na tecnologia para levar à frente os cuidados com a lavoura que hoje é tocada pelos filhos Marcos e Daniel. “Eu continuo nos trabalhos de secagem, mas desde que utilizo a moto para rodar o café, consegui economizar um bom tempo”, conta Maria. Já Bertolini é conhecido por outra característica marcante nas pequenas localidades: a fé. O produtor faz muitas orações na igreja próxima e na produção cafeeira não é diferente: “A boa safra que tivemos ano passado foi uma benção”, conta.
Terra própria
No meio do Bairro Mombuca, Maria de Lourdes Cunha de Oliveira e Adalto Batista de Oliveira viveram a conquista de seu primeiro sítio. O casal tem cinco filhos. Dois moram no Sítio Recanto do Sonho e auxiliam a família no dia a dia da produção.
A família decidiu guardar seus investimentos para adquirir uma terra para chamar de sua. “Quando nos mudamos, o Adalto disse que ia deixar o café de lado e comprar umas vaquinhas. Não passou nem um mês e começamos a cultivar um talhão de novo. Nunca vi amar tanto o café”, conta Lourdes.
A produtora lembra que no início da Aprod já acreditava no potencial da iniciativa. “Na primeira reunião eu não entrei, porque só havia homens. Mas o Adalto queria desistir e eu briguei com ele para comparecer”, conta ela, que participa ativamente do Grupo de Mulheres.
FICHA TÉCNICA
Fazendas visitadas Sítio Gruta São Francisco, Sítio Laranjal, Sítio São Luiz, Sítio Recanto do Sonho
Localização Divinolândia (SP)
Região Mogiana
Altitude média 1.300 metros
Colheita manual
Processamento natural
Secagem terreiro de cimento e secador mecânico
_______________________________________
Reportagem publicada na Revista Espresso – parceira do site CaféPoint
Este material jornalístico é protegido por lei. Para compartilhar este conteúdo, utilize as redes sociais abaixo, creditando a fonte.