Na última quarta-feira (29) foi a estreia do projeto “Fala Café”, uma parceria do CaféPoint e da Revista Espresso, que apresenta conteúdos e debates relevantes para ajudar na tomada de decisão dos profissionais do mercado com a atual pandemia, com transmissões ao vivo no YouTube.
Para o primeiro episódio, que conta já com mais de 900 visualizações, tivemos a presença de Marco Valério Araújo Brito, presidente da Cocatrel; Juliano Tarabal, agrônomo com especialização em Gestão do Agronegócio Café e Superintendente da Federação dos Cafeicultores do Cerrado; Enrique Alves, engenheiro agrônomo, mestre e doutor em Engenharia Agrícola pela Universidade Federal de Viçosa; Léo Custódio, técnico em Cafeicultura e Q-Grader e Supervisor de Qualidade na Agro Fonte Alta. A moderação foi da diretora de conteúdo do CaféPoint e da Espresso, Mariana Proença.
O debate foi dividido em três blocos. No primeiro os convidados comentaram sobre a pandemia; ações nas suas regiões e o que cada um pode fazer para superar e inovar neste período.
Mariana Proença: Marco Valério, recentemente você declarou que a pandemia do coronavírus mostrará que as empresas precisarão ser mais responsáveis, transparentes e conectadas com seus públicos. Como você analisa que essas atitudes podem acontecer ou já estão acontecendo no âmbito dos processos e negócios de café?
Marco Valério: Estou muito honrado em participar deste projeto, adoro o CaféPoint e a Espresso. Estamos passando por um momento muito difícil o que acelera mudanças e cada coisa deve ser feita no seu tempo. As cooperativas tem que ter uma responsabilidade redobrada com colaboradores, cooperados e muito mais atenção aos processos e cuidados. As empresas precisam se reinventar, é o momento de não demitir ninguém, preservar a cadeia e estimular as mudanças, mas não quebrar o elo, o vínculo é muito importante.
O Brasil é muito grande, temos que manter a valorização do trabalho no nosso país. A Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) tem valorizado nosso trabalho no mundo todo, não podemos perder esse espaço no mundo de um produtor ativo. O café conforta e fornece energia, que é o que mais precisamos nesta hora.
Mariana Proença: Juliano, a Região do Cerrado Mineiro é reconhecida pela boa governança e contato próximo entre os produtores. Como você avalia que a gestão positiva e o histórico de boas práticas da propriedade podem contribuir para realizar a colheita de café no Brasil em meio a pandemia?
Juliana Tarabal: A governança é um fator fundamental em qualquer negócio. Acredito que nesse momento a gente sente o quanto a gestão possibilita novas soluções e agrega uma rede de conhecimentos. Desde que começamos a enfrentar a pandemia, a Federação começou uma rede de contato com as instituições pelo Brasil, como Conselho Nacional do Café (CNC), Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), Rabobank, para termos uma visão global do mercado e trocar informações.
Temos sete cooperativas e sete associações de produtores o que facilita para disseminar informações de uma maneira estrutura, ordenada, cuidando das regiões.
Mariana Proença: Enrique, você como pesquisador da Embrapa juntamente com uma equipe incansável de profissionais vêm quebrando diversos paradigmas em relação à produção de café no estado de Rondônia, que ganhou bastante visibilidade com os Robustas Amazônicos nos últimos anos. Dentre as iniciativas, no meio da pandemia vocês têm desenvolvido orientações para os produtores, desde cartilhas até vídeos já que a colheita dessa espécie inicia normalmente em março. Como você acredita que esse desafio do coronavírus possa trazer alguma contribuição para o produtor do café robusta e conilon?
Enrique Alves: Estamos falando em boas práticas, independente do coronavírus, elas já deveriam acontecer, com a pandemia tornamos isso mais organizado. Em Rondônia, uma coisa positiva, é que aprendemos com o produtor a valorizar cada vez mais o café como produto. Temos cerca de 17 mil produtores envolvidos na produção do café, não temos a receita do bolo, porque cada região apresenta um problema. Estamos distribuindo cartilhas com boas práticas, dinâmica da cultura, como espaçamento da lavoura.
Como aqui, a maioria da produção é familiar, não há preocupação como em outras regiões com a mão de obra externa para a colheita. A maioria dos nossos produtores são do grupo de risco, já que possuem mais de 55 anos, por isso, temos que garantir uma colheita com segurança.
Mariana Proença: Léo, seu foco profissional é em qualidade de café e há uma grande dúvida no mercado se este ano teremos uma boa colheita no Brasil por conta das possíveis dificuldades de mão de obra e prazo, que influenciam diretamente no resultado. Apesar das restrições de deslocamento que afetam a chegada dos safristas, principalmente nas áreas de cafeicultura montanhosa, que orientações básicas você daria ao produtor de café que quer manter sua qualidade para que passe com menos danos nesse momento?
Léo Custódio: Uma grande preocupação é no período da colheita de trazer o pessoal de fora para o trabalho e como não perder o momento e o café cair no chão. No Sul de Minas todo mundo tem se cuidado, os produtores estão mais unidos do que nunca. Quem chega ao município fica de quarentena, para depois iniciar o trabalho. A dica é focar na qualidade, em um pós-colheita bem feito e manter a equipe unida.
O segundo bloco foi voltado para experiências práticas de gestão ou técnicas agrícolas.
Mariana Proença: Juliano, seguindo o que o Leo Custódio abordou em relação ao Sul de Minas, você acredita que no Cerrado Mineiro há alguma diferença por ser em grande parte colheita mecanizada? Os produtores terão maiores desafios nesta colheita por conta do Coronavírus? Quais seriam eles?
Juliano Tarabal: O que temos observado é que estratégias varia de região para região, cada uma com suas peculiaridades.
Temos trabalhado com alguns dados que devemos ter no Cerrado Mineiro em torno de 15 a 20% de produtores colhendo de forma manual, são lavouras de primeiro ano e com a colheita manual você danifica menos a planta, temos maquinário que adaptaram a colhedora para colher em as lavouras novas, mas 20% manual, e de pequenas áreas de declive maior, na região de Campos Altos, Santa Rosa da Serra.
Debati bastante com Enrique, pois temos decretos municipais, política do Governo Federal, Estadual, mas a decisão de como operar a colheita acontece na instância municipal e as prefeituras de forma individual tem colocado os seus decretos e orientações de como deve ser o comportamento. Nossa expectativa é aguardar os novos decretos para maio, quando efetivamente vamos começar a colher o café.
Por enquanto o movimento ainda é pequeno, nossa expectativa é que a gente comece a colher na segunda semana de maio. Alguns cafeicultores que entraram na colheita são áreas com cereja e frutos maduros e a colheita mecanizada de forma seletiva, tirando as varetas da colhedora e colhe os frutos cereja de forma mecânica para fazer qualidade, o cereja descascado é produzido nesse momento.
A mecanizada favorece porque teremos uma entrada menor de pessoas na colheita, mas ainda algumas irão necessitar da mão de obra.
O Ministério da Agricultura produziu uma cartilha que será distribuída, vários órgãos têm criado estes materiais, que são distribuídos através das cooperativas e associações e nos canais direto com os produtores. O que percebemos é que as estratégias devem ser feitas por regiões mesmo, cada uma com suas peculiaridades.
Mariana Proença: Marco, mesmo a cafeicultura com uma engrenagem bem executada no Brasil e com cada etapa da cadeia organizada e realizando seu papel: você analisa que, mesmo assim, podemos sofrer um revés que chegue a afetar a comercialização? Como vocês estão preparando os cooperados para essas transformações inesperadas que podem vir a acontecer?
Marco Valério: Hoje a maior exportadora de café é uma cooperativa. De uns tempos para cá, após 89,90, o mercado vem se reestruturando, o Cerrado tem um papel muito importante nisso.
Hoje as cooperativas são muito importantes nas exportações. O mundo todo tem grandes importadoras que compram o café, mas as cooperativas fazem um papel muito sério para ganhar mercado. Além das exportações a Cocatrel está presente no processamento, indústria, consumo, verticalizando todo o processo, isso aproxima o produtor do consumidor.
A exportação é uma cadeia muito complexa, sofisticada, financeira, muitos produtores não gostam quando a gente fala disso. Temos duas opções ou reclamar ou trabalhar para fazer o jogo correto e ganhar o mercado. Muitas cooperativas fazem isso.
O café foi o menos afetado com a pandemia, porque ele não é perecível, aumentou o consumo, série de situações, café foram comprados para atender o suprimento. É muito sensível, qualquer detalhe pode afetar, por enquanto ainda não afetou. Alguns países tiveram curvas achatadas ou no declínio, Brasil ainda está no ascendente da doença. Espero e acredito que a interrupção do fornecimento e compra não irá acontecer.
Mariana Proença: Léo, gostaria que você explicasse para quem está nos assistindo qual é hoje a estrutura da Agro Fonte Alta em números de sacas e número de colaboradores nesse período e como vocês farão essa tomada de decisão em relação à realidade da colheita do café nesta safra?
Léo Custódio: Aqui na região mais de 30% dos produtores são grupo de risco, o que aumenta ainda mais os cuidados. Achamos que a colheita iria adiantar em 30 dias, mas foi em 15 antecipados e no final da colheita irá atrasar 15 dias. Colhendo agora eles envolvem menos pessoas.
Em relação ao tamanho da região, aqui temos 3500 produtores, 90% da cidade é café. Ao falar de qualidade não é só em café especial, commodity também. Não podemos perder xícara, o inimigo do produtor é a xícara riada/rio, então se tivermos um bom trabalho, rastreando lotes, pós-colheita bem feito, não deixar um café fermentar de forma indesejada, isso é o café especial.
A nossa estratégia na empresa, como temos colheita seletiva, manual, mecanizada, semi-mecanizada, nós colhemos sete mil sacas, somos médio produtores, temos 70 colaboradores, estamos tentando manter toda a equipe, tivemos que nos preparar com as orientações para combater a pandemia, tiramos transporte coletivo, aglomeração, talhões separados, álcool gel. Nesse período os colaboradores tiraram férias, o que ajudou muito o controle. Já temos uma estrutura grande que colaborou para não termos a disseminação da doença.
Em relação ao clima começamos com um friozinho que pode travar a maturação, uma chuva daqui 20 dias pode prejudicar a qualidade, porque é o pico do cereja, vai cair muito café.
Mariana Proença: Enrique, muitas vezes tentamos encontrar somente as diferenças entre os cafés arábicas e canéforas. Mas há muitas semelhanças. Quais são as lições que podemos tirar da experiência do robusta e levar para o arábica nesse momento e vice-versa? Há perspectiva de termos uma oportunidade maior de mercado para o canéfora neste ano/safra?
Enrique Alves: Interessante porque as pessoas sempre trataram o canéfora como uma bebida neutra, ou até mesmo como um veneno. Agora se a gente analisar um arábica de 30 anos atrás, veremos a diferença dele hoje. O robusta e o conilon, no passado, eram produzidos para baratear blend, hoje temos grãos que surpreendem e muito na xícara.
Uma diferença é que o arábica traz um brilho na textura e na acidez, mas perde no corpo da bebida, ele é mais suave. O robusta, ao contrário, não brilha na doçura e na acidez, mas traz um corpo agradável. O que queremos hoje, é que ele possa ser desfrutado 100% em blends finos, por exemplo, fiz um blend 50% Gueixa e 50% robusta e ficou maravilhoso, havia o brilho e acidez gritante do Gueixa e o balanço e corpo achocolatado do robusta, um café equilibrado. Vale o teste.
Tivemos uma evolução, paramos de fazer um robusta ruim e buscamos sempre evoluir na qualidade. O Brasil ganha muito, pois poucos países podem produzir café arábica e canéfora com tanta diversidade.
O último bloco foi dedicado ao futuro pós-pandemia.
Mariana Proença: Leo, você como colunista do CaféPoint vem realizando um ótimo trabalho de orientação para os produtores. Na sua trajetória no café você busca conhecimento e capacitação desde a ponta aí na fazenda, onde iniciou ainda criança junto com a sua família, até outras áreas como prova de café, cursos de torra e você além de tudo também é barista. Dentro desse cenário incerto vimos como é importante termos propósito naquilo que realizamos e foco. O que você tira de lição desse momento e quais são as suas percepções pessoais de como viveremos nos próximos meses e até anos?
Léo Custódio: Acredito que as informações devem ser compartilhadas. Estamos aprendendo a trabalhar com o e-commerce, aumentamos nossas vendas em 18%, o que é muito bom. Por isso, precisamos nos unir e ajudar a todos. Vamos levar cada vez mais essas experiências e conversas aos produtores, trabalhar em equipe, nos dedicar e pensar no próximo. Amor ao próximo e empatia sempre.
Mariana Proença: Enrique, tive o prazer de conhecer a sua história dentro da Embrapa Rondônia. Entendo que você - especialista em arábica em Viçosa - ao aceitar o desafio de se mudar para o Norte do Brasil tenha aprendido muito sobre essa relação com o incerto. De que forma você pode usar as estratégias que você aprendeu na época para também analisar como podemos sair mais fortes e unidos no setor quando tudo isso estabilizar?
Enrique Alves: Aqui em Rondônia a gente se reinventa o tempo tudo, a ideia é essa, sair da casinha e fazer diferente. Uma corrente do bem do café, vamos valorizar o pequeno produtor, se conectar e valorizar o que é mais importante. E no final de tudo isso, vamos comemorar juntos com uma boa xícara de café!
Mariana Proença: Juliano, nesses 23 anos de café acredito que talvez essa esteja sendo a situação mais sem precedentes que você esteja vivendo na sua profissão. Temos a mesma idade então acho que posso dizer que nunca presenciamos nada parecido. Ao mesmo tempo conversamos esses dias de como foi positivo perceber que há uma vontade do setor - em todas as pontas - de se conectar cada vez mais para evitar danos tão grandes ao mercado. Quais são as lições que você tira deste já tão longo 2020 para que possamos sair mais fortalecidos, apesar das perdas de muitos empreendedores?
Juliano Tarabal: A ideia é essa um movimento coletivo para unir as pessoas, cada um tem seu espaço. Vamos ganhar força no mercado e conectar as pessoas. O mundo já mudou, pós pandemia não será mais a mesma coisa, por isso, devemos criar estratégias e desenvolver o nosso mercado interno.
Mariana Proença: Marco, deixei você por último, mas foi proposital. Gostaria muito que você comentasse dentro do seu desafio de estar há 5 anos na liderança de 6 mil cooperados na Cocatrel e de ter uma vasta experiência no mercado financeiro, além de também ser produtor de café. Dentro da sua realidade, como podemos minimizar os impactos, sejam eles para o pequeno, o médio e o grande nesse cenário que vem se desenhando de mais alguns meses? Já há aprendizados, como falamos no início, mas é possível você avaliar quais serão as oportunidades positivas que podemos vislumbrar para o mercado de café?
Marco Valério: Me sinto muito privilegiado por poder trabalhar e promover algo que amo. Nós temos uma variedade enorme de grãos e capacidade de crescimento, precisamos estimular, cada vez mais, o mercado interno. Vamos levar ao nosso consumidor cafés diferentes. Esse é o grande desafio das cooperativas e vamos fomentar isso.
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