A umidade baixa é uma das protagonistas em um trecho produtor paulista. Na região de Marília e Garça, o segundo município se destaca por possuir características que convergem para este fator: altitude média em torno de 600 metros, que condiciona temperaturas médias na faixa de 21 a 22 graus e solo arenoso.
O outro protagonista desta história? O retorno às origens. Na equação, o cansaço causado por uma vida tumultuada em um grande centro e a vontade de mudança. E no resultado, nenhuma volta ao mundo como tanto temos visto por aí. No lugar de jogar tudo para o alto e programar uma megaviagem, José Carlos de Moraes Filho, formado engenheiro civil, pegou o caminho da roça. O processo o levou de Vinhedo, na região de Campinas, ao município de Garça, distante 415 quilômetros da capital.
Foto: Lucas Albin/Agencia Ophelia / Café Editora
A ideia de retornar ao campo, onde ele guardava suas melhores lembranças da infância, começou a se concretizar há treze anos. Em Garça, José Carlos, apelidado pelos amigos de Zito, adquiriu uma propriedade com características que a destacam no cenário regional. Segundo ele, foi paixão à primeira vista. Mas a esposa, Maria Cristina Beisman de Moraes, também engenheira civil, lembra que foi preciso promover mudanças. “No início, o terreno era muito malcuidado e o Zito promoveu mutirões para pôr tudo em ordem”, diverte-se.
Técnicas modernas
O Sítio Água da Mata tem em sua lavoura o que José Carlos explica ser “uma privilegiada face ensolarada, sem vento sul”. Zito também decidiu plantar o cafezal em linhas que se curvam no sentido que vai de leste para oeste. Quem apresentou a propriedade e a região ao produtor foi Luiz Salutti, corretor de fazendas e de café, e que se tornou amigo da família. “Aqui na região de Garça temos cafeeiros com média de 20 anos de idade. A produtividade do município é de 35 sacas por hectare, em média”, afirma ele sobre a origem, hoje pouco lembrada no cenário nacional, mas que mantém algo em torno de 12 mil hectares plantados, e entre 20% e 30% das lavouras irrigadas só no município.
Com a casa organizada, veio a busca por técnicas que colaborassem para manter uma produção resistente a baixa umidade. Através de uma técnica chamada enxertia, Zito implantou uma lavoura de raiz e base do conilon, mas que mantém o tronco, a árvore e, claro, seus frutos sendo de café arábica. “A técnica torna o cafezal mais forte e traz menos perda na hora do plantio”, explica ele, que cultiva obatã, mundo novo, ouro verde e iapar.
Foto: Lucas Albin/Agencia Ophelia / Café Editora
Os cafeeiros da propriedade têm seis anos, em média, e em 2016 tiveram boa recuperação na produtividade, que no ano anterior caiu em decorrência da seca. A lavoura hoje, inclusive, é 100% irrigada e a colheita mecanizada é o carro-chefe. “Enquanto na época em que só havia colheita manual a fazenda precisava de cinquenta trabalhadores dedicados ao processo, hoje são nove pessoas na parte agrícola, contratadas durante todo o ano”, pontua Zito.
Entre as variedades, Zito explica que a obatã é mais tardia e seus frutos amadurecem, em geral, por último. A diversidade de desenvolvimento ajuda a programar a colheita e conseguir concluir praticamente tudo com o maquinário ao longo do terreno que se mantém entre 700 e 800 metros. O solo arenoso também traz alguma tranquilidade. “A umidade é baixa e por isso o café que cai no chão não apresenta, tão rápido, problemas com fermentação”, explica ele, que credita a esse fator as características de acidez média, que destacam o aroma da bebida final.
Foto: Lucas Albin/Agencia Ophelia / Café Editora
Antes de chegar à xícara, porém, muita água precisa correr. Embora os cafés da propriedade sejam naturais, na separação é o lavador que trabalha constantemente. Próximo ao maquinário, um terreiro de cimento revestido de asfalto aguarda os cafés. A camada extra ajuda a elevar a temperatura e acelera a secagem dos grãos, que são revolvidos a cada trinta minutos pelo menos por dois trabalhadores em uma moto adaptada para o processo.
O tempo necessário no terreiro varia de acordo com o clima. “Neste ano, os grãos estão secando muito rápido. Tem café que você lava, passa um dia no terreiro e no outro já vai para o secador mecânico.” Os dois equipamentos mecânicos são movidos a gás e a lenha e se revezam no trabalho final dos lotes. “Em três dias, o secador movido a gás seca até 30 mil litros de cafés”, conta Zito, explicando que, para alguns cafés cerejas, o processo consiste apenas em manter a ventilação do equipamento para uma secagem diferenciada.
Por fim, há uma tulha com quatro repartições onde os cafés descansam após a seca. “A ideia é fazer mais três silos para manter a umidade entre 11% e 12% dos grãos”, afirma Zito. Cada um dos silos hoje armazena até 500 mil litros de café.
Na busca pelo crescimento, a aposta na união entre produtores trouxe bons frutos. Com a assistência técnica de um agrônomo independente, Zito e outros cafeicultores da região se uniram para fazer a compra coletiva de adubos, assim como a venda em conjunto das sacas de café verde. “Ganhamos mais poder de barganha juntos”, pontua.
Para fazer valer os investimentos, Zito e Maria Cristina decidiram ir além, no universo da torra. Nesse ponto, não demorou para que ela se pusesse à frente da nova empreitada. “A fazenda é com ele, mas a venda do nosso café eu faço com muito gosto. Valorizo o trabalho porque a gente precisa confiar no produto e levá-lo para todo o mundo”, declara.
Mergulho na torra
Quase uma década se passou com a marca Café Aroma desde a decisão de ingressar na industrialização. “No início, a torra era terceirizada, mas decidimos trazer o processo para perto”, conta Zito. Foi então, há seis anos, que a torrefação Lugus – junção dos nomes dos dois filhos do casal, Luísa e Gustavo – começou a operar na propriedade. Hoje, 60% do café produzido no Sítio é torrado e o próprio Zito decidiu estudar a técnica, quando, em 2015, fez um curso de curva de torra com o consultor especialista em Marketing e Qualidade de Cafés Especiais, Ensei Neto.
Nesse caminho, outro emigrado da cidade grande viu na cultura cafeeira um novo potencial. Rafael Joseph, que havia trabalhado junto a Zito em uma grande empresa, também deixava a vida de escritório quando foi fisgado pelo café. Com a ideia de atuar diretamente na internet, Rafael iniciou um clube de assinaturas voltado para monodoses, o Clube das Cápsulas. Com o amigo produtor ele encontrou uma nova possibilidade para seu público-alvo. “A ideia de trazer uma marca feita pelo produtor traz muito valor para a cápsula, traz toda a história do grão para o consumidor”, explica Rafael.
Foto: Lucas Albin/Agencia Ophelia / Café Editora
Depois de muito planejamento, tem sido através de encapsulamento terceirizado que os cafés do Sítio Água da Mata entram em mais um segmento da cadeia. “Criamos a cápsula Nonna Cella inspirados na minha avó, matriarca da família, que era uma mulher extremamente forte e independente”, conta Maria Cristina.
A circulação das cápsulas no clube e no mercado começou neste ano, e a família traça planos. “Estamos seguindo as normas da certificação 4C para obter mais sustentabilidade e valorização para o café”. A propriedade busca também obter outro selo, o da UTZ – que tem auditoria agendada para março de 2017 –, e, a partir da experiência, Zito já mantém preservados 24% da propriedade com áreas de reserva ambiental e área de preservação permanente, as chamadas APP’s.
Entre todos os investimentos e ganhos com o Sítio, Zito não deixa de frisar que, quanto mais alto chegarem, melhor, mas o retorno ao campo ainda é o item número 1 para toda a empreitada.
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(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso [única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Saiba como assinar).