Chegou ao fim o estoque de café do Governo Federal. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), no último leilão de arábica realizado nesta quarta-feira, 5 de abril, vendeu todas as sacas, encerrando todo estoque governamental do grão. Segundo a Conab, os estoques de café arábica vinham sendo mantidos, pelo menos, desde outubro de 2003. A Conab informou que em mais de dez anos essa é a primeira vez que eles ficam zerados. Já o corretor Eduardo Carvalhaes vai mais longe, afirmando que “pela primeira vez em pelo menos cem anos estamos sem estoques governamentais de segurança”.
Foto: Alexia Santi/agencia ophelia / Café Editora
Para entender quais impactos esse vazio do principal país produtor e exportador do grão no mundo deve causar, o CaféPoint conversou com Eduardo Carvalhaes Jr, da tradicional corretora e exportadora Escritório Carvalhaes.
Segundo Carvalhaes, é preciso antes de tudo fazer ressalvas. “Está difícil enxergar o que vai acontecer no mercado físico nos próximos meses. A força dos fundos de investimentos com seus fundos de algoritmos e o olhar apenas de curto prazo da maioria dos operadores em Nova Iorque, deixa os fundamentos do mercado físico em segundo plano”, ponderou.
O exportador lembra diversos fatores, inclusive boatos, impactam diariamente a movimentação dos mercados de café. “Nesta época da ‘pós-verdade’ (palavra do ano em 2016, segundo o Oxford Dictionaries, departamento da universidade de Oxford responsável pela elaboração de dicionários), impressiona o que chega de informações ao mercado sem nenhum tipo de comprovação. Como a produção 2017 brasileira é de ciclo baixo e menor que nossas necessidades de consumo interno e exportação, imediatamente “compensam” esse déficit com a informação sobre uma safra maior no Vietnã, na Colômbia, com o potencial da região colombina até agora ocupada por guerrilheiros, etc... Vale tudo para segurar as cotações no curto prazo ou para elevá-las ou derrubá-las pelos minutos necessários para um operador entrar e sair rapidamente de contratos. Já o mercado físico, o cafeicultor, precisa tentar enxergar anos à frente para tomar suas decisões”.
Confira, abaixo, a entrevista completa com Eduardo Carvalhaes:
CaféPoint - Com o estoque governamental muito baixo ou até zerado, o mercado interno deve ter alguma reação no curto prazo?
Eduardo Carvalhaes - Deveria ter, significa que o maior produtor, exportador e segundo maior consumidor de café do mundo, pela primeira vez em pelo menos cem anos está sem estoques governamentais de segurança. O governo não poderá, com fez neste semestre, atender a uma emergência do mercado. Passamos a depender do clima e de preços que estimulem os produtores a aumentar a produção brasileira.
Até o momento os operadores em NY parecem não se importar com o que acontece no Brasil. Como nosso consumo interno é forte e não caiu com a crise brasileira, os preços dos diversos tipos e padrões de arábica estão muito próximos e o diferencial para os preços do conilon é pequeno.
CP - O setor produtivo de conilon afirma que ainda tem café da safra 2016. Frente à proximidade da entrada de café da nova safra de Rondônia, qual seria o movimento aconselhável para os produtores com café em estoque?
Eduardo Carvalhaes - Os produtores de conilon estão vendendo o que resta de sua safra 2016 quando encontram ofertas razoáveis. O volume dos embarques de solúvel em março vai confirmar esse movimento de venda.
CP - Se a escassez de conilon continuar no Brasil, qual deve ser o impacto nos preços internos e externos da espécie robusta?
Eduardo Carvalhaes - Se a escassez se confirmar, os preços internos devem continuar sustentados em bons patamares e ajudar na formação dos preços dos arábicas mais fracos.
CP - A Cooxupé aumentou sua participação no mercado interno, com seu arábica suprindo a falta de conilon. Se isso ocorrer novamente, qual o impacto para o mercado global?
Eduardo Carvalhaes - Será tudo uma questão de preços, de oferta e procura. Quem pagar melhor ficará com o café. A Cooxupé cresceu no mercado interno e diminuiu no externo porque nosso consumo interno, o segundo maior do mundo, pagou preços melhores. Este fato, o Brasil ser o maior comprador (o maior cliente) do café brasileiro, à frente dos EUA e Alemanha, comprando 21 milhões de sacas por ano, é que dá tanta força e estímulo ao agronegócio café no Brasil. Não é a toa que os demais países produtores querem exportar para o Brasil.
Se conseguirem, fortalecerão os cafeicultores deles e enfraquecerão os cafeicultores e a cafeicultura brasileira. O café emprega milhões de brasileiros. Temos de tomar cuidado para não transferir parte desses empregos para outros países produtores.
O tamanho de nossa cafeicultura também dá sustentação e base de trabalho para nossas indústrias de equipamentos para plantio, tratos culturais, colheita e benefício de café. Também contribui com a indústria de armazenamento e transporte, serviços de exportação e embarques. Temos um grande complexo de pesquisa, negócios, indústrias e serviços ao redor de nossa cafeicultura.