Confira abaixo a entrevista na íntegra:
MatériaPrima - A agricultura tem uma presença fortíssima na economia mineira, mas é vista como simples produtora de mercadorias anônimas e sem marca, como carnes e celulose de madeira. Ou, ainda, como vendedora de produtos tido como supérfluos, como o café. Por que isso ocorre?
Roberto Simões - Temos grande dificuldade de comunicação com a sociedade. Isso vem de um passado que ficou arraigado na memória das pessoas, vem de uma agricultura escravizadora e feita por coronéis. Enfim, essa pecha perdurou no tempo e os meios de divulgação, de um modo geral, colaboram para isso. Mas a realidade, hoje, é completamente diferente.
MP - Qual a diferença?
RS - Já não existe, sequer, uma cultura patrimonialista. Muito da agricultura moderna hoje é feito em terras arrendadas. A terra é apenas um fator de produção, ninguém se interessa em ser proprietário de grandes áreas rurais. A maior parte da produção de cana-de-açúcar, no Triângulo Mineiro, é feita por grandes destilarias, em fazendas arrendadas.
MP - Há outras diferenças?
RS - As commodities agrícolas de hoje são absurdamente diferenciadas de outrora. Não temos nenhuma vergonha de exportá-las, pois elas levam em seu bojo uma enorme quantidade de tecnologia e inovação. Praticamos uma agricultura de precisão e de baixo carbono, em projetos absolutamente adequados à realidade do mundo moderno, de conservação do ambiente. As máquinas são controladas por satélites. As análises do solo são feitas a distância e os tratores aplicam adubos localmente, atendendo às necessidades de cada pequena área da lavoura.
MP - Essa tecnologia está disponível nas fazendas mineiras?
RS - Ela é utilizada amplamente nas regiões de maior expressão agrícola do Estado, que são o Triângulo, Alto Paranaíba e uma parte do Noroeste. É utilizada, principalmente, na produçãode grãos. As máquinas são de última geração, absolutamente modernas, com cabines fechadas e dotadas de ar refrigerado, com alto conforto para o operador. Elas funcionam de modo automático. O operador do trator ou da colheitadeira senta em seu banco de couro, aperta o botão e ela segue uma programação predeterminada por computadores, com imagens retransmitidas via satélite para centros de controle, que controlam o desempenho das máquinas.
MP - Seria possível aplicar essa tecnologia, que deve ser caríssima, em pequenas propriedades?
RS - A agricultura moderna, não exatamente do tipo citado, pode ser exercitada em propriedades de todo tamanho. Existem técnicas desenvolvidas pela Embrapa para lavouras menores, com mecanização intermediária. Claro que os maiores empreendimentos terão maior rentabilidade, por uma questão de escala. Nas agriculturas menores, é necessário que as pessoas se organizem em cooperativas, para somar suas forças.
MP - Mas, a imagem de atraso da agricultura mineira decorre, em grande parte, da sua dependência de chuvas. A irrigação ainda é pequena, não é verdade?
RS - A nossa lavoura ainda depende das chuvas, em grande parte. Mas, não é diferente do que ocorre no mundo. Não dá para irrigar toda a área rural mineira, embora o uso da irrigação seja incipiente entre nós. Poderia ser muito maior, caso queiramos atender boa parte da demanda no mundo.
MP - Qual a sua expectativa para a safra que começa a ser plantada agora em setembro?
RS - Será um ano favorável, pois os agricultores semeiam de acordo com a cotação dos produtos. Os Estados Unidos e a Austrália vivem grandes períodos de estiagem. Os preços estão muito convidativos, principalmente para a soja e o milho. Os Estados Unidos chegaram a importar soja. Teremos, novamente, a maior safra de todos os tempos. Minas deverá responder por 12% da colheita nacional.
MP - Apesar dessa prosperidade, o jovem que veio para a cidade não quer voltar para o campo. Como fazer para levá-lo de volta à área rural?
RS - Esse problema não é apenas brasileiro, mas mundial. Governos, como o da França, criaram empresas estatais para gerenciar propriedades rurais abandonadas, reconstruir a infraestrutura e tentar repassá-las a eventuais interessados. O propósito é não deixá-las abandonadas. Há vários motivos para que os jovens abandonem as terras de seus pais: o trabalho no campo é extremamente penoso. Não é como nos escritórios, onde as pessoas têm ar condicionado e horário fixo par terminar a jornada.
MP - Mas, há muita gente que gosta da vida no campo, ao ar livre.
RS - Eu me referi à menor parte dos problemas. Hoje, o fazendeiro sofre grandes ameaças trabalhistas e ambientalistas. Ele não produz em paz. A sociedade urbana o vê como um vilão, e não como aquele que produz os alimentos para saciar sua fome. De qualquer forma, nas propriedades maiores e mais modernas, está havendo sucessão. Em propriedades menores, é difícil fazer renda na agricultura. Sem tecnologia, é impossível.
MP - Então, o senhor considera impossível levar os jovens de volta para o campo?
RS - O programa de empreendedorismo rural criar empresas, a partir a partir do nada, como nas cidades, é impossível. Há órgãos que oferecem treinamento para jovens, então acreditamos que existam condições para segurar quem ainda está no campo. O Serviço Nacional de Aprendizado Agrícola (Senar) oferece treinamento para 140 mil jovens em Minas, por ano. É pouco, mas é o que os nossos recursos permitem. Mas, pegar jovens que estão no trabalho urbano e levá-los de volta ao meio rural, isso não existe em nenhum lugar no mundo. Os países que tentaram, fracassaram. Só trabalha no campo quem tem vocação.
MP - O senhor disse que a propriedade da terra já não é elemento fundamental para a produção rural. A reforma agrária, com distribuição de áreas rurais, seria, então, um movimento equivocado?
RS - A reforma agrária não tem o menor sentido econômico. Sempre há alguém dizendo que a agricultura familiar é responsável por 70% da produção agrícola nacional. Não sei que agricultura é essa. Sei sim, de estudos da Fundação Getúlio Vargas, que demonstram: os assentamentos do Incra são responsáveis por menos de 1% da produção agrícola nacional. O normal são os assentados viverem de cestas básicas, oferecidas pelo próprio governo.
MP - No seu ponto de vista, a reforma agrária não contribui para o aumento da produção agrícola?
RS - A reforma agrária é o que chamo de enxugar gelo. Não há qualquer produção. Grande parte dos assentados é formada por gente das periferias das cidades, que vende suas propriedades na primeira oportunidade que aparece. É possível que a reforma agrária tenha algum objetivo social e, se isso for alcançado, é aceitável. Lamentavelmente, os assentamentos começam com falsificações de laudos e estão desmoralizados.
MP - Como o senhor vê a agricultura mineira nos próximos dez anos?
RS - O seu futuro é garantido, pois conseguimos enfrentar e vencer a agricultura
europeia, que é enormemente subsidiada. Nossa agricultura provou que não precisa de subsídios.
MP - Se a agricultura não precisa de subsídios ou ajuda, por que o senhor reivindica melhor tratamento por parte do governo?
RS - Ao longo da história, os governos mineiros acham que é feio ser agricultor. Tem governador que é agricultor, não tem outra fonte de renda senão a proveniente da terra. Mas, quando chega ao Palácio da Liberdade, desconhece o nosso esforço. Um ambientalista é mais bem tratado que um agricultor.
MP - Mas os ambientalistas se preocupam com o futuro do planeta.
RS - A sociedade brasileira nunca nos reconheceu. Exatamente ao contrário do que pensa a sociedade europeia em relação aos seus agricultores. Eles criaram um conceito denominado "multifuncionalidade" da atividade agrícola. Na verdade, é um termo inventado pela sociedade para justificar o subsídio ao seu agricultor. Eles dizem, corretamente, que o agricultor é um herói, porque ele faz a ocupação territorial do país, é responsável pela preservação da paisagem e alimenta a população. É um homem que precisa ser remunerado para que conserve o ambiente.
Vejam: na Europa, a área rural coberta por vegetação nativa é de apenas 0,3% do território. Enquanto isso, no Brasil, temos quase 60% de área coberta e somos taxados e punidos por não cumprir as regulamentações. Eles montam programa de subsídios aos agricultores, no valor de 350 bilhões de dólares, porque a agricultura toma conta da paisagem e do território nacional. Nós, que nada recebemos e tudo produzimos, somos vilões.
A matéria é da Revista Matéria Prima, divulgada na íntegra pela Equipe CaféPoint.