Ao assumir a administração da Fazenda Santa Cruz, localizada entre as cidades de Paraguaçu (MG) e de Machado (MG), Josiani Moraes aceitou um novo desafio em sua vida. “Antes de 2008, eu só costumava visitar a fazenda nos finais de semana. Depois, quando fui administrar, lembro que pedi a movimentação financeira e outras informações sobre a produção. Tudo que recebi foi apenas um caderninho com algumas anotações”, conta ela sobre a propriedade do italiano (naturalizado brasileiro) Giovanni Bragagnolo, seu marido. “Tudo aqui é mérito da Josiani: ela levantou essa fazenda”, afirma o produtor.
Josiani Moraes é responsável pela administração da Fazenda Santa Cruz, localizada entre as cidades de Paraguaçu (SP) e de Machado (MG) // Foto: Leonardo Miranda
Formada em Administração de Empresas e Direito, pós-graduada em Processo Civil, ela se transformou em uma gestora na produção de café que atua em um mundo globalizado, produzindo no Sul de Minas para atender ao mercado internacional. Uma história iniciada em meados de 2008 que permeia todo potencial empreendedor feminino no agronegócio.
Mesmo com a experiência de 15 anos atuando em uma das maiores empresas de produtos alimentícios do país, Josiane teve que sair em busca da matéria-prima básica para o sucesso em um novo ramo: conhecimento. De acordo com os registros da propriedade, antes da gestão de Josiane, a fazenda colhia, no máximo, 25 sacos de café por hectare. A colheita era 60% mecanizada e 40% manual e toda a produção só poderia atender ao mercado regional.
Foto: Leonardo Miranda
Realidade que começou a mudar quando a administradora escolheu o rumo que daria para a fazenda: voltar sua produção de café para atender a um mercado mais rentável, o externo. “Foquei meus esforços para valorizar a produção e vi que precisaria atender criteriosos requisitos para conquistar certificações de propriedades necessárias para o nosso café ser aceito no exterior”, explica Josiani, pontuando que os seus compradores só se interessam pelos produtos feitos com responsabilidade. “Lá fora, eles sabem que a qualidade final de qualquer produto depende diretamente do comprometimento de toda a cadeia produtiva com questões de segurança alimentar e preocupações socioambientais”, completa.
As mudanças estruturais implementadas na Fazenda
Para cumprir os requisitos das certificações, foi preciso implementar mudanças estruturais na Fazenda Santa Cruz. “Desde sua implantação já existia uma cultura de sustentabilidade adotada no sistema de produção. Mas houve, a partir das certificações, maior integração da direção da Fazenda com todos os funcionários, uma vez que eles além de se adequarem a novos métodos de controle, deveriam entender o princípio de cada certificação. Além de oferecer a todos maior qualificação profissional, os treinamentos se tornaram mais frequentes”, revela.
Funcionários da Fazenda trabalham no terreiro após colheita // Foto: Leonardo Miranda
Aproximadamente seis meses de trabalho da profissional bastaram para conquistar seu primeiro certificado de qualidade: o Nucoffee. No ano seguinte, houve mais um: desta vez, o UTZ. Em 2011, foi a época de garantir o Certifica Minas. Em 2013, a conquista foi dupla, pois foram dois certificados, sendo eles: 4C e BSCA – rastreabilidade e ser sócio. Em 2014, veio a maior de todas as conquistas: a certificação de propriedade Rainforest, um dos mais criteriosos certificados do ramo alimentício do planeta.
Com o trabalho, a propriedade conquistou diversas certificações // Foto: Leonardo Miranda
No que diz respeito aos direitos trabalhistas, além de cumprir as exigências da legislação, as certificações cobram e a Fazenda Santa Cruz segue com a garantia do trabalho com os equipamentos de segurança exigido, além de trabalhar com alguns benefícios especiais.
As certificações deram um bom retorno e incentivaram a sequência no trabalho. “Possuímos mais de 20% de área de preservação. Essas áreas estão distribuídas no entorno da fazenda, delimitando nossas terras ao formar um corredor ecológico. Desta forma, garantimos que a flora e a fauna da região tenham condições de sobrevivência”, argumenta a administradora.
Corredores ecológicos criam um ambiente mais saudável // Foto: Leonardo Miranda
Além disso, esses corredores ecológicos, justamente por serem necessários para um meio ambiente saudável, acarretam diretamente a redução do uso de agrotóxicos. “As áreas de preservação possibilitam uma procriação de predadores naturais para muitas das pragas do café que aterrorizam os produtores da região”, explica Josiani.
Ainda dentro do contexto da preservação ambiental, foram criados nove grandes açudes e nove poços menores para garantir o abastecimento de espécies da flora e fauna. Entre as espécies de árvores presentes na fazenda, estão: peroba, jacarandá, cabreúva, bico-de-pato, timburi, ingá, canela-do-brejo, ipê-amarelo e paineiras. Entre as espécies animais, é possível avistar uma grande variedade de pássaros, tais como: urubu-rei, canário-da-terra, tucano, entre outros. Mamíferos como o veado-mateiro, paca, capivara, jaguatirica e onça-parda também compõem esse ambiente natural.
Comercialização
Em seu tempo de atuação, Josiani praticamente triplicou a capacidade produtiva da fazenda, passando de 25 sacos por hectare, em 2008, para a média de 50 a 80 sacos de café colhidos atualmente por hectare, sendo 90% da colheita mecanizada e apenas 5% manual.
Já para a entrada no grupo de produtores de cafés de qualidade, a propriedade contratou o consultor agronômico Guy Carvalho Ribeiro Filho, que trouxe sua experiência em manejo para preparo de cafés especiais. “Para atender a clientes no mercado internacional também foi necessário nos associar na BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais) onde todo lote de café fino comercializado deve ter o selo de qualidade da mesma”, explica.
A propriedade trabalha com pelo menos quatro empresas de exportação como seus principais contatos comerciais. “A Fazenda tem contratos futuros de entregas para os principais clientes de cafés especiais que já fazem a compra antecipada para garantir o produto. Outros cafés de mercado interno são negociados diretamente entre administradora da Fazenda e compradores. Alguns cafés de consumo interno são destinados a corretores credenciados para realizar a venda”.
Para avaliar todo esse produto, a Fazenda possui seu provador oficial, além de dois funcionários e da própria Josiani que possuem cursos de Classificação e Degustação de Café. “A importância da prova dentro da fazenda fez com que em 2014 inaugurássemos uma sala de prova completa, com todos os equipamentos necessários para prova e classificação do café”, revela.
A produção, hoje, se caracteriza por 4% de café verde, 11% de varrição, 6% de escolha, 35% cereja descascado, 36% de CD2 (o boia descascado) e até 8% de micro lotes. De acordo com a empreendedora, os cafés cereja descascado, CD2 atingem, em média, 82 pontos na Tabela da SCAA e os micro lotes chegam a ficar acima de 84 pontos na Tabela da SCAA.
Assim, a empreendedora rural conquistou o reconhecimento necessário para escolher os seus próprios clientes. “Interessados em comprar não faltam!”, comenta Josiani. Essa nova realidade tem possibilitado, também, agregar mais terras à propriedade, somando 650,6 hectares hoje (sendo 150 hectares de mata nativa preservada e 392 hectares de café). A produção média anual é de 12.000 sacas de café, produto que chega a valer até 20% mais que os cafés de propriedades não certificadas.