“A fazenda é centenária. Já se criou gado, cavalo, mas a vocação mesmo sempre foi o plantio de café.” É com orgulho que o administrador e técnico agropecuário José Benedito Angelo apresenta a Fazenda Santa Izabel à nossa equipe. Localizada em Ouro Fino (MG), no Sul de Minas Gerais, a propriedade de 312 hectares passou por três fases distintas, segundo José Angelo, que há 25 anos trabalha nessa terra.
Primeiro, a produção do café aconteceu paralela à criação de gado de leite e corte. Em seguida, o empresário Marco Suplicy, dono da rede de cafeterias Suplicy Cafés Especiais, de São Paulo (SP), assumiu a propriedade e começou a estruturar o cafezal em busca de qualidade, quando produtores da região desacreditavam da estratégia. “As pessoas diziam que estávamos loucos, que iríamos perder dinheiro, mas nós sempre acreditamos que estávamos revolucionando a agricultura da região”, conta José Angelo, lembrando-se dos tempos em que ele e Marco adaptavam as ideias de melhoria na fazenda.
Cultura de base
Em 2012, a Fal Coffee, empresa baseada nos Estados Unidos, parte do gigantesco grupo saudita de investimentos Fal Holdings, adquiriu a propriedade de Marco, como estratégia de melhoria nos processos de qualidade, com controle do campo à xícara. Por meio da Nobletree, torrefação baseada no bairro de Red Hook, no Brooklyn, controlada pela Fal Coffee, os cafés produzidos nas fazendas brasileiras adquiridas – a companhia comprou também, em 2014, a Fazenda Monte Verde, de Carmo de Minas (MG) – e os grãos negociados em outras regiões produtoras mundo afora ganharam o mercado americano.
Toda a operação necessitava de um braço-direito para ajeitar a casa, estabelecer processos para melhorar pontos fundamentais na produção e implementar novos projetos que pudessem elevar a qualidade dos grãos cultivados. Foi aí que o então diretor executivo da Fal Coffee e cofundador da Nobletree, John Moore, convidou o diretor de agronegócios Byron Holcomb para tocar as propriedades no Brasil.
Biólogo, Byron tem extensa experiência com o café. A paixão pelo grão começou durante o trabalho voluntário no Corpo de Paz, em 2003, em uma comunidade produtora no distrito de Los Frios, na República Dominicana. Quando Byron deixou o Corpo de Paz, em 2005, ele se deu conta de que o café já havia transformado sua vida e, em 2007, conseguiu comprar um pedaço de terra (15 acres) na região, onde poderia praticar a atividade e ajudar a desenvolver a cafeicultura local. Ainda assim, ele sentia que faltava mais conhecimento na área e foi atrás de informação, trabalhando em grandes empresas do setor no mercado norte-americano. Ele passou pela Batdorf & Bronson Coffee Roasters, pela Counter Culture Coffee, pela Dallis Brothers Coffee, até chegar à Fal. Em maio de 2013, mudou-se para o Brasil com a esposa, Laura Holcomb, com a mesma vontade de fazer a diferença por meio do café de quando começou.
O novo prédio administrativo da fazenda, com sala de degustação, classificação e laboratório de testes de torra.
Nova fase
Com boas ideias, conhecimento e recurso alto para investimentos, a Fazenda Santa Izabel ganhou um novo capítulo em sua história. As mudanças começaram pela raiz, ou melhor, pela lavoura. Byron e José Angelo introduziram jardins de variedades para desenvolver testes de genética nos cafeeiros. “A qualidade na xícara é resultado de três pilares: genética, terroir e processamento”, explica Byron. Ao todo, a dupla instalou três jardins (um orgânico e dois convencionais) com sessenta plantas e dezesseis variedades, e estuda o resultado na bebida final.
A expansão do cafezal, hoje com 550 mil plantas, seguiu por áreas de pasto e abrigou duas áreas de plantação orgânica, exigência do grupo Fal. São 15 hectares plantados com as variedades icatu e catiguá MG2, mas planeja-se a entrada da catucaí 2SL que, segundo José Angelo, tem se mostrado uma opção interessante. “O orgânico é um jeito de pensar diferente”, comenta Byron, enquanto observa os trabalhadores durante a roçagem, fazendo o controle de braquiária na área. O manejo acontece pelo menos uma vez por mês, tamanha a intensidade de crescimento da erva. “É um outro ethos, um olhar mais holístico, temos que ter outra cabeça para cuidar do orgânico”, acrescenta.
Com 25 anos dedicados à cafeicultura e com conhecimento de sobra para compartilhar, o administrador José Angelo diz que todo dia aprende algo novo e que isso muda a maneira como ele vê o café. Também abóbora colhida por ele na horta orgânica // Foto: Lucas Albin/ Agência Ophelia/ Café Editora
Em uma fazenda de montanha, cenário comum das produções do Sul de Minas, é quase impossível a mecanização total dos processos. Entretanto, os chamados terraços instalados na lavoura, nove no total, estão mudando a cara da paisagem, ao menos na Santa Izabel. Byron explica que os terraços são patamares feitos na montanha onde o café está plantado para que um trator passe com mais facilidade, fazendo os manejos culturais. “Se você tiver seis tratos e conseguir mecanizar cinco já é um grande avanço. Você ganha melhor rendimento na safra, barateia custos e aumenta a segurança do trabalhador”, pontua. Os funcionários da fazenda, a propósito, na filosofia de Byron, são protagonistas. Para ele, a construção de uma estrutura horizontal, onde há espaço para diálogo entre os profissionais de todas as pontas, abre possibilidades para a produção de um café melhor. O prédio administrativo da fazenda, recém-inaugurado, por exemplo, dispõe de modernos equipamentos para o preparo do café. A ideia é mostrar para os funcionários – 42 fixos e sessenta na colheita – como o café que eles trabalham no campo se reflete na xícara e ouvir sua opinião. “Eu acredito que quem trabalha na fazenda tem que tomar café bom da fazenda. Dessa forma, o funcionário entende o que está fazendo, de ponta a ponta”, diz.
No novo escritório, com grandes janelas de vidro que descortinam a paisagem da propriedade, há, ainda, uma mesa de classificação, sala de degustação para negociadores e um espaço para reuniões, onde também acontecem cursos para compradores. O objetivo é mostrar quanto a fazenda influencia o café. A estrutura contempla, ainda, vestiários feminino e masculino para quem volta do trabalho na roça.
Os investimentos são vistos de fora a fora. Na área de processamento, o maquinário brasileiro mescla-se ao equipamento colombiano, unidades descascadoras que não utilizam água. A escolha se deu não só por eficiência, mas também pela questão ecológica, com o uso racional dos recursos naturais. “Nós estamos fazendo o básico.
Onde tem mato, nós estamos deixando subir, fazendo corredores biológicos. A máquina descascadora e a desmuciladora reduzem o uso da água. Temos lagoas para resíduos da água do processo. Não há retirada de mato nativo e queremos começar a construir cerca viva, mas ainda há muito mais coisas que gostaríamos de fazer. Podemos contribuir mais para o meio ambiente”, pondera Byron, buscando equilibrar biologia de ecossistema e negócios.
Pedro Zibordi Neto, responsável pela compra e degustação no armazém da Fal Café; e o maquinário colombiano para processamento do grão na Fazenda Santa Izabel.
(Texto originalmente publicado na edição impressa da Revista Espresso – única publicação brasileira especializada em café. Receba em casa. Para saber como assinar, clique aqui).
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*Confira a reportagem completa publicada pelo site da Revista Espresso, que inclui também a Ficha técnica da propriedade.
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