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Qual a cor do problema?

WAGNER PIMENTEL

EM 25/02/2010

18 MIN DE LEITURA

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Qual a cor do problema?

Maria Sylvia Macchione Saes
Professora do Departamento de Administração da USP e pesquisadora do PENSA

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Bruno Varella Miranda
Bacharel em Relações Internacionais pela USP e Pesquisador do PENSA



Como era de se esperar, dada a importância do tema, nosso último artigo, intitulado "Nem preto nem branco: cinza", motivou a participação de diversos leitores do CaféPoint. Juntamente com os comentários feitos ao texto original de Luiz Hafers e Marcelo Vieira, as contribuições recebidas nessas duas semanas demonstram o tamanho do desafio a ser enfrentado. O melhor de tudo, sem dúvida, é a predisposição ao debate, requisito para a resolução dos problemas que atingem a cafeicultura.

Em meio a tantos tópicos de interesse, utilizaremos a resposta dada por Hafers e Vieira a nosso texto a fim de aprofundar um pouco mais a discussão. Afinal, essa espelha, de maneira geral, as inquietações de outros participantes do debate, ainda que as conclusões não coincidam. A opção por seguir a estrutura da resposta, assim, busca principalmente estruturar as discussões.

Precisamos de regras ou de decisões?

A impressão deixada por "Café: fim de um ciclo", ao menos em nossa leitura, foi a de que o custo da mão-de-obra era a principal variável associada às dificuldades dos cafeicultores. Se não é o caso, melhor, já que podemos discutir as limitações inerentes a qualquer política que proponha um "começar de novo". Em outras palavras, gostaríamos de enfatizar a diferença entre a intervenção e a regulação, já afirmando, de antemão, que a proposta de Hafers e Vieira se enquadra na primeira categoria, por seu foco no curto prazo.

Não há dúvidas de que os custos para os produtores rurais são crescentes, e que as legislações ambiental e trabalhista impõem uma pesada carga ao setor. É evidente, da mesma forma, o efeito perverso de determinadas deficiências estruturais - como a inadequação de nossa infra-estrutura em boa parte do país e a falta de confiabilidade das instituições brasileiras -, prejudiciais à atividade econômica como um todo. A dúvida é: qual a melhor forma de conviver com esse panorama?

Ao reconhecer que as transformações sofridas pelo Brasil nos últimos anos são positivas, Hafers e Vieira chamam a atenção para um fato importante: teremos que lidar com diversos desses custos no futuro. Daí decorre o imperativo do aprendizado, por um lado, e da militância política, de outro. O que temos visto, nos últimos tempos, são queixas generalizadas e a instituição de uma agenda voltada para o passado nessas questões. Definitivamente, este não é o melhor caminho. É impossível imaginar qualquer solução que envolva a sociedade - e a faça arcar com os custos correspondentes -, enquanto parte das lideranças ligadas à agricultura sigam optando pelo discurso fácil da "agricultura X resto do Brasil".

O confronto dá a sensação de proteção e pode até render alguns votos. Desvia as atenções de todos, no entanto, daquele que deveria ser o foco do debate. O artigo de Hafers e Vieira possibilita a reflexão acerca de algo que vai além dessas transformações importantes no país: qual a melhor forma de regular as relações econômicas no Brasil? Quais as responsabilidades e direitos dos agentes atingidos por essas regras? Mais especificamente, o momento exige regras respeitadas por todos, em primeiro lugar, e que permitam a consecução de determinados objetivos - econômicos, ambientais ou sociais - sem que, para isso, uma parcela da população seja penalizada.

É sempre bom lembrar que nem sempre mais regras levam a uma situação melhor. Garantir informação aos agentes para que tomem as decisões que considerem pertinentes parece ser a melhor solução para qualquer setor econômico. A proposta de redução da dívida falha em oferecer ambos os resultados. Não discute tópicos estruturais, como as regras por trás da relação agricultura/sociedade, tampouco questiona a ausência de dados que nos permitam dimensionar o real estado da cafeicultura.

Cafés especiais e gestão: duas faces da mesma moeda

Concordamos que a comercialização de cafés especiais não representa uma solução para o conjunto da cafeicultura na atualidade. Inclusive, foi o que dissemos no artigo anterior. Isso não significa que essa alternativa deva ser esquecida, afinal, ainda que limitada, poderá trazer melhores condições a centenas, talvez milhares de cafeicultores. Seria um erro assumirmos uma visão estática do mercado, como se todas as oportunidades já estivessem esgotadas. Se os atributos éticos têm valorização crescente no mercado internacional - ainda que esse filão seja reduzido -, por que não explorarmos mais nossas potencialidades?

Da mesma maneira, reconhecermos a competência de nossos cafeicultores na administração de seu patrimônio não exclui o desejo de produtores mais conscientes de sua atividade. Hafers e Vieira, ao compararem a atividade agrícola com a dos antepassados, subestimam as mudanças ocorridas no mundo ao longo das últimas décadas e romantizam a atuação dos pioneiros do setor. A história do café no Brasil, em grande medida, é escrita por produtores com considerável consciência de seus interesses, o que os levou à militância política, e plena noção da estrutura do mercado internacional. O ideal seria que nossos milhares de cafeicultores tenham, da mesma forma como os barões do passado, acesso a informações e a oportunidade de participar ativamente da vida política do país.

Considerações finais

Em resumo, não acreditamos que a redução das dívidas trará benefícios de longo prazo à cafeicultura brasileira. Trará certamente alívio no curto prazo e a sensação de dever cumprido. Não que discutir a questão da dívida seja uma heresia. Podemos aproveitar, porém, a vontade de encontrar soluções para discutir outros temas, ainda que mais complexos. A experiência nos mostra que a resolução desses problemas exige uma resposta que vá além da conjuntura. A proposta original de Hafers e Vieira acerta ao identificar gargalos na cafeicultura brasileira, mas desliza ao acreditar que "começar do zero" eliminará boa parte das mazelas.

Nem mesmo há certeza quanto aos efeitos dessa iniciativa sobre a produção nacional. Uma dúvida pertinente diz respeito ao tamanho da produção dita ineficiente no Brasil. Seria a erradição dos cafezais via equacionamento do problema das dívidas uma ação que resultaria em uma diminuição consistente da produção? No momento é difícil apontar qualquer resposta, dado que não estão claros os incentivos de uma "regra de saída" sobre os cafeicultores, mas, de qualquer forma, essa é uma questão que merece tratamento aprofundado no futuro.

Ademais, se por um lado é certo que a situação de muitos cafeicultores está "preta", por outro cabe sublinharmos a necessidade de soluções para o setor que se encaixem no contexto do país. Daí a importância de uma análise que, na medida do possível, não se limite aos problemas imediatos de alguns de seus agentes. Ninguém sabe, na verdade, qual é a melhor cor para definir a cafeicultura; o que, sim, sabemos, é que descrições do mundo que exageram uma tonalidade ou outra tendem a refletir apenas um lado da história. Para acadêmicos, tantas vezes criticados pelo apego à teoria e ao distanciamento do mundo real, a defesa de análises "cinzas" constitui uma obrigação.










Vimos com grande interesse o comentário de Sylvia Saes e Bruno Miranda a nosso artigo "Café o Fim de um Ciclo". Com vários questionamentos pertinentes, nos sentimos motivados a estender a discussão.

Primeiramente a questão: a culpa é só da mão de obra? Concordamos que não é, e talvez num artigo curto pudéssemos ter passado a impressão que fosse essa nossa opinião, mas concordamos que muitos outros fatores contribuem para a perda de competitividade de nossa cafeicultura.

O crescente custo Brasil, imposto por uma legislação com o espírito correto, nos levando a uma crescente modernização das relações de trabalho e da adequação ambiental, mas com custo maior do que deveria ser fosse nossa legislação mais racional e nos trazendo obrigações que nem de longe são pensadas nos demais países produtores de café. Como vai um produtor brasileiro, obrigado a uma crescente carga de direitos trabalhistas que dobram como custo o valor recebido pelo trabalhador, em função de direitos como férias de 30 dias com adicional de 33%, pagamento de horas in itinere, etc., competir com o produtor da América Central, onde a mera reclamação ou ameaça de organização para exigir direitos pode levar a um risco de vida para o trabalhador?

Quanto à legislação ambiental, nos é imposto um crescente custo de licenciamento, talvez maior que o da adequação, pois exige a contratação de consultorias e avaliações cada vez mais detalhadas do impacto ambiental da produção, levando nosso campo a uma eliminação de impactos que nem de longe é exigida de nossas cidades. Temos um custo financeiro mais elevado que qualquer outro país de agricultura competitiva, e agora sofremos uma apreciação cambial que faz com que preços internacionais excelentes para o café, fazendo a alegria de todos nossos competidores, não dão nenhum fôlego adicional a nosso cafeicultor.

Sylvia e Bruno também lembram a possibilidade de busca de melhor resultado através da diferenciação da qualidade, buscando mercados como o de cafés especiais. Disto Marcelo tem alguma experiência, por seu trabalho de muitos anos à frente da Associação Brasileira de Cafés Especiais - BSCA. Realmente esta opção pode trazer bons resultados a quem a ela se dedica, mas pelo pequeno volume negociado nestes nichos de mercado é uma opção real para algumas centenas de nossos 200.000 cafeicultores, ou seja, tem um impacto bem limitado em termos de criação de um futuro melhor para a grande maioria dos cafeicultores brasileiros.

Eles abordam ainda a questão crítica da capacitação de nossos agricultores (não achamos que cafeicultores sejam menos capacitados que nossos demais agricultores ou outros gestores de outros tipos de pequenos negócios) para a condução dos seus negócios. Mas na prática vemos que o que falta de conhecimento técnico em avaliação de custos a nossos agricultores com menor educação formal talvez lhes sobre em foco no resultado de uma maneira simples, mas eficaz, "apertando o cinto". Não vemos nos produtores mais sofisticados, com equipes administrativas monitorando custos e planejando as operações de uma maneira eficiente, maior resultado no negócio que aqueles que fazem como nossos antepassados, contando os tostões e brigando para não despendê-los. Como competir com um produtor africano, que apesar da absurda ineficiência de seu mercado com um grande número de intermediários lhe permitir receber menos de metade do preço final do produtor, tem no café a única alternativa de uma renda marginal que lhe permita algo acima da simples subsistência?

Quanto à criação de uma regra de saída, realmente é uma solução de difícil implementação e que precisa ser muito bem administrada para evitar distorções. Mas no mundo real onde outras soluções melhores ainda não foram encontradas, pode ser uma alternativa melhor que a repetida rolagem de dívidas impagáveis, que dificilmente retornarão um dia ao Funcafé, e que só crescem, pois a cada rolagem são somados custos financeiros enormes e são também disponibilizados novos recursos que aumentam o problema ao invés de resolvê-lo.

Em resumo, nem preto nem branco para quem analisa com distanciamento, mas para quem está imerso na produção sem perspectiva de sucesso o negócio está preto mesmo!

Marcelo Vieira e Luiz Hafers







Nem preto nem branco: cinza

Maria Sylvia Macchione Saes
Professora do Departamento de Administração da USP e pesquisadora do PENSA

Bruno Varella Miranda
Bacharel em Relações Internacionais pela USP e Pesquisador do PENSA




Em artigo publicado recentemente na Folha de São Paulo, Marcelo Vieira e Luiz Suplicy Hafers argumentam que estamos assistindo ao fim de um ciclo. Mais especificamente, ponderam os autores que a cafeicultura, o principal motor da economia brasileira durante décadas, vem sucumbindo frente a mudanças estruturais aqui ocorridas, que encarecem a mão-de-obra e tornam difícil a competição no mercado internacional. O resultado: endividamento crescente do setor.

Em meio a esse quadro, afirmam os autores, é necessário encontrar, primeiramente, uma regra de saída que permita a redução dos cafezais no Brasil. Com isso, a parcela ineficiente de nossa produção seria erradicada, garantindo o fim das pressões sobre a oferta. Na sequência, Vieira e Hafers apontam a possibilidade de o Governo aliar tal processo com uma reforma agrária pacífica e viável, e que leve em conta o potencial da agricultura familiar na produção de café. Finalmente, o tema da dívida do setor é abordado, com a defesa de sua redução como requisito para um planejamento de longo prazo da cafeicultura.

A partir da exposição de Vieira e Hafers, são diversas as opções para um debate. Indo além, um único artigo certamente será insuficiente para expor, com a precisão requerida, todas as ideias originadas da leitura desse texto. Por isso, apresentaremos alguns tópicos que consideramos fundamentais para uma reflexão acerca da situação real da cafeicultura brasileira.

Custos X Benefícios

Ninguém nega que os custos com mão-de-obra constituem um dos principais gargalos para os chamados "médios produtores". Nas regiões de montanha, tal quadro é especialmente sentido. Some-se a esse quadro a concorrência do café Robusta - citada por Vieira e Hafers -, cuja produção é mais barata. Haveria alguma alternativa para um quadro tão desalentador?

Deixando de lado a questão da mão-de-obra por um instante, não há como deixar de reconhecer que há mais elementos que contribuem para a delicada situação de parte da cafeicultura brasileira. Na atualidade, produzimos nas regiões de montanha grãos capazes de atingir niveis de qualidade invejáveis. No mercado, porém, a reputação do café brasileiro está longe de corresponder ao nosso potencial, algo que fatalmente se reflete nos preços.

Evidentemente, a melhoria da qualidade - e da reputação - não constituiria uma solução para o conjunto dos cafeicultores nas condições descritas por Vieira e Hafers. Faria parte de uma virada, entretanto, a conscientização de que por trás de tantos gastos com mão-de-obra há um produto com qualidade diferenciada. Nunca é demais lembrar também que o café brasileiro "contém" políticas ambientais e trabalhistas muito mais rigorosas que as dos concorrentes.

Por isso, com a busca de uma devida valorização dessas peculiaridades, uma quantidade considerável de cafeicultores poderia fugir das armadilhas da "impessoalidade" de parte do mercado internacional, que tende a privilegiar somente quem tem o custo menor. E disso depende fortemente a ação coordenada dos agentes ligados ao setor.

A culpa é só da mão-de-obra?

Acima demos um exemplo prático, cuja reflexão faz-se necessária: provavelmente não estejamos recebendo a recompensa adequada pelo potencial de nossa cafeicultura. A partir dessa hipótese, gostariamos de estender o questionamento acerca da parcela de culpa da mão-de-obra na crise da cafeicultura.

Comecemos por um assunto delicado. Número considerável de agricultores segue mantendo um controle precário de seus custos, além de ignorar ferramentas básicas de gestão. Aos que fazem a lição de casa, tal afirmação deve ser ignorada; aos que não o fazem, porém, já passou da hora de buscar uma adequação do negócio aos desafios impostos pelo atual quadro.

Da mesma maneira, cabe enfatizar que nosso sistema financeiro talvez não esteja preparado para amparar um relacionamento sustentável com a agricultura. Em parte, esse quadro se deve a uma realidade que está relacionada à gestão da atividade rural no Brasil: a falta de dados. Sem condições de especificar qual o risco de sua atuação no setor, bancos acabam penalizando quem tem tudo pra dar certo. Por sua vez, o governo também sofre com a ausência de informações, desperdiçando inclusive medidas com a melhor das intenções.

No entanto, tal constatação é insuficiente para explicar a situação atual. Que os bancos no Brasil ganham demais, isso não é novidade para ninguém. Igualmente, falta ao governo a capacidade de dar respostas que façam algo mais que apagar o incêndio nos momentos críticos, ou seja, políticas públicas mais consistentes e estáveis. Por sinal, isso só será possível quando houver um engajamento pleno dos setores com problemas, pautado pela determinação de direitos e, principalmente, responsabilidades.

Existe uma regra de saída?

A ideia de uma regra de saída, já tentada anteriormente com resultados medíocres, deve ser vista com bastante ceticismo. Primeiramente, o controle sobre tal iniciativa é necessariamente precário, e a volta dos produtores no momento em que preços melhores sejam observados é a tendência natural.

Outra questão, relacionada ao fator "mão-de-obra", merece a reflexão de todos, qual seja: o aumento dos salários, da mesma forma que afeta a cafeicultura, prejudica também outras atividades agrícolas. Dessa maneira, a migração desses produtores em direção a culturas diferentes não resolveria o problema dos próprios produtores!

Uma opção seria a de pagar para que esses produtores deixassem de produzir. Cabe nos perguntarmos, entretanto, quais os efeitos dessa política. Logo de cara, elimina-se a possibilidade de uma reforma agrária pacífica e viável - afinal, quem venderia suas terras caso tivesse a garantia de recebimento de um pagamento mensal como incentivo para o abandono da cafeicultura? Indo além, quem pagaria essa conta?

Em resumo...

Este artigo não esgota a considerável quantidade de assuntos originada a partir do texto de Vieira e Hafers. Podemos citar a questão da reforma agrária como um dos possíveis pontos a serem explorados no futuro. Não queremos, porém, alongar muito a discussão, a fim de evitar que a quantidade de temas prejudique a reflexão e um eventual debate.

Cabe ressaltarmos, como conclusão, que o estabelecimento de uma relação tão estrita entre o custo da mão-de-obra e o problema da dívida na cafeicultura não parece ser o melhor caminho para um planejamento de longo prazo. Qualquer ação tomada com base nesse raciocínio dificilmente beneficiaria todos os que mais sofrem com o custo da mão-de-obra na atualidade. Pior, certamente seria comemorada pelos "irresponsáveis" - retomando uma expressão usada por Vieira e Hafers -, ainda mais quando se tem em conta a fragilidade de acordos envolvendo o abandono de determinada atividade econômica.

Por isso, qualquer planejamento de longo prazo da cafeicultura deve anteceder o equacionamento do problema das dívidas, ou ao menos considerá-lo, de forma transparente, como parte do processo. Condicionar o reposicionamento do setor à redução da dívida do setor provavelmente contribuirá para a repetição de velhos erros do passado, consequência direta de diagnósticos parciais e conclusões apressadas. Daí a importância de um debate de alto nível, algo, que por sinal, o texto de Vieira e Hafers possibilita.








Café, o fim de um ciclo

Marcelo Vieira
Produtor de café, diretor da Adecoagro e membro do Departamento do Café da Sociedade Rural Brasileira

Luiz Marcos Suplicy Hafers
Produtor de café e membro do Departamento do Café da Sociedade Rural Brasileira.


Nossa cafeicultura passa hoje pelo mesmo desafio pelo qual passaram indústrias que migraram de países ricos para o 3º Mundo.

Um grupo de cafeicultores e pessoas interessadas em nossa produção de café vem discutindo na Sociedade Rural Brasileira o tema "Caminhos para o café". As discussões formais e informais nos levaram a conclusões surpreendentes.

Estamos assistindo ao fim de um ciclo, durante o qual um único produto foi o principal em nossa pauta de exportações e financiou parte importante da industrialização do país. Em décadas recentes, o café foi perdendo sua importância relativa, graças à progressiva diversificação de nossa economia e à perda de competitividade do produtor brasileiro de café.

O Brasil ainda é o maior produtor de café, o maior exportador, mas, mesmo numa fase de preços internacionais relativamente favoráveis, nosso produtor não tem obtido retorno adequado. Somos os produtores mais eficientes, temos uma estrutura de comercialização muito competitiva e com baixos custos e temos o segundo maior mercado consumidor.

Mas, ao mesmo tempo, o progressivo desenvolvimento de nossa economia leva ao encarecimento da mão de obra. O principal impacto na cafeicultura dessa mudança altamente benéfica para o país é a perda de competitividade do produtor tradicional em regiões de montanha, que tem uso intensivo da mão de obra.

Num negócio em que a mão de obra representa mais de 50% do custo da produção, um produtor que paga a um colhedor US$ 500 mensais não tem como competir com produtores da América Latina, da África e da Ásia, que buscam esse valor como renda anual. Como todos os demais países produtores são menos desenvolvidos que o Brasil e não têm alternativas de diversificação da agricultura, o aumento de custos para o produtor brasileiro não se reflete num aumento de preços no mercado internacional.

Nossa cafeicultura passa hoje pelo mesmo desafio pelo qual passaram indústrias intensivas em mão de obra que, aos poucos, migraram de países ricos para o Terceiro Mundo. Além disso, durante esse mesmo período, a indústria do café passou por uma progressiva substituição do café arábica, de mais alto custo e com maior potencial de qualidade, pelo café robusta, produzido em regiões de menor altitude, com menor custo.

O produtor de robusta, que abastecia 25% do consumo mundial há 30 anos, hoje tem uma participação de 40% no mercado mundial de café.

Nosso produtor tradicional se vê em situação similar à da indústria automobilística americana, que sempre esteve na vanguarda do negócio, mas agora vem sendo substituída por produtores mais competitivos.

Tudo isso levou a um recorrente endividamento de um grande número de cafeicultores, que não têm nenhuma perspectiva de gerar resultado na produção para abater a dívida, enquanto continuam contribuindo para uma oferta excedente do produto, o que pressiona contra eventuais ganhos de preço que recuperem a competitividade da cafeicultura.

Precisamos buscar uma regra de saída para esses produtores que lhes reduza a dívida com o compromisso de erradicação da parte ineficiente do parque produtivo. Isso levaria à redução da área e ao aumento da produtividade, com consequente redução das exportações, provocando um aumento das cotações internacionais sem impacto negativo na receita exterior.

Ajudar a saída de agricultores menos competitivos pode também dar impulso a uma reforma agrária pacífica e viável. A expansão da cafeicultura tem vindo da produção familiar: o café é, possivelmente, a cultura mais adequada a uma propriedade familiar, por ser uma produção intensiva no uso da terra e da mão de obra.

Ela é mais viável na propriedade familiar, que não é sujeita ao nosso pesado custo Brasil de altos encargos sociais, juros altos, altos impostos sobre a produção e custos crescentes de licenciamento e adequação ambiental.

Defender a redução da dívida de agricultores é tabu no Brasil, onde os bancos têm conseguido sempre renegociações que resolvem os seus problemas, mas não necessariamente os dos produtores. Mas problemas graves exigem soluções drásticas, e o fundo que financia a cafeicultura foi criado com recursos provenientes dela com o objetivo de viabilizá-la.

Essa dívida impagável deprime mercados, leva a uma crescente desilusão e angústia os produtores responsáveis que buscam solver seus compromissos e serve de desculpa para os irresponsáveis. E perpetua uma discussão das entidades representativas em torno de periódicas renegociações e alongamentos, quando deveriam estar desenvolvendo estratégias de longo prazo para a recuperação da competitividade, sem as quais nossa cafeicultura permanecerá nesse impasse dos últimos anos.

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