O campo tende a ser visto como um lugar idílico, com um estilo de vida mais leve e menos perigoso do que as grandes cidades.
Porém, um estudo publicado na renomada revista Scientific American ligou um perigoso alerta: as pessoas no campo estão morrendo, a cada ano, a taxas mais altas do que as da cidade, e a saúde mental tem grande responsabilidade nisso. Se a saúde mental ainda é um grande tabu para as pessoas que vivem na cidade, no campo ela é ainda maior. Sequer existe uma discussão a respeito do tema no campo.
A saúde mental no campo enfrenta não apenas a barreira social, mas também a falta de estrutura nas cidades menores, falta de acesso à lazer, esportes e educação, e ainda um fator indireto, mas absolutamente relevante: as pessoas no campo tendem a escolher representantes conservadores que não dedicam tanta atenção às políticas públicas voltadas à saúde mental dos próprios cidadãos.
Nos Estados Unidos, notou-se também que a curva no gráfico começou a se acentuar a partir de 1999. No começo, a diferença de mortes no campo era 7% superior às dos centros urbanos. Em 2019, era de 20%.
Quando levamos em conta a diferença por sexo e por tempo de estudo, temos a certeza de que, como no Brasil, por lá o problema entre os homens é mais grave: o homem rural com pouco estudo corre muito mais risco de depressão e suicídio do que qualquer outra faixa demográfica. Na outra ponta, com menos chance, está a mulher urbana e com mais tempo de estudo.
Para o estudo, foram estudados dez tipos de mortes. Em todos, a população rural se mostrou mais vulnerável. Nas primeiras colocações estão câncer e doenças cardiovasculares. Um claro sintoma da alimentação de baixa qualidade, uso de agrotóxicos e falta de acesso à atividades físicas e de lazer. Em terceiro lugar temos as lesões acidentais, que incluem acidentes com armas de fogo, de trânsito e overdose.
As mortes por overdose na zona rural ainda são menores do que nas zonas urbanas, mas a taxa de mortes deste tipo vem aumentando em uma velocidade acima do observado anteriormente para pessoas da zona urbana. Os especialistas alertam para o constante isolamento social, natural para quem vive no campo, mas acentuado ao longo das últimas décadas, consequência da mecanização e da migração das populações rurais para o meio urbano mais próximo. Existe, ainda, o gigantesco desafio da infraestrutura de saúde para tratar dependentes químicos e pessoas sofrendo overdose. Por último, o óbvio desafio da sobrecarga de trabalho e pressões econômicas vividas pelas pessoas no campo.
Existe também o preconceito de que a violência é menor no campo. Tal ideia pode e deve ser amplamente questionada. Se por um lado os homicídios são maiores nas zonas urbanas, na zona rural o total de mortes por armas de fogo é maior. Esta diferença se dá quando consideramos os suicídios por arma de fogo na conta total. No período estudado, os suicídios aumentaram em cerca de cinquenta por cento.
Alguns estudos já falam em “mortes de desespero”, que tratam de alcoolismo, suicídio e overdose. Quando combinadas, estas mortes apresentam causas comuns: pressão financeira, falta de infraestrutura e serviços sociais, deterioração do sentido de comunidade e fragmentação familiar. Importante dizer que o avanço tecnológico permitiu que as pessoas do campo morassem cada vez mais longe, inseridas em novos ambientes habitacionais. Porém, os que ficaram para trás, principalmente de idade avançada, acabaram ainda mais isolados em um modo de vida isolado e socialmente insustentável. Por outro lado, os avanços na saúde reprodutiva da mulher e do planejamento familiar, e até mesmo o acesso ao divórcio, também tiveram algumas consequências negativas para os que ficaram no campo. Onde as famílias são menores, com maior incidência de homens com pouco estudos. Justamente as maiores vítimas do suicídio.
Mas, e no Brasil? Como era de se esperar, o tema ainda é pouco debatido, estudado e conversado. O agricultor pode tentar se lembrar, dentre os últimos eventos, festas e feiras que tenha participado, quantos deles abordaram a questão psicológica e da saúde mental. Poucos eventos, ou nenhum, abordam o tema voltado para o homem do campo e ao seu contexto. Dentre os estudos relevantes que existem, podemos citar um feito por pesquisadores da UFABC, com auxílio da FAPESP, para entender que temos uma dinâmica similar à dos Estados Unidos, com a urbanização, dispersão social e familiar, e as pressões econômicas sendo temas relevantes para a deterioração da saúde psicológica do produtor rural brasileiro.
Mas vamos além. A situação brasileira é ainda mais complexa. Os pesquisadores apontaram que, nas regiões onde existem mais conflitos por terra, maior concentração de terra e violência, a saúde mental do produtor tende a ser pior, mais propenso ao suicídio. Porém, outras pesquisadoras da Unochapecó também sinalam que o uso de agrotóxicos é um fator de risco e amplia a possibilidade de suicídio no meio rural.
Todos, no entanto, concordam que falta estrutura no meio rural e políticas públicas capazes de abordar o tema de uma maneira acessível ao produtor. E, ainda, a falta de estrutura de lazer, alimentação e prática de atividades físicas no campo é muito rudimentar. Aliás, alimentação e atividades físicas fazem parte do próprio preconceito por parte da população rural. Se por um lado o consumo de alimentos naturais produzidos no quintal de casa faz parte do imaginário popular, a realidade é que o consumo de ultraprocessados ainda é grande no meio. E o produtor rural ainda confunde a atividade física que ele faz regularmente no seu trabalho com a prática de atividades físicas saudáveis. Esquecendo-se que o exercício físico é, ou deveria ser, um momento de prazer, observando postura e aquecimento adequados para evitar lesões.
Se você pensa que está passando por um momento difícil devido à atividade no campo, ou se você conhece alguém que possa estar nesta situação, procure ajuda e não desista.
Gustavo Magalhães Paiva é formado em Relações Internacionais pela Universidade de Genebra e mestre em Economia Agro-Alimentar. Atualmente trabalha como Consultor das Nações Unidas para o café.