Segundo dados recentes do último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 60% da população brasileira, ou aproximadamente 120 milhões de pessoas, vivem em uma faixa de até 200 km da costa brasileira; cerca de 85% da população, ou 170 milhões de pessoas, vivem em zonas urbanas; e, ainda, o impressionante fato de que 80% da população brasileira habita 0.6% do território nacional. Por último, vale lembrar que nenhuma capital de estado e nenhuma cidade brasileira com mais de 600 mil habitantes se encontra a menos de 200 km de um país vizinho.
Considerando apenas estes dados contundentes, podemos chegar a três conclusões básicas: o brasileiro nunca esteve tão desconectado fisicamente do mundo rural, existem poucas pessoas no campo produzindo para muitas pessoas no meio urbano, e o brasileiro médio está ainda isolado dos seus vizinhos.
É verdade que a proximidade do brasileiro com a praia e o meio urbano podem ser lidos de maneira parecida como consequência da formação do Brasil. Porém, não são questões idênticas. Os temas são complexos e possuem muitas nuances. As implicações destas informações para o mercado do café deveriam ser um tema para outro artigo.
Neste, proponho abordar apenas uma das conclusões: a distância do brasileiro dos próprios vizinhos e as consequências disso para a cadeia do café. A palavra “vizinho”, neste artigo, se refere aos países da América do Sul, inclusive os que o Brasil não compartilha nenhum tipo de fronteira, e também o México, pela sua relevância no mercado do café, pela proximidade cultural e a relativa proximidade geográfica.
Analisando a produção dos quatro principais produtores de café da região, segundo dados da Organização Internacional do Café (OIC), em 2022 o Brasil produziu cerca de 51 milhões de sacas de café de 60 kg. A Colômbia produziu cerca de 14 milhões, enquanto México e Peru seguiram estagnados na casa dos 4 milhões de sacos.
Por outro lado, se analisarmos o mercado consumidor, estamos falando de mais de 207 milhões de pessoas no Brasil, 52 milhões de pessoas na Colômbia, 34 milhões de pessoas no Peru e 127 milhões no México. Somando toda a população, apenas da América do Sul e ainda do México, temos cerca de 550 milhões de habitantes.
O consumo interno de café de todos estes países ainda é incerto, com estimativas bem divergentes e sem provas robustas sobre quem é que está mais perto da realidade. Tomando os dados da OIC, temos um consumo de cerca de 33 milhões de sacas de 60 quilos na região, incluindo o México. É de se espantar, quando levamos em conta que, desta cifra, 22 milhões são consumidos por brasileiros. Considerando o consumo per capita, o Brasil ainda continua nas cabeças, com cerca de 6 kg de café ao ano por pessoa, sendo superado na região apenas pelo Uruguai, com cerca de 7 kg de café ao ano.
A Colômbia, tradicionalíssima produtora, consome apenas 2 milhões de sacas por ano, o que significaria que cada um dos 52 milhões de colombianos consomem apenas 2,3 kg de café anuais. Quase um terço do que o brasileiro comum consome. Erra quem aposta em uma Colômbia atrasada, endividada e pobre. A Colômbia já possui o terceiro maior PIB da América do Sul, atrás apenas de Brasil e Argentina, e possui um PIB per capita - levando-se em conta a paridade do poder de compra - semelhante ao brasileiro. O índice Gini, que mede a desigualdade de um determinado local, aponta para uma situação também quase idêntica à do Brasil, sendo a Colômbia, inclusive, um pouco mais igualitária que o nosso país.
O México, apesar de há muito tempo estagnado na faixa de produção dos 4 milhões de sacas, vendo seu consumo aumentar a uma velocidade maior do que a produção, tem números reduzidos do consumo do café quando se olha o consumo per capita. Cada mexicano consome apenas 2,4 kg de café por ano, muito similar ao colombiano. Porém, os mexicanos gozam, ainda, de uma situação econômica muito mais favorável. O PIB per capita mexicano é superior ao do Brasil, Colômbia e Peru. E também um país mais igualitário do que Brasil e Colômbia.
A situação do Peru pode ser vista como a mais delicada de todas as analisadas aqui. Mas, ainda assim, inspira confiança e abre espaço para grandes avanços no consumo. O Peru possui um PIB per capita maior do que o colombiano, um desemprego de apenas 5% e, ainda, é o país menos desigual entre todos aqui analisados, inclusive o Brasil. Porém, o país, que é um dos maiores produtores de café orgânico certificado no mundo, segundo algumas estimativas, consome apenas meio quilo de café por ano. É importante salientar que o país é muito ligado à cultura do chá, especialmente o de coca, o que acaba influenciando a preferência local na hora de escolher a bebida quente. Mas, ainda assim, é evidente a possibilidade de melhora no consumo.
O consumo de café na nossa região aumenta muito lentamente, a uma velocidade similar a que políticas públicas e iniciativas são criadas para incentivar o consumo local. Portanto, não deveríamos nos espantar com esta lentidão no avanço do consumo. O cenário econômico nestes países produtores, nos últimos anos, estiveram longe de empolgar, mas também longe do caos de décadas passadas. Não existe sequer comparação do cenário mexicano, peruano e colombiano da década de 80 com o que vivemos agora. Todos eles envoltos em profundas crises econômicas, políticas e, principalmente, de segurança nas zonas produtoras de café.
Existem vários desafios para o crescimento do consumo: acesso à informação e educação, melhora na renda e na distribuição da mesma, regulamentação da produção e venda, novas estratégias de mercado, entendimento dos novos hábitos de consumo, etc.
Seria também importante a regulamentação do lobby de parte da indústria que insiste em dificultar o acesso do consumidor ao café de melhor qualidade. Falta convencer que uma mudança no modelo de negócios geraria ganhos para toda a cadeia produtiva, inclusive para a própria indústria.
Neste artigo, busquei mostrar que, ao invés de pensarmos em soluções mirabolantes e incertas para a melhora do consumo de café em países emergentes e distantes além-mar, a resposta pode ser muito mais simples, certeira e ao alcance dos brasileiros interessados.
Um outro exemplo seria unificar e regulamentar regionalmente os requisitos de venda de café. Levando-se, ainda, em conta que estamos falando de um produto que vai ser ingerido e, por tais motivos, deve ser tratado também como um assunto de saúde pública, do campo da higiene alimentar. Unificando os requisitos técnicos, teríamos uma quantidade relevante de café de baixa qualidade e de impurezas que seriam retirados do mercado, aumentando o consumo de produtos de qualidade e que se refletiria no aumento do consumo total. Há, também, a gestão de estoques de produtos alimentares, que no Brasil é gerenciada pela Conab como forma de regular os preços em momentos de variações acentuadas. Há, ainda, medidas de longo prazo, como o acesso às informações sobre o que é um café de qualidade. E não menos importantes, investimentos em distribuição de renda, educação e urbanização que estão correlacionadas ao aumento do consumo do café de maneira geral.
É evidente que mercados promissores e emergentes não devem ser abandonados, porém estamos com os nossos vizinhos latino americanos ao nosso lado, compartilhando uma cultura similar, a língua e realidades político-econômicas. A solução seria muito mais clara e elementar se o Brasil e o brasileiro deixassem de lado o velho hábito de olhar para o mar e esquecer do continente. De esperar que uma solução venha de fora, de países europeus ou dos Estados Unidos, e começasse a trabalhar dentro da realidade do que somos: um país latino-americano com um imenso potencial, rico, porém desigual e sem contato com os seus vizinhos e o seu próprio interior. E isso é uma lição de casa que deve ser feita pelos próprios brasileiros.