Há alguns anos, uma chamada para um programa de televisão voltado ao produtor rural lançou o seguinte bordão: “O Agro é tech, o Agro é pop, o Agro é tudo”. A partir daí, houve uma popularização sem precedentes da palavra “Agro”.
Se por um lado muitos se identificaram com a palavra “Agro”, outros aproveitaram a situação para centrar suas críticas em relação aos produtores que trabalham com certas práticas agrícolas nocivas ao meio ambiente, aos trabalhadores e à economia.
Fato é que se perguntarmos tanto para os defensores como para os críticos do “Agro”, dificilmente vamos encontrar unanimidade em lugar algum. Aqui, irei me basear na mensagem original da chamada televisiva: um modo de produção agrícola de grande intensidade tecnológica, alta produtividade e baseado na monocultura. Cultivados em larga escala, com práticas agrícolas e sociais nem sempre respeitosas à legislação ambiental e social em vigor.
Segundo dados oficiais, a produção de café brasileira ainda é concentrada em pequenos produtores, de áreas montanhosas não mecanizáveis, e que muitas vezes não se dedicam apenas ao café na sua propriedade.
Apesar do crescente desenvolvimento tecnológico das últimas décadas na cadeia cafeeira, e da imensa vantagem de produtividade e eficiência em relação aos países concorrentes no mercado internacional, o produtor de café típico dificilmente se encaixaria no ideal de grande produtor com uma grande frota de maquinário representado na chamada em questão, e que habita o imaginário do consumidor final.
Neste sentido, fica claro que a intenção seria mostrar um método de produção ligado ao cultivo de cereais no centro-oeste brasileiro e passar a ideia de que este método é representativo de toda a cadeia produtiva brasileira nos mais diversos tipos de produtos agroalimentares.
Em um meio com uma forte identidade como é o meio agrícola, era de se esperar que a maioria dos consumidores e produtores aceitassem esta ideia, fazendo da chamada um dos mais estrondosos sucessos da comunicação brasileira nos últimos anos.
Mas, será mesmo que esta unidade existe? E os consumidores, será que realmente entendem a diferença? Até que ponto convém aos produtores de café embarcarem nesta ideia?
Se por um lado os custos têm muito em comum, como, por exemplo, em relação aos fertilizantes, aos combustíveis e à mão de obra, por outro lado a concorrência por recursos escassos e os clientes para os quais os produtos são vendidos deixam algumas dúvidas sobre tal unidade. Enquanto o “Agro” vende para, principalmente, processadores de ração e alimentos nos mercados asiáticos, o café vem a cada dia mais encurtando a distância entre produtor e consumidor final, tendo como alvo os mercados tradicionais da Europa e América do Norte que ainda são os principais clientes.
Estando as propriedades de café cada vez mais conectadas ao consumidor final, as cobranças em relação à sustentabilidade e direitos trabalhistas são cada vez mais sentidas pelo produtor de café. Difícil imaginar que tal cobrança e exigência seja também sentida no mesmo nível pelos produtores do “Agro”, a menos quando são consideradas as mudanças de políticas públicas em países mais desenvolvidos economicamente.
Em relação à segunda pergunta, vale lembrar que 85% da população brasileira é urbana e uma proporção similar vive a menos de 300 km do mar. É de se esperar que o consumidor brasileiro seja, em sua maioria, leigo em relação à vida no campo e às particularidades dos meios de produção de cada um destes cultivos.
Muitas vezes, tanto consumidor como produtores, levam o debate sobre as formas de produção agrícolas para a polarização já existente em outros campos da política e da economia. Entretanto, no meio rural, se normalizou um debate que giraria em torno de Agro x MST. Algo tão razoável quanto imaginar que as cidades brasileiras são habitadas por milionários e sem-teto. E compete ao produtor e aos meios de comunicação da cadeia quebrar essa polarização, em vistas de buscar um debate adequado.
Finalmente, respondendo à última pergunta, tenho muitas dúvidas a respeito da necessidade da cadeia produtiva do café abraçar alguns supostos aliados e tentar mudar à força a mentalidade de seus clientes e parceiros. O cultivo de café é uma cadeia de produção credora de carbono, mesmo quando se considera na equação o impacto do consumo final em países distantes. Sendo uma cultura perene, o impacto do cultivo de café no solo e na água são mitigados. E, ainda, o café distribui a renda e agrega valor ao produto final, gerando ganhos para sociedade que a maioria dos outros cultivos de cereais não faz.
Vindo de um consumidor que sabe pouco do próprio país e da própria zona rural, não é de se espantar que o cafeicultor brasileiro faz muito pela sustentabilidade ambiental e social e colhe pouco. Culpa da falta de informação do consumidor, mas também de estratégias de comunicação equivocadas do setor.
Portanto, levando-se em conta a enorme eficiência dos produtores de café brasileiros em relação aos seus concorrentes internacionais, aos impactos ambientais gerados pelo Agro no próprio país e à mudança de mentalidade no mercado consumidor, fica claro o preço que os cafeicultores brasileiros estão pagando em nome de uma solidariedade do meio agrícola.
Ultimamente, me parece clara a postura de alguns em querer se colocar como um guardião da razão, em uma missão de levar ao conhecimento do outro uma verdade absoluta e de desmascarar certas narrativas criadas pelo outro campo. Poucos entendem que de fato os tempos são outros e não há como brigar com a evolução de mentalidade de exigência da sociedade, mesmo que vá contra os próprios pontos de vista.
Em tempos de competição por fertilizantes, preços altos de combustíveis e escassos recursos hídricos, me pergunto se tal solidariedade seria recíproca por parte do “Agro”. Ao invés de culpar a mentalidade e a natural mudança de gerações ao longo do tempo, o produtor de café brasileiro deveria se preocupar em se perguntar quais são os verdadeiros aliados e os limites de colaboração do meio agrícola. Pessoalmente, ainda não posso dizer o que é o “Agro”, mas digo, sem dúvida alguma, que o Agro não é coffee.
Gustavo Magalhães Paiva é formado em Relações Internacionais pela Universidade de Genebra e mestre em Economia Agro-Alimentar. Atualmente trabalha como Consultor das Nações Unidas para o café.