A cafeicultura brasileira passou por um boom de tecnologia, inovação, qualidade e sustentabilidade nos últimos 10 anos. Grande parte desse desenvolvimento exponencial se deve ao fato da corrida por certificações socioambientais, tais como Rainforest Alliance, UTZ, Fair Trade, Orgânico e Certifica Minas, além de protocolos de verificação como Nespresso, 4C, entre outras. Mas todo boom tem seu final de ciclo e tenho ouvido muitos especialistas decretando o fim das certificações.
É fato que no início quando a largada foi dada, já se previa que uma hora os benefícios de mercado das certificações socioambientais teria fim, em outras palavras os ágios pagos por compradores diminuiriam e como diz o ditado: “quem chegasse primeiro na fonte, beberia água limpa”.
Na cafeicultura não foi diferente e esse dia chegou, aqueles que entraram e apostaram na certificação conseguiram se destacar, abrir mercado, aplicar a sustentabilidade, aumentar a produtividade, melhorar a qualidade e implementar melhor gestão em propriedades, comunidades e associações.
Quem está no mercado muitas vezes não consegue observar o salto dado na ultima década da cafeicultura brasileira, avanços importantes foram conquistados e certamente as certificações socioambientais têm uma parcela importante nisso.
Mas o atual cenário faz com que as certificações não sejam atraentes para o mercado, mesmo tendo seus custos reduzidos, cada vez mais profissionais capacitados no mercado, mesmo e campos para crescer (ainda há muito café sendo produzido sem os necessários cuidados socioambientais).
Nem produtores, nem exportadores estão querendo ampliar áreas certificadas, uma vez que o mercado não mais remunera com diferenciais o café certificado. Certificar se tornou um ônus para o produtor e um bônus para a indústria, afinal o custo de se produzir respeitando todos os modernos conceitos de sustentabilidade, boa gestão e qualidade ficam com o produtor, é como se ele fosse obrigado a carregar nas costas todo o custo da sustentabilidade da cadeia produtiva do café, exportadores, importadores e principalmente a indústria não compartilham desse custo e apenas operam na bolsa garantindo que estão comprando cafés de forma responsável, mas quem é realmente responsável é o cafeicultor.
E para muitos especialistas esta é uma tendência, a nova revolução da cafeicultura, mais do que valorizar a certificação – valorizar a origem.
Recentemente vi uma postagem de um dos maiores especialistas brasileiros em cafés especiais afirmando ter comprado um café diretamente de um produtor e que isso era comércio justo, ou seja, jogou fora os princípios do movimento Fair Trade e tudo o que envolve e disse que o fato de adquirir um café diretamente do produtor é uma forma de comércio justo.
Muitas empresas nacionais e estrangeiras estão na mesma linha, criando seus próprios protocolos de sustentabilidade e deixando sistemas verificáveis de certificação. Alegam, com certa razão, os altos custos e a burocracia das certificadoras, que passaram a onerar muito a cadeia produtiva para manter estruturas cada vez maiores. Grandes companhias estão se empenhando em criar seus próprios protocolos e formas de promover a sustentabilidade, ainda não se sabe o impacto desses sistemas no campo e principalmente se estes protocolos serão capazes de promover as mesmas transformações conquistadas pelas certificações, o fato é que naturalmente o mercado está mudando.
É possível ver casos crescentes de multinacionais operando no Brasil e pagando um “prêmio”, similar ao fair Trade ou investindo em comunidades onde estão localizados seus fornecedores. Até ai tudo bem, mas já observei que essa prática não garante nem que o recurso foi aplicado de forma correta, muito menos que é sustentável.
Como especialista em cafeicultura sustentável, sei que as mudanças são inevitáveis, minha preocupação é fazer com que elas sejam para melhor. Neste sentido alerto àqueles que são maioria na cadeia produtiva do café, ou seja, produtores e consumidores, estes devem estar atentos às transformações, afinal, quem poderá garantir que um programa de uma grande torrefação é justa para o produtor? Quem é capaz de garantir que ao comprar diretamente de um produtor você está praticando um comércio justo? Quem é capaz de garantir que práticas ilegais no mercado como trabalho escravo, degradação ambiental e uso descontrolado de ingredientes tóxicos não estarão presente nesses programas?
No caso do Fair Trade, tema de nossa coluna, vejo que há ainda mais perguntas, no Brasil existem centenas de milhares de famílias de cafeicultores que produzem apenas o suficiente para manter suas necessidades básicas, há milhares que precisam de apoio governamental, porque o que produzem não é o suficiente. Na prática ainda existem diversos cafeicultores que não têm condições de estar em programas de sustentabilidade, que não conseguem melhorar a gestão de suas propriedades, nem aumentar suas produtividades e muito menos acessar diretamente clientes que paguem um preço “justo” por comprarem seus cafés com origem.
Sempre defendi que devemos ampliar o número de associações e cooperativas certificadas Fair Trade e possibilitar que mais famílias de cafeicultores tenham a possibilidade de se desenvolver dentro do movimento Fair Trade, porém cada vez mais vejo as dificuldades dessa opção, pois o mercado tem comprado cada vez menos café Fair Trade no Brasil. E essas mudanças estão impactando diretamente no pequeno produtor.
Não tenho as soluções para esses questionamentos, talvez passem por um repensar nos critérios Fair Trade, talvez seja importante os consumidores serem ativos e cobrar em seus países o maior comprometimento de torrefações com o principio do comercio justo, mas vejo a necessidade de colocá-las em evidência, é importante o mercado consumidor saber que há um mar de dúvidas nas práticas das torrefações e aquele que produz pode, mais uma vez, pode ser prejudicado.
**Por Ulisses Ferreira de Oliveira - Administrador, Especialista em Cafeicultura Sustentável