Mudanças climáticas começam a afetar a agricultura familiar no Brasil, com impactos na produção, na qualidade do produto e consequentemente na saúde financeira, e a cafeicultura é uma das atividades mais afetadas.
Chuvas de pedra, períodos de seca intermináveis, calor excessivo, veranicos prolongados, nascentes secando, falta de água em propriedades e chuvas torrenciais, você vê algum desses acontecimentos em sua região? Mesmo que seja difícil se colocar no plano dos impactos e responsabilidade do aquecimento global, todos estamos observando no dia a dia que nosso clima mudou, e certamente nossa forma de produzir e consumir realmente tem contribuído para essas mudanças.
E mesmo que você seja cético quanto a este assunto é impossível não concordar que o desmatamento de áreas verdes, queimadas, contaminação de cursos d’água, manejo inadequado de lavouras e pastagens fazem com que o ambiente no qual a propriedade está inserida tenha a sua qualidade piorada.
Em minhas palestras e treinamentos sobre sustentabilidade no campo, mostro uma série de imagens do estado do Paraná com a evolução do desmatamento continente à dentro. Entre 1930 e 1990, a cobertura florestal no estado caiu de 64% para apenas 7,59% na década de 90.
Sempre digo a produtores e alunos que não estamos aqui hoje para condenar os desmatamentos do passado, as condições da época, as tecnologias, as políticas e os conhecimentos demonstravam que esse era o caminho a ser feito, desbravar e conquistar novas áreas. Porém chegamos a um limite perigoso.
Recuperar o que já foi desmatado não é possível e talvez nem seja necessário. Em muitas dessas áreas existem cidades, vilas, pessoas, famílias, lavouras, criações, empresas, escolas, pomares, ou seja, vida.
Porém, hoje, temos a informação de que algumas áreas de grande importância ambiental precisa de restauração e sabemos também que outras áreas precisam ser preservadas, que precisamos no “mato”, do verde, do habitat para a fauna silvestre. Hoje, temos o compromisso com a nossa geração e as gerações futuras e certamente seremos cobrados se não fizermos a nossa parte.
E já estamos sendo cobrados. Seja na cidade ou no campo, as mudanças climáticas já apresentam seus efeitos, trazendo prejuízos, transtornos e preocupações para consumidores e produtores.
No caso do café, as mudanças climáticas produzem efeitos negativos, como a perda da qualidade do grão devido ao mau enchimento do fruto, provocado por veranicos prolongados; a perda de produtividade devido às secas prolongadas; a perda de produção em consequência de chuvas de granizo e chuvas torrenciais; dificuldade para formação de novas lavouras em virtude de falta de chuva em épocas de plantios, e o não pegamento da florada devido a temperaturas elevadas, entre tantas outras consequências.
Para combater os efeitos das mudanças climáticas são necessários investimentos em técnicas e tecnologias que prometem mudar o manejo da lavoura e adequá-lo à nova realidade, porém essas mudanças exigem investimentos elevados.
Em 2018, o presidente da illycafé, Andrea Illy, destacou que serão necessários investimentos de US$ 1 bilhão por ano em nível global até 2050 para mitigar os efeitos do aquecimento global na cafeicultura.
Neste cenário, a cafeicultura familiar tem um grande desafio pela frente para se manter competitiva, pois com pouco capital para novos investimentos e pressionados pelos baixos preços praticados no mercado internacional, o produtor já começa a sentir os efeitos das mudanças climáticas e se vê incapaz de enfrentar esse desafio.
Técnicas como irrigação por gotejamento, colheita mais rápida, construção de terraços e bacias de contenção de águas da chuva, fertirrigação e arborização de cafezais, demandam conhecimento e investimentos.
Sem apoio técnico para o enfrentamento das mudanças climáticas e sem recursos, agricultores veem aumentar o risco da atividade e contabilizam perdas crescentes provocadas pelas condições climáticas.
Vale aqui ressaltar o importante trabalho desenvolvido por diversas organizações FairTrade no Brasil, que capacitaram seus produtores e estão investindo em ações mitigatórias, porém carecem de recursos e veem estagnada a demanda pelos cafés produzidos de forma sustentável.
Recentemente postei uma publicação no Facebook que mostrava a onda de imigrantes em direção à fronteira dos Estados Unidos. Um dos entrevistados da reportagem se apresentava como cafeicultor familiar que fugia da seca e dos baixos preços do café, que tornaram a vida na Guatemala insustentável.
Presidente Trump, ao invés de construir um muro, assine o acordo de Paris e incentive suas grandes corporações a comprar cafés sustentáveis da agricultura familiar. Certamente você terá muito menos dificuldade de aprovar um plano de apoio à agricultura em países em desenvolvimento e atingirá seu objetivo de reduzir a entrada de imigrantes em seu país.