Já se passaram 10 anos desde meu primeiro contato com o movimento Fairtrade, ainda me lembro como se fosse hoje, foi durante uma visita técnica realizada por membros do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável de Poços de Caldas (MG) a uma, até então, desconhecida Cooperativa de Cafeicultores Familiares de Poço Fundo – Coopfam.
Eu, um jovem idealista, me encantei logo no início, antes mesmo do Presidente apresentar a cooperativa, um cooperado, cafeicultor familiar, simples, do lado de fora da cooperativa, à sombra de uma árvore, nos contou com detalhes de quem estava por dentro de tudo como a cooperativa beneficiava as famílias. Disse que o Fairtrade foi a melhor coisa que aconteceu para todos (por onde ando ainda escuto essa expressão).
A visita foi um choque, me lembro de sair de lá pensando, como nós (de Poços de Caldas) podemos estar tão atrás de produtores de uma cidade com pouco mais de 15.000 habitantes? Pena que a nossa visita técnica teve a participação de poucos produtores! (essa é a resposta).
A conversa com o presidente foi ainda mais motivadora. Saber que existia um mercado alternativo, o qual estava disposto a pagar um preço justo, um prêmio e ainda investir na comunidade, e que as exigências para estar nesse mercado eram: produtores deveriam se organizar, planejar, que a cooperativa fosse transparente, que os produtores participassem efetivamente, que utilizassem EPI, que não fizessem o uso de alguns defensivos proibidos em vários países, que fizessem cursos, que melhorassem a qualidade dos cafés, que cuidassem da natureza, das crianças e da comunidade. Parecia um sonho. Utopia!
Ao voltar à triste realidade de Poços de Caldas que, em 2006, tinha uma classe de produtores desunida, pouco participativa, uma cooperativa que quase faliu e que levou a história de vida de centenas de produtores, cafeicultores abandonando a atividade, muitos se aventurando na Itália, EUA, os que continuavam faziam a marcha S.O.S Cafeicultura, pois não aguentavam preços pagos por atravessadores. Aquilo precisava ser mudado.
E mudou! Graças a parcerias e alguns produtores que acreditaram, em 2007 teve inicio uma grande transformação capitaneada pela Assodantas (destaque para o Sr. João Piva, cafeicultor familiar, líder nato e visionário), cerca de 20 produtores iniciaram um sonho, certificar Fair Trade e exportar café de qualidade.
Com o apoio do Sebrae (Vanusa e Andrea Salerno) da Prefeitura (Marcos Tadeu Sansão), da Bourbon (Cristiano Ottoni) e da Unipasv, hoje Coopasv (Beatriz), os produtores se organizaram e levaram 2 anos de reuniões mensais à noite, de cursos, de visitas técnicas, conseguiram a certificação.
O comunicado da decisão da FLO-CERT por conceder a certificação veio da Alemanha, mas por meio de um brasileiro, Eduardo Abraços Bruhm, que recentemente esteve em Poços de Caldas para um bate papo muito enriquecedor sobre o Fairtrade no Brasil.
Nessas voltas que o mundo dá a paixão pelo movimento só aumentava e em 2010 disse a um membro do Fair Trade no Brasil, o jovem Reinaldo Rodrigues, que Poços de Caldas seria a primeira Cidade de Comércio Justo do Brasil (Fair Trade Town). E não foi diferente, em outubro de 2012 o Sr. Naji Harb, presidente da Iniciativa Fairtrade Brasil, veio à Poços de Caldas entregar o certificado de Fairtrade Town para nossa cidade.
Passados esses 10 anos muita coisa mudou na vida dos produtores. Esses vivem da exportação de seu principal produto para consumidores conscientes da Europa e dos EUA, mas sempre me questionam porque o consumidor brasileiro não se preocupa com o que chega a sua mesa?
Infelizmente sempre que apresento o Fairtrade no Brasil as pessoas têm um pré-conceito quanto ao tema. De um lado aqueles que enxergam no movimento como uma versão moderna do socialismo, e outros dizem que o Fair Trade é uma forma de países desenvolvidos taxarem a entrada de produtos oriundos de países em desenvolvimento. Vejam que contraditório. Triste é saber que pessoas com seus pré-conceitos não conhecem a realidade dos produtores, o antes e o depois do Fair Trade.
Mas isso tem mudado, e o novo desafio que encaro agora é fazer com que mais pessoas, mais organizações, mais empresas passem a apoiar esse movimento, vamos andar as regiões do país identificando atores capazes de criar movimentos locais de apoio ao comércio justo e solidário, vamos difundir o conceito de cidade de comércio justo, vamos desenvolver campanhas participativas para que os consumidores conheçam o selo Fair Trade e façam a pergunta: de onde vem nosso alimento? A cadeia produtiva valoriza os explora produtores?
Vou atualizar aqui no site CaféPoint como está o movimento! Acompanhem!
*Ulisses Ferreira é especialista em cafeicultura sustentável e consultor de associações e certificações agrícolas