O balcão de apostas para o tamanho da safra brasileira de café está movimentado neste abril de 2015, assim como esteve 12 meses atrás, mas com uma importante diferença: a amplitude das estimativas é menor agora. Enquanto os números de abril do ano passado apresentavam uma diferença de quase 8 milhões de sacas entre a menor e a maior estimativa, este ano a amplitude é próxima a 4 milhões se desconsiderarmos os “outliers”. Esta menor diferença fica bem mais interessante de se analisar quando considera-se que o tamanho das safras de 2014 e de 2015 serão provavelmente muito similares independentemente da fonte que se use! A explicação da menor amplitude das estimativas pode residir na dificuldade de incorporar no processo de projeção de safra as perdas do beneficiamento, mais especificamente do descasque. Esta é uma dificuldade que ganha magnitude no caso do Brasil quando comparado com outros países por ser um país que produz predominantemente cafés naturais e cuja chamada renda de descasque muda muito como resultado das condições climáticas.
Uma forma simples e direta de explicar esta amplitude mais estreita é que no ano passado os cafeeiros desenvolveram uma quantidade de cerejas próxima à normalidade de uma boa safra, mas as perdas foram principalmente causadas por rendas de descasque muito menores que são muito mais difíceis de se estimar e só se tornam evidentes no momento do benefício. Neste ano, as plantas estão carregando uma quantidade substancialmente menor de cerejas devido ao baixo crescimento vegetativo de seus ramos ao longo do ano passado. Mas a renda deve ser próxima do normal após as chuvas e temperaturas terem se aproximado dos níveis normais em fevereiro e março de 2015 depois de um outro janeiro quente e seco. Próximas ao usual, as perdas durante o beneficiamento são, portanto, um fator menos importante nas estimativas de safra em 2015. Outros interesses a parte, isto mostra bem as peculiaridades no exercício de se projetar safra de café no Brasil.
Chega a ser surpreendente a quantidade de esforços dedicados à projeção da safra de café no país – temos duas estimativas oficiais, Conab e IBGE, além das projeções do CNC/Procafé e de vários traders do Brasil e do exterior – e proporcionalmente a quase ausência de estimativas dos estoques totais de café no Brasil, ainda mais considerando o significativo impacto que os estoques possuem na formação dos preços da commodity. É claro que a estimativa de safra é mais simples considerando que as informações a serem coletadas são de “domínio público”: qualquer pessoa pode visitar as lavouras de café e os satélites podem vê-las também! A situação é diferente com os estoques, especialmente aqueles mantidos por companhias privadas. Esforços para se estimar os estoques devem ser definitivamente estimulados considerando que hoje a maior estimativa dos estoques locais parece ser 100% maior que a menor estimativa.
Nesta linha de raciocínio de relação causa-efeito, quais serão os impactos das atuais perdas de safra no potencial da produção futura do Brasil? Primeiro, do ponto de vista não-agrônomico de um leigo, as perdas de safra em 2014 e 2015 que ainda podem reverberar em 2016 não afetarão o potencial produtivo de safras futuras. Segundo, soluções existem ou estão na “linha de montagem” se problemas similares ocorrerem novamente no futuro e/ou se eles vierem a se tornar uma característica padrão daqui para frente. Terceiro, o fortalecimento do dólar norte-americano, sentido com maior intensidade no Brasil, devido a seus problemas econômicos internos, tornou o país um produtor mais competitivo à medida que o real mais fraco derrubou as cotações internacionais do café, sem prejudicar o preço recebido pelos produtores aqui tanto quanto nos demais países produtores. Quarto, o setor de café brasileiro possui uma resiliência própria e uma habilidade única de lidar com condições adversas, como foi no passado no caso das geadas, ferrugem, baixa produtividade e aumento dos custos trabalhistas, para citarmos alguns exemplos.
Se as atuais projeções para o câmbio futuro estiverem corretas e o dólar permanecer no intervalo de R$ 3,00 a R$3,20 até o final de 2016, os cafeicultores brasileiros irão progressivamente perder competitividade conforme os custos de insumos atrelados ao dólar, como fertilizantes e agroquímicos, e outros custos, especialmente mão-de-obra, aumentarem em um ambiente de relativa estabilidade do real ante o dólar. Esta é a janela de oportunidade do curto prazo para o Brasil começar a criar as condições de se manter competitivo no futuro. Mas se tudo falhar – irrigação, sombreamento, mecanização da colheita de conilon e de arábica de montanha, etc. – existe ainda um último recurso: “micro migração” para regiões não muito distantes dos atuais cafezais, mas que possuem temperaturas mais amenas e tinham risco de geada há não muito tempo. Isto é para ser comparado às “macro migrações” que levaram o arábica para o Paraná e para o Cerrado no passado e tem levado atualmente o conilon para o sul da Bahia. Deve-se esperar que o arábica mude para regiões mais elevadas e que o conilon comece a ser plantada em áreas antes ocupadas pelo arábica? Talvez. Mas a inovação pode tomar outros rumos que são difíceis de prever e pode mudar o curso das coisas em diferentes direções.