A confirmação da chegada do coronavírus ao Brasil deveria inspirar cuidado e realismo. Uma estratégia coordenada entre os distintos setores da administração pública e o apoio dos recursos disponíveis no setor privado poderão minimizar o impacto negativo dessa má notícia. A população também deve fazer a lição de casa, evitando o alarmismo e cooperando com as orientações das autoridades.
Entre os que não atuam na área da saúde, cuidado e realismo tampouco fariam mal. Vide as tentativas recentes de estimar o efeito do coronavírus sobre o crescimento econômico mundial ou de países específicos. Embora motivadas pelas melhores intenções, tais tentativas tendem a envelhecer antes mesmo de amadurecerem. Se são demandadas pelo público, é mais por refletirem um desdobramento do “império do curto-prazismo” sobre nossos cálculos econômicos. A busca é por respostas rápidas, mesmo que a sua utilidade para entender padrões de longo prazo seja limitada.
O raciocínio vale também para o Brasil. No plano das previsões, o coronavírus exacerba a ansiedade de uma parcela crescente dos formadores de opinião brasileiros, confusos diante da precariedade da retomada da economia brasileira. Devido aos inúmeros fatores relacionados, entretanto, estimar os efeitos da expansão do coronavírus sobre qualquer economia é uma tarefa hercúlea. Afinal, as ações e percepções de milhões de pessoas, espalhadas por um conjunto heterogêneo de países, jogam um papel tão importante na determinação das consequências do coronavírus quanto qualquer estimativa baseada nas teorias da epidemiologia ou da macroeconomia. Difícil achar um modelo capaz de capturar tamanho ruído.
Para complicar ainda mais as coisas, inexiste uma resposta única ao coronavírus. Um bom exemplo é a Itália. O próprio primeiro-ministro do país, Giuseppe Conte, lembrou que a percepção de existência de uma crise sanitária em solo italiano tem sido potencializada pela rapidez com que o governo incentivou a realização de exames diagnósticos. De fato, é possível que outros países europeus, mais lentos na busca por potenciais casos da doença, estejam contribuindo para omitir a real situação da crise em suas fronteiras. Na mesma Itália, há quem argumente que a abordagem inicial criou mais medo do que soluções, afetando de forma exagerada a atividade industrial e o turismo. Está também quem tenta desvencilhar, mesmo que parcialmente, a discussão sobre o combate ao vírus de considerações a variáveis como o Produto Interno Bruto ou o índice das bolsas.
Mais do que tentar projetar o futuro, talvez faça mais sentido buscar lições no passado. O que a história nos ensina é que os efeitos de uma epidemia sobre a economia tendem a ser similares a um “V”: em um primeiro momento, os efeitos da crise sanitária tendem a provocar uma acentuada desaceleração. Menos negócios são realizados entre empresas, as pessoas preferem ficar em casa, decisões de consumo são adiadas. Uma vez controlada a epidemia, porém, a retomada costuma ser relativamente rápida. Mesmo casos de crise profunda, como as sucessivas epidemias de peste na Europa do século XIV, eram sucedidas por ciclos de expansão econômica e otimismo na população sobrevivente. Por sinal, crises sanitárias são um fato relativamente corriqueiro quando analisamos a história.
Não há motivos para acreditar que a situação seja diferente no caso do coronavírus. Uma vez controlada a epidemia, a retomada da economia deveria ocorrer naqueles países cujas condições forem favoráveis. É aí que mora o desafio principal. Em grande medida, o temor em relação aos efeitos do coronavírus sobre a economia do Brasil – e, quem sabe, sobre a economia mundial – mascara problemas estruturais mais complexos. Limitando-se às mazelas brasileiras, nossa lenta retomada reflete limitações e dilemas que antecedem os primeiros casos da doença na China. Culpar o vírus por eventuais atrasos em uma recuperação adiada há anos significa relativizar o caos institucional em que estamos metidos.
A fim de contar a história dos efeitos do coronavírus sobre a economia brasileira, convém esticar a linha temporal ao “muito antes” da chegada do vírus. Nesse caso, teremos meses de polêmica estéril e um clima de campanha eleitoral permanente para contabilizar. Também encontraremos anos de promessas infrutíferas – tanto as de “esquerda” quanto as de “direita” – e uma certa predileção pelas estratégias de revisão de consensos. Acompanhados por uma percepção de fracasso coletivo, há anos cuidamos de maneira imprudente daquilo que deu certo desde 1988. O resultado é que talvez estejamos levando a desconstrução a limites intoleráveis para o bom andamento dos negócios e o planejamento de longo prazo.
Navegando em águas intranquilas há anos, o Brasil tem lidado com o desafio imposto por um presidente especializado em “semear vento”. Do outro lado, falta à oposição – ou, talvez, oposições - a capacidade de articular um discurso que alie uma defesa do Estado democrático de direito a uma agenda de reformas. Colocar a culpa no coronavírus seria um exagero; potenciais origens para uma futura tempestade não faltam no horizonte.
Diante de uma situação tão delicada, o coronavírus poderá ser a gota a transbordar o copo. Afirmar que os efeitos de uma epidemia sobre a economia não são tão tenebrosos no longo prazo não equivale a dizer que a eclosão de uma crise sanitária não possa afetar o destino de uma sociedade. No meio tempo, os efeitos negativos causados por uma epidemia podem sacudir o cenário político de um país. Um encolhimento pontual da economia é doloroso sempre, mas ainda pior em um contexto de penúrias. Em meio à confusão dos dias atuais, e na qual muitos parecem se sentir à vontade, o coronavírus poderá significar mais um empurrão – involuntário – no processo de deterioração das instituições no Brasil.