Em pleno bioma de Mata Atlântica, na porção leste de Minas Gerais, encontra-se uma grande área produtora de cafés de qualidade. Na busca pelo reconhecimento da eficiência, transparência e qualidade da cafeicultura praticada na região surgiu a necessidade da criação de uma nova identidade geográfica dessa área, vinculada à qualidade superior do café nela produzido. Foi então delimitada uma região nomeada "Matas de Minas", à qual é formada por 63 municípios produtores de café, sendo a maior parte deles localizada na porção norte da mesorregião geográfica da Zona da Mata mineira e um menor número de municípios localizados na porção sul da mesorregião do Vale do Rio Doce.
Dentre os fatores ambientais da região destaca-se o clima favorável à produção de cafés de qualidade. As características do clima da região são influenciadas pela localização da região das Matas de Minas, que se encontra na Zona Intertropical e, por isso, recebe grande quantidade de luz solar durante o ano, fazendo com que essa zona apresente temperaturas mais elevadas ao longo do ano do que outras zonas climáticas do planeta.
Considerando que o regime térmico de uma região é influenciado pela incidência da radiação solar, já que o aquecimento do ar ocorre a partir do transporte de calor proveniente da superfície terrestre que é aquecida pelos raios solares, as características do relevo acidentado da região das Matas de Minas revela-se como um fator topoclimático influente na temperatura reinante na região. Além da influência do dia do ano e das horas do dia na radiação incidente, a geometria do terreno com diferentes ângulos de exposição das encostas das montanhas na região também influencia no total de radiação incidente na superfície do terreno.
A radiação solar que chega à superfície terrestre proveniente de fluxos incidentes devido à radiação direta e difusa é estimada a partir da radiação incidente no topo da atmosfera. Devido ao custo elevado para a manutenção de equipamentos, como os saldos radiômetros, essa grandeza não é comumente medida em muitas estações meteorológicas, sendo comum principalmente em áreas extensas, como a região das Matas de Minas. A estimativa é realizada a partir do uso de softwares como o ArcGis, que dispõe de uma ferramenta chamada ?Solar Radiation? e apresenta um algoritmo que realiza esse cálculo em associação ao uso de Modelos Digitais de Elevação (MDE).
No ano de 2016 o solstício de inverno, que é o dia que marca a o início da estação de inverno no Hemisfério Sul, ocorrerá em 20 de junho, e o solstício de verão, que marca o início da estação de verão, ocorrerá em 21 de dezembro. Na região das Matas de Minas a radiação que incidirá no topo da atmosfera nesses dois dias pode ser observada na Figura 1.
Figura 1. Radiação solar incidente no dia 20 de junho de 2016, solstício de inverno (a); e no dia 21 de dezembro de 2016, solstício de verão, respectivamente
Pode ser observado que no solstício de inverno (Figura 1a) as áreas que receberão maiores valores de incidência de radiação solar são mais restritas, localizadas nas partes mais altas da região, sendo que os maiores valores deverão variar em torno de 3.300 Wh.m-2 a 4.902 Wh.m-2; enquanto que no verão (Figura 1b) as áreas que receberão maior incidência de radiação, apesar de continuarem a ser as de maiores altitudes, serão áreas muito maiores. Nesse caso os maiores valores deverão variar entre 6.400 Wh.m-2 a 7.847 Wh.m-2, ou seja, aproximadamente o dobro da radiação disponível na estação de inverno. A análise da incidência de radiação solar nessas duas datas retratam, de modo aproximado, o comportamento da radiação solar disponível nas estações de inverno e verão na região das Matas de Minas.
A localização da região das Matas de Minas na região tropical é bem próxima ao paralelo limite da Zona Intertropical, onde é comum a ocorrência de ampla variação entre as temperaturas média máxima e média mínima ao longo do ano. Devido ao seu relevo acidentado, essa região também apresenta ampla variação da temperatura do ar ao longo do dia, principalmente na estação do inverno, devido à passagem das massas de ar polares sobre a região. Essas massas contribuem para a caracterização do clima local que, baseado na classificação climáticas de Köppen, destaca-se predominantemente como Cwa definindo o clima regional como ?clima temperado quente?. Assim, a temperatura média do mês mais quente é superior a 22ºC e a temperatura média do mês mais frio, inferior a 18 ºC, sendo que, nesse caso, a época mais seca do ano coincide com o inverno do Hemisfério Sul. Por se tratar de um clima mesotérmico as estações do verão são marcadas por grande volume de chuvas, sendo também o verão a estação do ano em que a nebulosidade é máxima.
Por se tratar de região cuja característica principal do relevo são as montanhas, a altitude nas Matas de Minas varia desde 174 até 2.829m, sendo que 78% das áreas da região estão compreendidas entre a altitude de 400 e 1.000m. Abaixo de 400m encontra-se 13% da área e as maiores altitudes, acima de 1.000m - encontradas principalmente nas serras do Brigadeiro e do Caparaó - representam 9% da área total. Tal característica faz com que a altitude média da região seja de 697 metros (Figura 2).
As regiões mais altas nas serras do Caparaó e Brigadeiro atuam como barreiras das correntes dos ventos úmidos que ocorrem nos níveis mais baixos da atmosfera que, ao se elevarem próximo às montanhas, condensam dando origem a formação de nuvens orográficas.
Essas nuvens colaboram para o aumento do albedo da região e para a retenção de umidade suficiente nas encostas escarpadas das montanhas, contribuindo para a redução da temperatura do ar e a formação de áreas com microclimas classificados como Cwb, segundo a classificação climática de Köppen, ou seja: clima temperado úmido com inverno seco e verão ameno no qual a temperatura média do mês mais quente é inferior a 22ºC e durante pelo menos quatro meses é superior a 10oC.
Figura 2. Relevo da região das Matas de Minas elaborado a partir do SRTM reamostrado para 30 metros no projeto TOPODATA realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais do Brasil (INPE)
Nestas regiões são produzidas, dentre outras culturas, o café, destacando-se a espécie coffea arabica.
O café arábica é oriundo de regiões de clima tropical úmido com temperaturas amenas sendo que temperaturas do ar elevadas influenciam no crescimento, nos processos fisiológicos e na produtividade do cafeeiro. Temperaturas elevadas encurtam o ciclo da planta, provocando maturação precoce e comprometendo a qualidade dos grãos. O processo de colheita e a pós-colheita também é antecipada terminando por ocorrer em estação ainda muito quente e úmida.
Temperaturas do ar elevadas nos meses de janeiro e fevereiro (Figura 3), na fase de enchimento dos grãos, é prejudicial, pois as temperaturas elevadas quase sempre estão associadas à baixa reserva de água no solo. Temperaturas elevadas podem causar escaldadura nas folhas e comprometer a fotossíntese reduzindo assim a produção de fotoassimilados, o que prejudica o processo de formação de frutos provocando, consequentemente, quebra na produção.
Figura 3. Valores de temperatura do ar nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro na região das Matas de Minas. (WorldClim, 2016)
Com base na Figura 3 é possível observar que a distribuição da temperatura média do ar no meses de janeiro e fevereiro ocorre sempre com os maiores valores nos municípios de Muriaé, no sul da região das Matas de Minas, Mutum, na porção nordeste e em Caratinga e Raul Soares, respectivamente ao norte e noroeste da região das Matas de Minas. Os menores valores são alcançados na região montanhosa localizada nas serras do Caparaó, do Brigadeiro, e de São João - essa última localizada em Luisburgo.
O clima no período mais frio do ano torna-se mais tipicamente serrano principalmente durante o período noturno, devido à queda de temperatura que deixa o ar mais denso, favorecendo assim a formação de correntes de ventos que se deslocam nas montanhas na direção morro abaixo e, por isso, podem ser classificados como correntes de ventos catabáticos ou "brisa de montanha". Essas características térmicas das regiões montanhosas das Matas de Minas cooperam para que a base das nuvens stratus, formadas próximas às montanhas, cheguem a tocar o solo das montanhas, passando então a serem chamadas de névoa, neblina ou, popularmente, de serração.
À medida em que se intensifica a redução noturna da temperatura do ar nos vales entre as montanhas, cujas altitudes médias também são elevadas, aumenta consequentemente a condensação do vapor d´água da massa de ar junto ao solo, favorecendo também a formação da serração nessas áreas de vales entre as montanhas.
Após o nascer do sol ocorre o aquecimento da superfície das montanhas nas partes mais elevadas onde a radiação solar direta incide primeiro. O aquecimento das partes mais altas das montanhas contribuem para o aumento da temperatura tornando o ar menos denso e favorecendo assim a formação de correntes de ventos que se deslocam nas montanhas na direção morro acima e, por isso, podem ser classificados como correntes de ventos anabáticos ou ?brisa de vale?, que caracterizam o movimento do ar nas regiões montanhosas durante o período diurno. Esses ventos, quando úmidos, contribuem para a ocorrência das chuvas orográficas mais comuns nas montanhas mais altas, contribuindo para que as áreas com maiores altitudes da região apresentem maior volume de chuvas durante o ano.
Para a região das Matas de Minas nos meses de fevereiro e março ocorre respectivamente a granação e a maturação dos grãos de café, sendo fundamental um bom volume de chuvas nesses meses para o sucesso da safra. Pode ser observado na Figura 4a que para o mês de fevereiro os maiores volumes de chuva ocorrem na região do município de Caparaó e na porção mais ao sul da região das Matas de Minas, seguindo pela parte mais alta da Serra do Brigadeiro até a altura dos limites municipais entre Araponga, Sericita e Pedra Bonita. Os menores volumes de chuva são alcançados mais ao nordeste e noroeste da região respectivamente nos municípios de Mutum e Raul Soares. No mês de março (Figura 4b) pode ser observado que os maiores volumes de chuva concentram-se exatamente nas partes mais elevadas na região montanhosa localizada no limite entre os municípios de Simonésia e Manhuaçu, nas serras do Caparaó, do Brigadeiro, e de São João.
Na região das Matas de Minas o volume médio anual das chuvas varia entre 1.110mm a 1.819mm, sendo que as áreas mais ao norte e a oeste da região apresentam os menores volumes de chuva. Já os maiores volumes são registrados tanto nas regiões mais elevadas quanto nos municípios localizados mais ao sul da região das Matas de Minas (Figura 5).
Figura 4. Volume de chuva na região das Matas de Minas (WorldClim, 2016)
Figura 5. Volume médio de chuva que ocorre durante o ano na região das Matas de Minas (WorldClim, 2016)
É nessa estação do ano que também é comum a formação da Zona de Convergência do Atlântico Sul (ZCAS) que apresenta localização média nos subtrópicos e está associada a escoamento de ventos da baixa troposfera. Essa extensa faixa de nebulosidade se estende por milhares de quilômetros, com orientação NO/SE, desde a parte Sul da Amazônia, passando sobre a região das Matas de Minas e chegando até alcançar a parte central do Atlântico Sul.
A região das Matas de Minas, devido às características de relevo montanhoso, com altitude média de 697 metros e, principalmente, pela localização na porção leste de Minas Gerais, apresenta clima temperado, com temperaturas amenas em grande parte de sua área; maior incidência de radiação solar nas áreas de maiores altitudes e período bem definido das estações chuvosa e seca, sendo todas essas características climáticas da região favoráveis à prática da cafeicultura para obtenção de cafés de qualidade superior.
1Pesquisador da Embrapa Café/ Epamig UREZM na área de Agrometeorologia e Climatologia, atua principalmente em pesquisas voltadas para o tema Mudanças Climáticas Globais. - williams.ferreira@embrapa.br ou williams.ferreira@epamig.br
2Bacharel em Geografia cursando Licenciatura em Geografia na Universidade Federal de Viçosa - Bolsista Fapemig/ Epamig Sudeste. gabriela.regina@ufv.br
3Graduanda em Eng. Agrícola e Ambiental na Universidade Federal de Viçosa ? Bolsista Fapemig/ Epamig Sudeste. thuane.barbosa@yahoo.com.br
4Pesquisador da Epamig na área de Fitotecnia, atua em pesquisas com a cultura do café. - mribeiro@epamig.br
5Professor associado no departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa, área de atuação: Geoprocessamento elpidio@ufv.br
6Engenheiro agrônomo, consultor do Sebrae (MG), que também já atuou como pesquisador na Embrapa Café. jlsrufino@vicosa.ufv.br