Por Coriolano Xavier, membro do Conselho Científico Agro Sustentável (CCAS) e Professor da ESPM
Por obra da própria natureza, e com a contribuição de alguns desmandos ambientais do homem, parece que há no horizonte a possibilidade da agricultura de países de clima temperado, nossos concorrentes no mercado internacional, perderem vantagens comparativas naturais que possuem em relação aos desafios fitossanitários das lavouras. Trocando em miúdos: as pragas podem se tornar mais agressivas e vorazes no hemisfério norte, por conta das mudanças climáticas e da elevação das temperaturas médias do planeta.
O alerta está em um estudo publicado na revista Science, em agosto último, mostrando que a elevação das temperaturas médias poderá aumentar a população de insetos nas regiões temperadas, pois temperaturas mais altas favorecem a taxa reprodutiva dos insetos, nessas áreas. O estudo também indica que o aumento do calor nessas regiões deve aumentar a taxa metabólica dos insetos, de forma exponencial, tornando-os mais famintos. Como se vê, um potencial impacto negativo sobre produtividade, preços e até segurança alimentar.
Insetos mais prolíficos e mais famintos, nas regiões temperadas do planeta. Essa é a visão colocada pelo estudo, coordenado pela Universidade de Washington e com a participação de outras universidades norte-americanas, como a de Stanford. A pesquisa aponta, ainda, para perdas que poderiam afetar culturas como milho, arroz e trigo, estimando de 10% a 25% a cada grau Celsius de elevação na temperatura média, dependendo o cultivo. Lembrando que entre a comunidade científica mundial já se raciocina com a hipótese do aumento de 2º C.
De acordo com a pesquisa, Estados Unidos, Europa e Ásia poderão sofrer este tipo de impacto climático. Do ponto de vista fitossanitário, é como se houvesse certa “tropicalização” do hemisfério norte, que então se veria às voltas com níveis de infestação desconhecidos por lá, contra os quais teriam que utilizar recursos de controle ou preventivos, como aumento no uso de pesticidas, talvez de OGMs também, e práticas de manejo como rotação de culturas, entre outros recursos para conter o eventual recrudescimento dos insetos.
Lembra o manejo integrado de pragas, consagrado pela pesquisa científica brasileira, e que permite ao nosso agricultor uma gestão bem-sucedida e segura das infestações, gerenciando a maior voracidade típica dos insetos no mundo tropical e mantendo níveis muito bons de produção, produtividade e qualidade geral dos alimentos. Embora nem sempre esse papel econômico e de segurança alimentar das tecnologias fitossanitárias seja ponderado pelas pessoas com equilíbrio, justeza e compreensão estratégica dos cenários de abastecimento.
Depois de uma década de declínio, a fome no mundo voltou a crescer e, segundo o último relatório anual da ONU (2017), estava afetando 815 milhões de pessoas. Entre crianças, indicava mais de 200 milhões sofrendo algum tipo de impacto negativo na saúde, decorrente de fome ou má nutrição. Isso mostra bem a complexidade tecnológica, econômica e moral existente no desafio da produção de alimentos. E, agora, com o fantasma do aumento futuro da competição dos insetos, nas zonas temperadas. Por essa, ninguém esperava.