Dentro das comemorações dos 40 anos do Conselho Nacional do Café tivemos a palestra: “A principal vulnerabilidade da cafeicultura mundial e brasileira pós pandemia” com Albert Scalla – diretor vice-presidente da StoneX Financial Inc. O palestrante destacou pontos fundamentais do momento atual e do que está por vir no mercado mundial. Scalla enfatizou que não se pode controlar nem a economia, nem o câmbio mundial, apenas gerenciar. O especialista apresentou dados representativos de um mercado volátil, de 2019 em diante, por causa da pandemia.
Para Albert, o produtor deve acompanhar as principais variáveis que afetam o preço do café, como por exemplo: a inflação, a variação do dólar e do real brasileiro, o superciclo das commodities, a reabertura das economias globais e o clima.
“Nos próximos três, seis meses, vamos ter que estar atentos com a inflação. Não somente a inflação mundial, mas a inflação dos EUA porque vai afetar o valor do dólar. Mas, ao mesmo tempo, tem que estar acima do valor do real brasileiro”, ressaltou o palestrante, que explicou porque a inflação impacta o preço dos cafés brasileiros.
“Se temos uma subida muito grande da inflação e, já temos, do ano passado a maio desse ano, a inflação dos EUA subindo 5%. Ou seja, para os governos pararem essa inflação têm que aumentar os juros. Se os EUA aumentam os juros, sem dúvida vai gerar uma subida do dólar. Mas o problema: se o dólar sobe, tem uma correlação completamente inversa nos preços das commodities. Então, o produtor de café tem que ficar de olho nesse comportamento econômico”, sugeriu Scalla.
Albert Scalla trouxe a avaliação de dois pontos em que os produtores podem e devem atuar, são eles: o consumo e as estatísticas.
O palestrante apresentou números da evolução da produção do café e do consumo. Destacou o fato do consumo per capita não acompanhar o crescimento da população mundial. “Uma cautela, esses números (vide imagem abaixo) ainda não tomam o que aconteceu com o consumo durante a pandemia. A preocupação é que esse número pode ser pior. Isso são os temas que nós, no mundo do café, temos que começar a atuar”, alertou Scalla.
O diretor da StoneX mostrou preocupação com os baixos números de consumo dos 10 principais países produtores de café. “Os dez países não consomem 10 milhões de sacas. Menos do que 63% do que consome o Brasil”, avaliou. O baixo consumo dos outros países produtores (média de 1,2 kg por habitante) são, para Albert Scalla, uma oportunidade para os produtores brasileiros. “Nós na StoneX vemos nisso como grande janela de oportunidade porque se esses números (dos demais países produtores) tiverem níveis bem altos, parecidos com Japão, Estados Unidos, seria bem difícil subir esses números. Mas, os números estão no chão, ou seja, um pequeno aumento na maré vai subir todos os barcos”, analisou.
Como usar a janela de oportunidade
Scalla apresentou sua sugestão dentro dessa janela de oportunidade. Segundo ele, o foco é promoção global do consumo de café. Citou exemplos de produtos que investem pesado em marketing de consumo, como a Coca-Cola, o leite que dobrou consumo com a campanha mundial “Got MilK”. Citou o exemplo das Olimpíadas 2016, em que não houve nenhum movimento do mercado cafeeiro mundial para estimular o consumo de café durante os jogos. “Nos jornais falaram que não houve café na Vila Olímpica porque a Coca-Cola e as outras (empresas) tinham controlado isso. É o que nós no mundo do café temos que mudar. Temos que tomar essas oportunidades, quando tiver um marketing opportunity aproveitar esses eventos”, criticou.
A concorrência no consumo também foi alertada por Scalla durante a palestra. Segundo ele, bebidas como água cafeinada e energéticos estão se aproveitando do ingrediente cafeína para alavancar suas vendas. “Nós temos o produto original e já está começando uma concorrência bem grande com a água cafeinada”, ressaltando que o Brasil tem que saltar este obstáculo.
Crises do café
Albert Scalla falou ainda sobre o comportamento histórico dos preços do café, e das crises enfrentadas na produção. “Essas crises vêm porque temos essas geadas, essas secas, esses eventos climatológicos que pegam uma subida muito grande nos preços”, enfatizou explicando o que geralmente acontece quando os preços sobem. “Estoura a produção mundial do café. E, infelizmente, depois dessas subidas, temos essas quedas, essas crises cafeeiras que temos no mundo, com a queda dos preços internacionais”.
E como o produtor deve se posicionar diante dessas situações? Scalla garante que a única forma de estabilizar a volatilidade e dar suporte aos preços é estimular o consumo. “Antes de iniciarmos um forte ciclo de produção devido à atratividade da alta dos preços devemos produzir o consumo”.
Problemas nas estatísticas
O palestrante criticou a forma como as estatísticas de oferta e demanda da cadeia café é realizada, ressaltando que nos 29 anos de carreira, trabalhando com o produto, nunca conseguiu números confiáveis. “Com os dados disponíveis hoje é praticamente impossível saber o real volume de café produzido, consumido e em estoque no mundo”. Scalla apresentou uma planilha (vide imagem abaixo) de oferta e demanda que mostra uma diferença de mais de 10,4 milhões de sacas. Disse ainda que cerca de 30 empresas fazem pesquisa de produção brasileira sem visitar o Brasil. “Isso traz volatilidade”. Continuou dizendo que “o mercado não pode receber essa falta de transparência por parte do mundo cafeeiro”.
E como o mundo faz pra levantar dados de consumo? Os analistas utilizam a formula do desaparecimento. Levam em consideração os números da produção, subtrai-se a exportação ou importação e os estoques para se chegar ao consumo. “Qual é o problema dessa fórmula? Não sabemos qual é a produção. A exportação e importação temos conhecimento porque temos registros. Os estoques são um problema grande, não sabemos qual o número exato”. Scalla disse ainda que “se temos duas das três variáveis erradas, temos o consumo errado”.
De volta para o futuro
Finalizando, Albert Scalla garante que o ditado “se não podemos medir, não podemos gerenciar” é verdadeiro. Segundo ele, os números precisam ser mais exatos e confiáveis, o que diminuiria a volatilidade da cafeicultura.
O palestrante deixou uma reflexão para os participantes: “O que vamos fazer com os preços sem precedentes na história? Investir ou perder? Vamos deixar que esse barco passe de novo frente a nós? Precisamos fazer avanços extras em tempos sem precedentes. Temos que tomar essa decisão rapidamente. Temos que estar preparados porque estamos voltando para o futuro. Temos que superar ainda os problemas com a pandemia e tudo, mas vamos voltar. Temos que tomar a oportunidade dessas condições que temos hoje no mercado”, finalizou parabenizando e agradecendo o CNC pela oportunidade de ministrar a palestra.
O presidente do Conselho Nacional do Café, Silas Brasileiro, agradeceu Albert Scalla e parabenizou o palestrante. “Foi sem dúvida uma palestra enriquecedora. São rumos fundamentais apresentados que farão a diferença na vida do cafeicultor para a melhoria da renda no campo. Ressaltamos que o CNC está fazendo uma parceria com a CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) para levantamento confiável da área cultivada em grãos e melhor estimativa possível de safra e colheita”.
Assista a palestra completa no vídeo abaixo: